A miséria é um hábito. E um péssimo hábito.
Gerações de brasileiros acostumados a viver mal, vemos a riqueza como algo muito distante de nós, em cada condizente com os padrões de qualidade. Desse hábito surge a crença de que neste país só têm prosperidade os que de forma desonesta ganham a vida e, dessa maneira, fazem fortuna. Ignorantes de pai e mãe, muitos de nós ou foram educados politicamente no condicionamento de uma esquerda xenófoba, que só vê a destruição econômica do Terceiro Mundo como consequência inevitável e fatal do sucesso do Primeiro Mundo, ou foram criados, opostamente, na farsa de que o estrangeiro é sempre melhor, acreditando dever em tudo ser imitado.
Não por outra razão ou encontramos uma enorme massa amorfa, propensa a aceitar como suas, realidades inseridas em contextos em tudo diferentes do seu, ou percebemos uma minoria restrita à teorização de políticas estranhas àquela grande massa, no messianismo pueril da intelectualidade forjada em modelos também alienígenas.
Absolutamente, há falta de identidade!
O brasileiro já nasce pobre, e aprende e linguagem do infortúnio com a mesma facilidade com que aprende a falar, a andar, a ler e a escrever. E como tudo que aprende, aprende mal, não entende porque é assim tão miserável.
Opulência e luxúria são coisas distintas. No entanto, a eiva do caráter nacional reside na supressão do bem individual em nome de um lacônico e infundado sentimento comunitário. Como se pauperismo fosse nossa verdadeira e única vocação, nos acomodamos à mais extrema penúria imposta por castas sociais pretensamente nobres e melhor dotadas intelectualmente. Contraditório, mas ao mesmo tempo em que admiramos dos líderes a sua abastança, liderados cultuamos a idéia da riqueza pecaminosa, a ser evitada por nós. Há razões históricas em tais condutas, onde as frustrações pessoais costumam ser amenizadas no sucesso dos chefes e guias. Como explicar a aparente identificação do súdito com seu rei, do governado com seu governante?
Na sugestionada impossibilidade de um bem-estar geral, sobrevivem os vulgos no pálido e fugaz reflexo do esplendor alheio.
Uma revolução real ocorre muito mais com o concurso de idéias que com a propagação de ideais. Nenhuma alta aspiração pode ser melhor do que a opinião particular. Privilegiar, pois, a representação mental de cada um é alcançar a identidade pessoal. Na falta do reconhecimento dos caracteres próprios e exclusivos de cada indivíduo, prevalece a enganosa aproximação entre os carentes e os copiosos. Toda perfeição concebível jamais é compatível com a utilidade dos conceitos mais imediatos. Representação não traduz-se necessariamente em mediação; delegar a outrem o amplo poder de intervir, é também sujeitar-se ao cerceamento do próprio intelecto. E, quanto maior a concentração de prestígio, tanto menor a possibilidade de emancipação coletiva.
Uma revolução de costumes sempre foi mais prodigiosa que um espírito belicoso. Afinal, o melhor dos Beatles não foi propriamente o rock e sim a atitude de inconformismo de um John Lennon.
Inconformar-se, eis a questão! A sublimidade não está mais na sublevação que na controvérsia. Uma vez instalado o princípio do contraditório, poderemos divisar a natureza dos acentuados contrastes entre a miséria da maioria e o fausto da minoria. Inequivocamente, entenderemos a artificialidade dessa mesma natureza, no caminho lógico e seguro da auto-valorização. E a miséria nossa de cada dia deixará de ser, então, o substrato da cultura brasileira.
(Marcus Moreira Machado)
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