Se o Brasil de hoje é sistematicamente achincalhado pela imprensa nacional e estrangeira houve tempo em que não somente um Ary Barroso rendia homenagens a este que, sem dúvida alguma, é um país singular pela miscigenação racial de seu povo e a conseqüente cultura marcada pela riqueza da diversidade, Já em 1888, Walt Whitman, o genial poeta norte-americano que tanto buscou exaltar a fraternidade democrática e a igualdade de raças, brindou-nos a todos nós brasileiros com os versos de sua "Saudação de Natal", oportunidade em que dá as boas-vindas àquele por ele considerado como um irmão, quando, então, para nós deseja "Que o futuro se haja sozinho, onde quer que surjam transtornos e obstáculos...", assegurando-nos que "Sobre ti nosso olhar paira esperançoso".
Se de um lado fomos admirados por aquele que foi um dos mais vigorosos e originais poetas do século XIX, Whitman, justamente pelo nosso "...fim democrático, a aceitação e a fé...", também um outro bardo e prosador, esse nicaraguense e tido como renovador da poesia espanhola, de pseudônimo Ruben Dario, com muita graciosidade soube privilegiar a sedução das terras brasileiras, bem como a formosura da mulher nacional, reconhecendo que "Existe um país encantado/No qual as horas são tão belas/Que o tempo decorre calado/Sobre diamantes, sob estrelas...", onde "... a flor preferida/Para mim é Ana Margarida/Linda menina do Brasil". E tudo isso antes, bem antes da "Garota de Ipanema", de Vinícius e Tom, também ela "... Uma menina que vem e que passa... cheia de graça".
Enaltecido outrora e agora, por que então essa pilhéria a encontrar na mofa uma explicação para um Brasil aviltado pela devassidão?! Já rimos demais da nossa própria desgraça! Ou, será que, à maneira de Drummond, precisamos indagar: "Como morre o homem, como começa a?/Sua morte é fome/que a si mesma come?/Morre a cada passo?".
O pranto de carpideiras não devolverá vida a esse país agonizante, certamente. Mas, uma nação é feita de homens, e esses são feitos, naturalmente, de hombridade. Essa nobreza de caráter que no momento nos falta é a mesma que ainda poderá forjar uma nova geração, a maior esperança de um possível resgate da civilidade que perdemos.(Marcus Moreira Machado)
REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
sábado, 23 de maio de 2009
SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2009:"O LIXO NACIONAL"
Não sou exatamente um pessimista. Ao contrário, não apenas o real como também o hiper real me fascinam; mas não é minha a culpa se a realidade é péssima. Não pretenderei, pois, otimizar situações onde se registra a mais evidente degeneração do ser humano. E não é outra coisa o que identificamos num povo como o do Brasil, tragado pela superfluidade no tratamento de seus peculiares problemas nacionais.
De fato, rendidos estamos. Não temos mais que uma cultura de “almanaque”, consagrando o banal, ritualizando fórmulas decadentes de salvação individual ou coletiva. Somos tão descartáveis quanto as informações que consumimos todos os dias.
Valorizar a cultura seria, no mínimo, medida profilática, a prevenir males cruciais como a fome, a miséria, atualmente combatidos quixotescamente como causa da violência, origem da desagregação social, quando não são mais que reflexos de caos anterior.
Quando se trabalha com fenômenos sociais não se pode esperar a precisão da informática ou a certeza dos laboratórios; em sociedades múltiplos aspectos concorrem para maior possibilidade de dúvidas do que para probabilidade de acertos; o organismo social, quando doente, requer mais do que boa vontade, mais que otimismo, carece de conhecimento, e conhecimento prático. O que se verifica em ciências políticas e econômicas no Brasil é justamente o distanciamento da realidade mais óbvia. Opiniões diversas são apresentadas como “sui gêneris”, impressionando pelo ineditismo, mas todas por demais fantásticas para poderem ser pragmáticas. Talvez, por que não, não se queira mesmo resolver coisa alguma. Então, buscar alternativas, sempre, seja forma de ocultar a premeditação no desinteresse político; pois quem não pode ou não consegue crer na hipótese do “lucro” garantido pela miséria alheia?
No labirinto das teorias governamentais estamos a esperar um corajoso e apaixonado Teseu, a desafiar o Minotauro pelo amor à Ariádne. E como quem não tem nada briga por pouco, a violência fermenta a convulsão social em barbárie coletiva, por ninharias, por quinquilharias que em nações civilizadas não passam de lixo.Estamos também virando lixo! E o que é pior: não degradável. Vermes vorazes, encontramos na podridão da cultura brasileira, amesquinhada e aviltada, o putrefato alimento de nossas sórdidas paixões.
(Marcus Moreira Machado)
SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2009:"CRESCIMENTO E NANISMO"
Que a recessão e o desemprego são um fenômeno mundial todos sabemos. Que as conseqüências desse fenômeno repercutem em forma de formidável catástrofe social nos países já debilitados por gigantesca inflação, como é o nosso caso, muito mais que saber, certamente nós brasileiros amargamente experimentamos em nosso cotidiano.
Soluções que em nada contribuem para extirpar da economia nacional o veneno que corrói o nosso poder aquisitivo, essas nos são apresentadas de quando em quando, ou melhor, de eleição em eleição. Contudo, se nada e nem ninguém consegue a medida eficaz, é porque não existe nenhuma disposição para tal, quer dizer, não se pretende mexer em estruturas já sedimentadas na política econômica do país, sempre vítima de deformações no tocante à geração e distribuição das suas riquezas.
Obviamente, os reflexos dessa distorção se fazem sentir sempre que se considere não ser a distribuição de renda um fato posterior à produção de riquezas, em que "a organização do próprio processo produtivo determina a forma como a riqueza produzida se distribui entre salários e lucros". O que, então, se verifica é a desarmonia entre capital e trabalho, naquilo que é considerado "excedente da produção".
É inegável que o crescimento da economia - em qualquer país - pode dar origem à maior distribuição ou maior concentração da renda, segundo o padrão de acumulação existente. E se, imparcialmente, identificamos o padrão adotado na economia brasileira, imediatamente constatamos que as fortes desvalorizações monetárias, sucessivas, teoricamente destinadas a devolver o valor real à moeda e a estimular as exportações, na realidade só estimulam a concentração interna de capitais e propiciam a absorção das empresas nacionais por parte dos que chegam de fora.
Mão-de-obra excepcionalmente bem qualificada, predomina a não participação do trabalhador no processo fabril, impossibilidade conseqüente do seu mau desempenho já adquirido em sua básica formação profissional. Essa ausência de atributos, uma constância jamais contestada por sindicato algum, acarreta a "dispersão salarial ao nível da classe trabalhadora" que, por sua vez, "não contraria o processo de concentração da renda, que se nutre da expansão excedente". As lideranças sindicais, insensíveis, protestam, dessa forma, sempre a conseqüência, nunca a causa, pois o que deveria estar em discussão é a qualidade de vida dos funcionários, uma decorrência imediata do seu melhor ou pior desempenho, a ocasionar maiores ou menores salários, sempre como desdobramento de sua maior ou menor intervenção naquele processo de concentração da renda, a possibilitar, então, a maior ou a menor grandeza salarial.
O dilema entre o capital e o trabalho em nações de economia frágil como é a nossa tem causa naquilo que Paulo Freire chamou de "migração do capital" para os países subdesenvolvidos, onde encontra condições excepcionais de valorização. Assim, observa Freire, a cada período mais ou menos longo de estagnação e de crise o capital se lança ao assalto de novas áreas fracamente ou não de todo integradas à sua esfera de dominação; isto lhe assegura um novo período de expansão e de euforia que se opõe à tendência anterior. Isso é o que, de resto, se verifica em toda a América Latina, onde o sistema produz muito menos do que necessita consumir, resultando a inflação desta "impotência estrutural". Não temos, de fato, excedente de produção, temos sim é um absurdo baixo consumo interno. Aquele almejado equilíbrio na balança comercial, ocasião em que promove-se a harmonia entre importação e exportação, é entre nós de todo desconhecido, porque aqui os tentáculos de um Estado burocrático e todo-poderoso subtraem à nação o seu direito à sanidade.
Como não temos estadistas e sim "corretores" nacionais, no Brasil não se confere a devida atenção ao conceito do celebrado economista John K. Galbraith: "A vida econômica e política é a matriz na qual cada parte está interligada às demais e todas se movimentam em conjunto". Se não temos quem efetivamente represente os intersses e reclamos do consumidor mais simples é porque "na moderna comunidade industrial, a voz dos ricos, que inclui, notadamente, a voz das diretorias empresariais, sendo tão bem falante, via de regra é ouvida como representando a voz das massas".Desbancar os oligopólios é desbancar o próprio governo, pois que a grande empresa tem um poder mais subjetivo, no entanto mais importante, justamente pela pressão que exerce nos governos de uma forma geral. "Advogados-estadistas" garantem, através de "lobbys" o atendimento dos interesses empresariais. O mesmo não se dá com o que se julgou denominar "classe trabalhadora", desprovida da necessária articulação política para o confronto nesse "cabo de guerra" em que se tornou a política econômica brasileira. Ao contrário disso, a sua representação se faz por meio de pessoas despreparadas para negociações, oriundas, muitas vezes, do mesmíssimo sindicalismo incipiente e anão, mais colaboracionista e sempre menos atuante.(Marcus Moreira Machado)
quarta-feira, 20 de maio de 2009
QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2009:"REAL E LENDÁRIO"
Longe muito longe daqui, numa terra muito distante, havia um castelo e uma princesa. Não, não havia nenhum rei. Não que ele tivesse morrido subitamente. Em verdade, muito pouco se sabia sobre o rei, apenas era certo que um dia, desgostoso com os seus súditos, resolvera partir. Ficara a princesa, não porque o monarca quisesse garantir um eventual retorno, mas sim em razão de à época estar ela acometida de grave enfermidade, impossibilitada, pois, de seguir com o pai.
Muitos de vocês perguntarão: o rei teve coragem de, por um aborrecimento qualquer, deixar a própria filha, e ainda doente? E a rainha, cadê ela? Toda história do gênero tem uma. Existira sim uma rainha. Preferira ela, no entanto, permanecer no castelo, quando o seu amado esposo desistira de ser rei, imaginando que, passado aquele momento de enorme aborrecimento, ele voltaria para a família e para os súditos, pois quem iria governar melhor do que havia governado aquele monarca?
Quanto à princesa, podem vocês imaginar que a tristeza do regente não era em nada pequena, a ponto de abandonar filha, esposa, cetro e majestade. O real motivo dessa drástica atitude, eis o que de fato todos querem conhecer. Até mesmo a rainha, pessoa bondosa, porém sempre muito ocupada em fazer caridade que tempo não dispunha para ouvir os reclamos do consorte, ignorava aquela mágoa. Comenta-se que o rei insistia em professar idéias libertárias, abominando a monarquia, o que teria provocado a indignação e a repulsa do seu séquito que por gerações, por ascendentes e descendentes jurara fidelidade à Coroa e amor à dinastia. E que, já tomados pelo ódio, passaram então a desprezar o notável, porque queriam ter a quem obedecer e o monarca não desejava ser obedecido por ninguém, apenas pretendia o respeito mútuo entre cidadãos. Porém, cidadania era para a plebe algo tão inóspito quanto a abundante e lúgubre floresta que do castelo já se avistava.
A ideologia do regente... Ah! não interessa a ninguém. Certamente vocês estão muito mais interessados nos probleminhas domésticos da realeza, se a princesa ainda era virgem, se a rainha não traía o rei, se algum conselheiro era dado aos maus hábitos de ... Não é mesmo?
Embora numa terra muito distante da nossa, em nada somos diferentes da vidinha daqueles súditos. Preferimos, também, o fascínio de um mágico poder a nos governar com tributos e promessas, com promessas e caridade, com caridade típica da realiza. Mas, essa é uma outra história, é a nossa história que, por assim ser, nunca nos tem interessado.
Então, voltemos ao castelo.
Longe de lá, o regente nada mais regia do que a sua própria vida, cansado que estava de reger a ignorância do seu povo. Anônimo, o monarca delirava em sonhos de fantástica liberdade, propagando entre os gentios a concepção de um governo sem senhores nem vassalos. Por onde passasse, pregava os ensinamentos da humanização de todos os povos de todas as nações. A princípio, conseguira arregimentar alguns seguidores, todos convictos da prosperidade inerente à nova ordem. No entanto, em vão clamaram. A obstinação da excelsa maioria para com a idolatria fez perecer discursos e sepultar quaisquer ideais de fraternidade. Pior, bem pior, foi a derradeira aparição do "rei": já proscrito, foi caçado e morto, condenado por anarquismo.
A história tristeza alguma contém. Não é necessário imaginarmos um rei, uma rainha e uma princesa em meio a uma narrativa de ignaro séquito. Cá entre nós isso nos é bastante familiar. E é justamente essa familiaridade que nos aproxima do lendário, muito mais do que possa servir como severa advertência. Ainda por muitos e muitos anos acreditaremos em fadas, duendes, gnomos, reis e políticos, porque o fantástico é surpreendentemente mais crível. Ainda sonharemos com a liberdade mais próxima de um gênio da lâmpada de Aladin. E preferiremos viajar num mágico tapete para conhecer as riquezas saqueadas por um Ali Babá qualquer e a sua corja safada; ou, então, esperaremos um Robin Hood voltar, certos de que ele é um benfeitor que a todos nos alimentará e vingará de um vago e indefinido mal capitalista. Ainda insistiremos na falsa idéia de uma ultrajante humildade, no dualismo do "ter" e do "ser".
Repetidamente ouvimos histórias que, embora sejam as de outros povos, em tudo se identificam com o nosso imaginário.
Talvez isso se explique com a oportuna observação de que ainda não tenhamos tirado a fantasia, porque o que mais gostamos nessas histórias são os nossos próprios personagens - os bufões, mal pagos para fazer pilhéria até mesmo da própria sorte.(Marcus Moreira Machado)
QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2009:"GRANDEZAS"
Não se pode desconhecer, manuseando a História, que as sociedades, assim como o homem, têm suas épocas de preparo, de arrojos juvenis, de estacionamento forçado e de pronunciada decadência. E cada um destes estágios da vida pode ser mais ou menos longo, segundo o bom ou mau regime político, e conforme os bons ou maus costumes em que se assenta o corpo social. Quando a herança de um governo é um corpo gasto e carcomido pela corrupção política, torna-se muito fácil apoderar-se do poder, sem no entanto conseguir injetar-lhe novo sangue, nova vida que o regenere. Nesse estado de coisas ocorre, por longo tempo, o recrudescimento dos perniciosos costumes já arraigados no seio do povo.
A extrema decadência faz surgir os especuladores políticos, verdadeiros corifeus da demagogia, acenando com a liberdade fementida. Fascinam platéias de ingênuos cidadãos, para depois os subjugarem, e, sob a falaciosa promessa de “soberania popular”, amarrar o povo inconsciente ao poste da ignomínia. Em pleno naufrágio moral de uma civilização, querem, falsos políticos, implantar - sob o rótulo de “primitivos direitos dos homens” - a igualdade impossível. A insensatez da ambição e a cegueira do poder produzem destes fenômenos, verdadeiras aberrações na defesa da liberalidade prepotente. Com o pretexto de fundar uma nova ordem social, arregimentando e disciplinando uma horda de fanáticos, com os quais empreenderá temerosa campanha, o novo sistema governativo, com desprezo dos sentimentos humanitários, avassalar o próprio mundo. Dispondo das massas de povo ignaro, contaminado em suas qualidades morais pela fúria das paixões, forceja por suplantar os sustentáculos da razão. Cooptando perversos sequazes, utilizando-se do sofisma e outras armas dissolventes, quer estabelecer a nova ordem.
Nesta faina aguerrida, iniciada com o pretexto de renovar uma política, disseminam-se a intolerância e a intransigência, inaugurando-se os campos extremados das hostilidades. Faltando o critério fundado na aliança da autoridade, da razão e da consciência, grassa a desarmonia, impedindo a determinação da certeza e da verdade.
Os antagonistas da ordem preestabelecida, não atingindo, como desejam, o ponto objetivo de seus ataques, conseguem dividir, e despontar o desvario. Representados por homens pérfidos e sagazes, surgem os “libertadores”, angariando a simpatia do populacho e estigmatizando os costumes da burguesia. Sua idéia capital é destruir e não edificar. A falsidade de seus princípios, a deslealdade dos meios que empregam e o exuberante orgulho de que se acham possuídos são prova disso.
Empregando sempre o sofisma e apontando os abusos que deprimem a sociedade contemporânea, é fácil iludir os ignorantes e desvairar espíritos medianos. A sua doutrina, por se aparentar nova, atrai e fascina, obviamente a plebe incauta. Entretanto, a doutrina apregoada por estes falsos democratas é, na essência, a mesma que deriva de vetustas e inconciliáveis políticas; difere, talvez, na forma e na má fé com que é empregada.
Só grande homens, verdadeiramente esclarecidos e convictos da justiça da causa que defendem - a causa da humanidade -, podem refutar e confundir a cada um dos maiorais, desbaratando-os todos juntos. Só grandes homens, de espíritos fecundos, podem, nessa pugna ingente, descomunal, desfazer os sofismas e abater o orgulho dos pretensos “profetas da nova era”. Mas... Há, hoje, grandes homens!? Ou apenas "grandes" que se julgam homens?!(Marcus Moreira Machado)
TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2009:"PELA METADE"
Recebi um conselho que, confesso, me pareceu sábio. Eu deveria, pela sugestão que me foi dada, parar de escrever para adultos. A alegação foi a de que não existem mais adultos e sim marmanjos. Vaticinei um, mundo em tudo utópico, e já era chegado o momento de lidar com o presente, recomendaram-me. Um tanto curioso, eu indaguei no que se constituia o presente, e obtive como resposta: as crianças. O fundamento de tal assertiva estava no fato de que a criança é bem menos - ou quase nada - condicionada,, motivo pelo qual ela aceita mudanças, porque, afinal, ela mesmo está em plena e constante transição.
Ponderei. Não achei errônea a consideração., De fato, a criança de tudo quer saber e em tudo quer palpitar; no mínimo poderíamos dizer que o infante possui o que o marmanjo já perdeu - o senso crítico. A real dificuldade para mim que também já sou marmanjo, é entrar no mundo infantil. Mais que isso, eu admito, o meu temor é ter que "entrar no mundo", coisa que a molecadinha tira de letra. Porém, como o meu lado travesso ainda vive comigo, eu adoro desafios, como toda e qualquer criança, aliás. Eu acho um grande barato coisa mal feita, isto é deixar alguém extremamente irritado, só por deixar, dizer "não" quando quase todo o mundo nem sabe porque é que está dizendo "sim", e outras coisas do género. Até já fui em psicólogo, só para tentar descobrir o motivo da minha imaturidade. No entanto, o meu maior divertimento foi deixar a terapeuta nervosa com os problemas dela. Rí, rí muito, rí adoidado, até que ela me mandou plantar favas. Aí eu rí mais ainda, porque achei uma loucura a psicóloga perder as estribeiras com o paciente. Eu pensei com os seus botões: eu sou mesmo paciente, tenho muito mais paciência que essa psicanalista raquítica
Mas, porém,, entretanto, conduto, todavia... Embora assim meio meninão, sou "pai de família", vivo num mundo de gente séria que fala bonito e quer impressionar. Como eu poderia deveras impressionar as crianças? Trapezista, mágico, palhaço, conseguem isso com a maior das naturalidades. Eu não sou nada disso! Só sei fazer graça da própria desgraça, e a criançada não quer saber de coisas tristes, mesmo em forma de piada. Ser ou não ser... Ó dúvida cruel! Ser e não ser ao mesmo tempo... Ser metade, ser pela metade.
Um, bichinho, por exemplo, só quer brincar, não pretende ser outra coisa na vida senão um bichinho... Alguém pode perguntar a um animalzinho qualquer o que ele deseja deseja ser quando crescer? Ele nem deve ter alguma consciência do que é, e parece gostar bastante de ser o que é. Isso não é admirável?
Porque, vamos falar a verdade, nós que somos gente de carne e osso vivemos inventando de ser isso e mais aquilo durante a vida toda, e somos um bocado tristes, sem sabermos brincar nem nada. Não que a gente deva virar cachorro ou gato ou passarinho. Porém, ser feliz em ser o que é sem se preocupar com o que se é ou com o que se devia ser, é uma boa idéia, não?
(Marcus Moreira Machado)
SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2009:"FÉ NA FOME"
Ao pretender um pragmatismo como dever de ofício no combate à miséria, intitulando-se docente em causas humanas, a Igreja resvalou para um terreno que já fora de seu domínio, isso nos primórdios, de sua instituição - o político, dosando a temporalidade com os desígnios do próprio homem. Mas, quando foi posta à prova, por um Leonardo Boff, por exemplo, não soube mais delimitar o seu território, condenando o ex-frei a um ano de silêncio por ter publicado a sua magistral obra "Igreja, Carisma e Poder". O autor, magnífico, um profundo teólogo, ao reconhecer a fé muito além da Instituição, foi como que banido, modificando, no entanto, as regras de uma prática muitas vezes oportunista daquela que se diz representante exclusiva da humanidade.
Dom Helder Câmara, o notório Arcebispo de Olinda e Recife, em sua "Invocação à Mariama", acautelava-se, por volta de 1982, talvez desnecessariamente, de eventual repressão da classe dominante (assim por ele entendida) aos reclamos mediados pelas pastorais, e, alertando para o estigma de "política, subversão, e consumismo" de que a Igreja seria a vítima, lamentava "todos os absurdos contra a humanidade", "todas as injustiças e opressões". Mais uma vez o Evangelho de Cristo era colocado como arma poderosa na "denúncia contra os poderosos", tendo o problema da fome como estandarte.
Antes, muito antes, nos idos dos cinqüenta, um dramaturgo, um genial dramaturgo, nem inclinado à esquerda nem simpático à direita política, simplesmente um liberal de grandeza incontestável, autor que, à maneira de Gregório de Matos, não admitia a pouca inteligência, viesse ela de onde viesse, bem antes teve Nélson Rodrigues a ousadia de tomar público o seu desprezo pelo que denominou "padre de passeata", antevendo, talvez, a manipulação da "fome" como pretexto outro que não propriamente manifestação da fé. Quem sabe, esse sim um pecado inconfessável!(Marcus Moreira Machado)
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