A mágica, o misticismo e o ritualismo são ainda hoje as fundamentais características do que erroneamente denomina-se "religião". Da mesma maneira que o alquimista esteve impregnado de magia, buscando no fantástico as explicações para os fenômenos químicos, também o homem contemporâneo, sem ao menos cuidar da sociologia e da psicologia com a atenção merecida enquanto ciências que são, despreza a origem dos fenômenos psíquicos tão flagrantes nas vidas dos verdadeiros líderes religiosos. E, evitando a auto-identificação como procura do Deus imanente no homem, o que de fato temos promovido é a nossa rendição aos temores próprios da infantil superstição.
As teofanias, por exemplo, são uma demonstração veemente do psiquismo presente naqueles assim considerados como "profetas" da humanidade. Moisés, ao divisar a chama ardente numa sarça que não se consumia, acreditou ter lhe sido confiada a missão de desagravar um grande mal que pairava sobre os filhos de Israel; por apelo divino, apercebeu-se destinado a minorar o sofrimento de seu povo.
Quem mais tem se ocupado em estudar com seriedade tais "fenômenos" na atualidade é, sem dúvida, a doutrina Kardecista que, não sendo propriamente uma religião, pode servir de manancial para todo o mundo religioso.
O sectarismo religioso é, no entanto, algo fadado a desaparecer num futuro próximo, pois como já se observou "… O pedantismo satisfeito da sapiência e a confiança de beatos ignorantes, têm-se unido para revelar cada religião á luz de seu pensamento próprio. Em lugar de inquirir entre si, a fim de encontrar expressões mais profundas, têm elas permanecido fechadas e isentas de fertilização." E, agora, o que mais se verifica é o intercâmbio de idéias, com o decorrente acréscimo de conhecimento no tocante aos fenômenos pertinentes aos sentimentos e às reações humanas.
Desacreditadas, as instituições religiosas exigem uma reformulação de seus próprios princípios, num esforço para enaltecer a vida dos homens. O sobrenatural cede lugar à experiência religiosa, onde a maior consideração é para com significado mais amplo das relações humanas, tornando possível ao homem ajustar-se meio em que vive. Fala-se aqui de um despertador da consciência que, aos olhos de Guizot, é a faculdade que o homem tem de completar seu íntimo, assistir à própria existência, ser, por assim dizer, espectador de si próprio.
Há, certamente, enorme relutância por parte da igreja institucional em aceitar que a revelação do evangelho cristão é a de um poder interior ao homem, para a iluminação e transformação de sua vida. O poder que ao homem é negado não tem outro objetivo senão o de assegurar a eficácia de um sistema restrito á dominação pela manipulação daquilo que se imagina ser o sobrenatural, mas que pode e deve ser estudado cientificamente. Aliás, não por um mero acaso "político" e "religião" confundem-se através dos tempos. Da mesma maneira como o "político" quer submeter pela ignorância, o "religioso" presente limitar pela omissão. E, obviamente, não se pode esperar da desinteligência outra determinação que não seja a do ignóbil exercício desses podres poderes. Um substancial projeto ético, a estabelecer relações maduras dos homens entre si e com Deus, somente será viável quando os espíritos adquirem a grandeza para compreender a personalidade.
Compreender a alma humana requer auxílio da ciência, pois que, por se complexa, … se não tivesse diferentes modos de sentir, se as grandes desgraças não fossem uma refundição, um transfiguramento completo dela, o homem seria a negação do "Criador", como bem observou Camilo Castelo Branco.
Restituir ao homem o seu poder de criação é negar um Deus antropomorfo para admitir a probabilidade de Deus no próprio homem. E nenhuma confusão há de ser feita entre essa disposição e uma pretensa onisciência a guiar/nos em supremacia da raça humana no universo. Afinal, por religião entende/se muito mais "religatio" - a ação de atar de unir - , do que "relictio"- o abandono, o desamparo. Pois, a verdadeira "eclesia" se faz na conotação entre o poder de criação resgatado e a habilidade no seu desenvolvimento, ou, como preferiram os homens denominar - Deus.
A vida é especial, porém não uma "especialidade" como hoje o são os vários ramos do saber. Unificar, em vigorosa síntese, a filosofia, a política, a ciência…é vislumbrar a possibilidade de uma Religião superior, esclarecida e esclarecedora.
Assim, conceber essa Religião depende do esforço do homem, procurando instituir a harmonia em suas íntimas e profundas relações com o próprio meio.
Muito tempo se passou desde que nós - ainda povos selvagens - constituímos "classes sociais" reduzidas à fórmula simples do sacerdócio ou "poder espiritual". A sociedade humana, agora organizada, depende da Religião como condição essencial à vida coletiva. Não é crível que os meios pelo homem criados para aumentar o seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, sejam os mesmos utilizados para privilegiar podres,poderes afim de dominar pelo sacrifício. Já é chegado o momento de sabermos o que pode a religião fazer em prol do indivíduo.(Marcus Moreira Machado)
REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2009:"RISO SEM REMÉDIO"
O pranto de carpideiras não devolverá vida a esse país agonizante, certamente. Mas, uma nação é feita de homens, e esses são feitos, naturalmente, de hombridade. Essa nobreza de caráter que no momento nos falta é a mesma que ainda poderá forjar uma nova geração, a maior esperança de um possível resgate da civilidade que perdemos.
Assim como o poeta que celebrou as civilizações antigas e modernas, assim como Castro Alves, 'um esfomeado de justiça a entrever a Canaan que será o Brasil quando os homens deixarem de se entredevorar à maneira de feras famintas', urge clamar: "Ó pátria desperta... Não curves a fronte/que enxuga-te os prantos o Sol do Equador./Não miras na fímbria do vasto horizonte/A luz da alvorada de um dia melhor?" Porém, se a insanidade é atualmente o padrão de nossas existências, modificar o contexto que envergonha o país exige um aparato crítico norteado pelo discernimento e pela prudência. Cabe-nos, por isso, louvar aquela por quem "... as nações buscam a liberdade, entre clarões..."; resta-nos entoar um "Hino à Razão", como o fez Antero de Quental: "Razão, irmã do Amor e da Justiça, /Mais uma vez escuta a minha prece./É a voz de um coração que te apetece,/ Duma alma livre, só a ti submissa".
O futuro deste país está na remissão de todo um passado esquecido. Uma nova progênie há que se formar a partir dos ensinamentos contidos naquele que por Victor Marie Hugo foi chamado de o "libertador" - o livro. Sobre ele disse o escritor francês: "Lá na altura ele está, como altivo condor:/Brilha. Porque ele brilha é que nos ilumina;/Destrói o cadafalso, a miséria, a chacina./Ele fala, e nos diz: - Nada de escravo ou pária."
Nenhum líder devolverá ao Brasil a dignidade antes que um Platão, um Milton ou um Beccaria, Dante, e Corneille e Shakespeare impriman 'a alma imensa que tem' no caráter do povo, fazendo-o sentir-se 'igual a eles todos, altivo... meigo, austero e pensativo'. "Pois, no homem o saber é o que chega primeiro;/Depois a liberdade". Conclamar toda uma nação dispersa a lutar por direitos que ela nem sabe que tem... incitar uma nação que ainda desconhece a própria nacionalidade... É a mais evidente e oportunista mentira! Ensinar, dirigir a formação da nossa juventude preparando-a para a emancipação, é tarefa que a poucos interessa e que por muitos não é desejada.
Devotos da falsidade, peregrinam país adentro os profetas da ignorância, disseminando suas burlas com a empáfia típica dos pábulos. "A Verdadeira e a Falsa Devoção". de Molière, são lembradas por 'Cleanto' ao advertir 'Orgonte': "Tu desejas, Orgonte, a cegueira geral,/E eu acho que ver bem não me faz nenhum mal./Julgas que duvidar de crenças simuladas/É um feio desrespeito às coisas mais sagradas./Meu modo de pensar não me põe em perigo:/O que digo eu bem sei e Deus sabe o que digo./Como é que escravizar-te assim tu consentes?/Há falsas devoções como há falsos valentes".
Se lembrarmos que Jean Baptiste Poquelin Molière foi o maior poeta cômico do seu tempo, entre 1622-1673, inegavelmente entenderemos que temos muito pouco do que rir. E, com certeza, se não chorarmos, ao menos manteremos a sobriedade a todo o custo.(Marcus Moreira Machado)
SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2009:"POLÍTICA E MORAL"
Segundo Platão, a alma, que emana das esferas superiores, se localiza na matéria afim de impor a esta a lei da razão. No estágio atual do mundo, entretanto, a alma platônica, em lugar de se mostrar consciente do seu destino e da sua alta origem, deixou-se de tal modo impregnar pelas inclinações e incitações da vida dos sentidos que o “Eu ”físico a absorveu, submetendo-a inteiramente às suas exigências inferiores. O homem chama razão à força central do ser individual; mas, no dizer de Mefistófeles, o homem só dela se serve para se revelar ainda mais bestial que a fera. A força política e a vontade de poder têm hoje sido desenvolvidas com o propósito de regulamentar um gigantesco mecanismo de egoísmo e monstruosa covardia. Não se respeita um só direito individual, desses, que influindo como verdadeiras forças morais criadoras, se projetam no meio social como elementos de equilíbrio do conjunto, e representam o papel de agentes de refinamento das condições de vida coletiva. O que vemos imperar é o princípio do isolamento, deslocado do todo, longe de agir como fator de ligação coletiva, de unidade superior. A satisfação dos apetites de vingança entregam, assim, homens públicos aos instintos de luta brutais, verdadeiros espartanos que são. Descortina-se um espetáculo de dilaceramento de paixões, insufladas e atiçadas umas contra as outras.
Presume-se do estadista um indivíduo que, totalizando os valores do seu tempo, faz da sua vida uma unidade de tal modo dependente das outras unidades concorrentes do conjunto social, que cada uma delas nele se completa, a despeito de suas características particulares. A destreza política, por sua vez, é precisamente aquela que concilia na sua ação coordenadora, na sua aspiração para a unidade, o maior número de antíteses. No plano dessa terrível força de diferenciação, que cada um de nós traz dentro de si, como o irredutível do nosso próprio egoísmo, é que é chamado a operar o homem de Estado.
Os empreendimentos de ordem política não se realizam com o concurso de índoles vulgares, de aventureiros dominados de ambições imediatas. A política exige do indivíduo que a serve uma alta dose de espírito de sacrifício. As responsabilidades do poder, delas não nos desempenhamos sem a renúncia a vários bens e vantagens, que tornam agradável a existência do homem particular.O que no momento observamos, nas campanhas plebiscitárias, são políticos sucumbirem ao frenesi e às convulsões das suas paixões pessoais, quando tudo é devastado pelo instinto cruel da revanche que os arrebata. Todos, exacerbados, exibem, com perfeita candura, as riquezas colossais dos seus tesouros de boas intenções para a elevação moral do Brasil. O Ocidente atingiu, não há dúvida, uma concepção impessoal do governo, que é exercido por homens normais, como um instrumento de justiça e de prosperidade coletiva. No entanto, o Brasil ainda entende como governo um aparelho de opressão do indivíduo contra o indivíduo. Portanto. Pode-se delinear o supremo orgulho que alguns políticos têm em ser brasileiro. Seu nacionalismo se traduz bem vivo no modo como acolhem todas as iniciativas estrangeiras. Pretendem introduzir em nosso país uma mentalidade de Primeiro Mundo, desprezando o contexto sócio-político econômico nacional. As tecnologias do Primeiro Mundo, por exemplo, que aplicamos às nossas indústrias, já vêm todas elas aperfeiçoadas, assim como os capitais que aqui investimos são fruto de gerações mais habituadas à economia nos gastos do que nós, e dispostas a deles receberem juros muito mais baixos do que aquele que praticamos com o nosso dinheiro. A influência do fator econômico no progresso da nacionalidade e no bem estar físico e moral do povo é inquestionável. E o esforço que a classe política nacional terá de desenvolver nesse sentido independe, no momento, de sistemas e formas de governo.(Marcus Moreira Machado)
QUINTA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2009:"CORRETORES NACIONAIS"
O dilema entre o capital e o trabalho em nações de economia dependente como é a nossa tem causa naquilo que Paulo Freire chamou de "migração do capital" para os países subdesenvolvidos, onde encontra condições excepcionais de valorização. Assim, observa Freire, a cada período mais ou menos longo de estagnação e de crise o capital se lança ao assalto de novas áreas fracamente ou não de todo integradas à sua esfera de dominação; isto lhe assegura um novo período de expansão e de euforia que se opõe à tendência anterior. Isso é o que, de resto, se verifica em toda a América Latina, onde o sistema produz muito menos do que necessita consumir, resultando a inflação desta "impotência estrutural". Não temos, de fato, excedente de produção, temos sim é um absurdo baixo consumo interno. Aquele almejado equilíbrio na balança comercial, ocasião em que promove-se a harmonia entre importação e exportação, é entre nós de todo desconhecido, porque aqui os tentáculos de um Estado burocrático e todo-poderoso subtraem à nação o seu direito à sanidade.
Como não temos estadistas e sim "corretores" nacionais, no Brasil não se confere a devida atenção ao conceito do celebrado economista John K. Galbraith: "A vida econômica e política é a matriz na qual cada parte está interligada às demais e todas se movimentam em conjunto". Se não temos quem efetivamente represente os intersses e reclamos do consumidor mais simples é porque "na moderna comunidade industrial, a voz dos ricos, que inclui, notadamente, a voz das diretorias empresariais, sendo tão bem falante, via de regra é ouvida como representando a voz das massas".
Desbancar os oligopólios é desbancar o próprio governo, pois que a grande empresa tem um poder mais subjetivo, no entanto mais importante, justamente pela pressão que exerce nos governos de uma forma geral. "Advogados-estadistas" garantem, através de "lobbys" o atendimento dos interesses empresariais. O mesmo não se dá com o que se julgou denominar "classe trabalhadora", desprovida da necessária articulação política para o confronto nesse "cabo de guerra" em que se tornou a política econômica brasileira. Ao contrário disso, a sua representação se faz por meio de pessoas despreparadas para negociações, oriundas, muitas vezes, do mesmíssimo sindicalismo incipiente e anão que insiste em manter no confronto a sua atitude inconformista.(Marcus Moreira Machado)
QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2009:"EX-VOTO"
Brasileiro não tem predileção partidária, não possue necessariamente convicção ideológica propriamente dita; brasileiro quando vota, vota na esperança - uma esperança momentânea, mais inclinada à possibilidade de um consumismo imediato porque brasileiro quer esquecer o passado, mas não se incomoda quase nada com o futuro; ou melhor, o seu futuro é o próximo eletrodoméstico, a próxima "suave" prestação, o mais novo status de quem compra freezer, mesmo que não tenha mais de quinhentas gramas de carne moída para guardar, quer dizer, congelar. Aliás, o que parece é que brasileiro gosta bastante de congelamento - o, político o econômico e … o da carne moída!
Na falta de BMW (que alguns "novos ricos" insistem em chamar BM "VÊ"), uma nova eleição sucessiva a um novo plano econômico ( ou seria um econômico plano?), faz renascer das cinzas o facho adormecido dessa esperança que já imprestou ao brasileiro o seu sobrenome, quer dizer, "brasileiro, profissão esperança". E, de voto em voto, expresso tácito, nulo, branco ( porque essas também são manifestações de "esperança", esperança de que protestando a coisa toma jeito), voto ininteligível de intenções de voto que não conseguiram traduzir-se em gestos de votos, dada a imperfeição dos garranchos ( mentira, os garranchos são sim perfeitos) que acabam por eleger o analfabetismo em primeiro turno, e com um invejável percentual de vantagem sobre os outros votos, ou sejam, os votos dos semi-analfabetos ( ou seriam semi-alfabetizados; será a mesma coisa?)…Mas, então, de voto em voto, o brasileiro reascende a secreta esperança ( muito mais secreta de que o próprio voto, que esse um conhece o do outro, já que todo mundo faz uma questão danada de "explicar" o seu voto, numa tentativa nula de parecer consciente para anular a esperança alheia. Complicado, não?) de subir ao "pódium" do primeiríssimo lugar. Não é todo eleitor que gosta de Jazz e Ballantine's, ou já ouviu falar de Bourbon Street; assim como nem todo brasileiro-eleitor aprecia a buchada como iguaria gastronômica; mas, ter colaborado com o processo democrático das eleições livres ( livres de muitas dificuldades) já é quase sinônimo de ser também um candidato. E, o que é melhor, um candidato eleito!(Marcus Moreira Machado)
TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2009:"NA FLAUTA"
O Brasil não precisa de presidente, precisa de um flautista, e de um flautista mágico. Não mentiram quando disseram “um elefante incomoda muita gente...”, mas incomodam muito mais os ratos que põem inerte uma manada de paquidermes. E como temos ratos! Se fossem camundongos adestrados em condicionamento de Pavlov o país ainda estaria sob controle, não importaria a apatia dos proboscídeos estarrecidos. Motivo de grande preocupação, entretanto, e, antes, a profusão de ratoneiros a confirmar o provérbio “a montanha deu à luz um rato”, em sucessão de promessas pomposas com ridículos resultados. Então, precisamos mesmo de um flautista e não de um presidente; não a flauta do “ ‘seu’ Bartôlo tinha uma flauta, a flauta era do ‘seu’ Bartôlo...”, porque dessa já tivemos e até cansamos de cantar “toca a flauta, ‘seu’ Bartôlo”, em desafinada melodia, ainda mais sabendo “que isso em mim provoca imensa dor”. Chega de samba de uma nota só; a garota de Ipanema nem vai mais à praia, nem quer o escurinho do cinema. Trevas nunca mais! Acendam a luz, vamos ouvir a sinfonia de pardais no trinado dos bem-te-vis da praça é nossa como o céu é do avião, gorjeando e caetaneando em puro guarany de Carlos Gomes no A B C de Castro Alves. Aflautemos o hino pátrio na mais pura tradição da mocidade independente de vigários gerais. Afinal, para que “spalla” em coro de atabaques?! Hein, pobres moços? Ah, se soubessem o que eu sei...! Mas, as rosas não falam, e eu cá fico quieto, incapaz que sou de tirar coelho de cartola. Que fale Gregório: “Há coisa como ver um Paiaiá/Mui prezado de ser Caramuru/Descendente do sangue de tatu/cujo torpe idioma é Cobepa?”.
Um tocador de pífaro, em meio ao repentismo congressista, ia bem melhor que um blue. Ou Cleópatra também não ninou ao som de um “aulete”? Pois, não é este um, país da fatalidade? Merece uma fábula, portanto. A raiz grega é a mesma, e dela o “fatum” latino a indicar “brilho”. (a rainha egípcia teve um romano césar a seus pés, eis porque eu acredito em fadas e duendes e lulas).
Hammer ainda virá. Mil uma noites já se passaram; estivemos náufragos como Crusoé, quando um, outro césar buscava em Swift inspiração para as suas viagens em férias ao fantástico primeiro mundo de Júlio Verne; e vieram os vis roedores juntar-se aos nativos. O rato roeu a roupa do rei de Roma; a aranha arranha o jarro, o jarro arranha a aranha. Puro exercício de linguagem. Hammer virá e Andersen será primeiro-ministro a contar histórias para os meninos de rua, ensinando que criança nenhuma nasceu para morar em esgoto, que para lá é que o som do mágico músico levará a podridão planaltina. Que Pasárgada, que nada! Quem me ensinou a nadar foi os peixinhos do mar; Robson que fique e curta a sua ilha-fidel, tocando “charuto bichado” de músico amador.
Não sou apenas um rapaz latino-americano e desespero não é mais moda em noventa e três. Chega de pavão misterioso. O Brasil não é uma galinha morta que se venda a qualquer preço de banana tropical. Fundo monetário internacional não dá direito a fazer do país fundo de quintal. Ninguém quis república alguma, porque nem sabiam o que era aquilo; e, ,mesmo assim, “os soldados impunham à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e francamente exposta a garganta, degolavam-na... O processo era, então, mais expedito: varavam-na, prestes, a facão...:, como relata Euclides da Cunha, em “Os Sertões”.
O tempo passa, o tempo voa, e a poupança da tal “democracia representativa” lidera os investimentos a curto prazo na idiotice institucionalizada - são “os subterrâneos da liberdade”, ou a liberdade nos subterrâneos, ou o “Brasil, ame-o ou deixe-o”, que ninguém deixou, ele é que se foi pelo ralo, levado e esvaziado na fossa da falência política.
Nenhuma ferocidade “jacobina”, mesmo que capaz de agredir, compara-se ao tocador de flauta no que diz respeito à superação da crise nacional. Os ratos já habituaram-se aos venenos, e até crescem aceleradamente sob os seus efeitos. Fabulosamente ouviremos os acordes encantados no comando da desratização por exclusão quando, ao invés dos elefantes desprevenidos, atribuirmos poder às cobras e lagartos, bastante competentes na ingestão da repugnância roedora. O que vale dizer: na seleção natural das espécies a política brasileira sobreviverá ao banquete canibal, porque não outro será o destino da fauna liberal: devorar-se até a própria extinção.(Marcus Moreira Machado)
SEGUNDA-FEIRA, 15 DE JUNHO DE 2009:"MIX"
Cá neste rincão rococó, cá nestas plagas barrocas, encontrei noutro dia, em feliz e curiosa coincidência, todos juntos numa mesma praça, um pregador religioso, um sindicalista e um marreteiro.
Bradava o pregador a falência da vida temporal, conclamando os passantes a vicissitude da abundância no reino dos céus; bramia o sindicalista a falência do capitalismo, iniciando os transeuntes à fartura na próxima, nova e igualitária sociedade; proclamava o marreteiro a falência da velha e esfolada faca de cozinha, anunciando à multidão as inigualáveis vantagens de um revolucionário picador de legumes.
No mesmo exaltado tom, rivalizavam os três oradores-profetas de uma nova era, cada um deles querendo ocupar sempre mais espaço entre os fiéis, os proletários e os consumidores. E o povaréu ouvindo:
- “...à César o que é de César... vade retro satanás!!!”
- “... abaixo a burguesia... morte aos gringos imperialistas!!!”
- “... nada de faca, dona Xica... pica, pica, pica tudo... até língua de sogra!!!”
Não é que alguém não entendeu nada, misturou os discursos, e murmurou:
- “... compro a danada da maquininha, pico os tais gringos e me livro do demônio... E vou pro céu...!”
Um outro gajo, enfiado na multidão, acrescentou:
- “... desse jeito, a classe operária vai ao paraíso! “Em seguida, duvidou:
- “... mas isso não é nome de filme?! Fellini, Bergman, Goddard, coisa parecida?! Vai ver é chanchada da Atlântida, da Vera Cruz, ou um filme pornô...”
Insistentes, os suplicantes rogavam atenção de todos, e exibiam a bazófia, tudo em meio ao alarido típico das turbas suburbanas. E clamavam... Clamavam em nome de Deus, em nome da liberdade, em nome da facilidade.
Quão úteis todos eles, eu pensei. Como é bom viver plena democracia, concordei. Que felicidade tropicana, exclamei. Tenho assim assegurado o meu inalienável direito de ir e vir, ainda que seja da terra para o céu (ou seria o contrário?); não mais serei um escravo da miséria, pois que já é chegada a hora da minha tão sonhada emancipação econômica, na final derrocada da opulência alheia; que bom poder ser consumidor em potencial de bugigangas utilitárias!
Nem Fellini, nem Bergman, nem Goddard... eu quero é Mazzaropi! Sou anarquista italiano tropical, e salada é meu favorito hino nacional. Progredi sempre na desordem, sob a luz néon das estrelas do Cruzeiro do Sul; estive no sertão de Canudos, lutando ao lado do monarquista Conselheiro, e sobrevivi; fui o último cangaceiro a procurar, de lampião na mão, um homem honesto no sol do agreste; proclamei a República Juliana no outubro bolchevique, perseguido e foragido com Anita e Garibaldi.
Eu quero ir pro céu! Eu quero ser socialista! Eu quero comprar!!!
Acima de tudo, eu quero ter o imenso prazer de ser um outro artista a discursar intermináveis blás-blás blás nos ouvidos moucos de tantos quantos crêem. E Tomé nem precisa ver, porque nem santo precisa ser; pode ser (é preferível ser) apenas de Sousa, primeiro e último governador-geral do meu Brasil particular. Assim, eu vou ser um Caramuru-sancho-pança, colonizando as formidáveis metrópoles de urbanizadas favelas, espraiadas no Atlântico, guarnecidas nas serras do Tordesilhas.
Eu também serei missionário: vou picar inhame e aipim, picar cana cubana na goela dos loucos de todos os gêneros.
Eu ainda fundarei um sindicato e clamarei justiça social e máquina de lavar roupa para todos!
Comprarei um canal de televisão, e venderei o paraíso em trinta e seis suaves prestações, sem intervalos comerciais para não prejudicar a quimera dos meus parabólicos e incondicionáveis fãs.
Vou virar salada tropical!(Marcus Moreira Machado)
DOMINGO, 14 DE JUNHO DE 2009:"CONSCIÊNCIA E REPRESENTAÇÃO"
A opinião pública não é outra coisa senão a consciência da espécie, tanto quanto a própria consciência é apenas expressão -em cada indivíduo- da opinião pública.
O instinto de conservação é que leva a opinião pública a tão-somente aprovar, via de regra, atos favoráveis, direta ou indiretamente, a tudo o que se considera o 'bem' da espécie, em frontal reprovação daqueles outros cujos resultados, supõe-se, possam acarretar o contrário, isto é, causar danos.
A consciência é, em todos os indivíduos, a representante da opinião pública, sua defensora, pela qual cada pessoa se vincula à humanidade.
Aquele que pratica o que julga ser bom, mesmo se contrário ao seu particular interesse; e que morre obscuramente como um herói no cumprimento de um dever, sem esperança alguma de ser em qualquer tempo reconhecido; ele age desse modo porque sente em si uma testemunha do seu heroísmo, ouve da própria voz a aprovação dos seus atos em prol da humanidade. Assim é porque ele possui verdadeiro sentimento de que a opinião pública está ao seu lado, e que só por acaso ela se acha impedida de manifestar-lhe francamente a sua aceitação.
Imperativo categórico, consciência, opinião pública, são, pois, desdobramentos de um só fenômeno: manifestações pelas quais o indivíduo afirma a "solidariedade" da raça. (Marcus Moreira Machado)
SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2009:"SONHO CONSTRUÍDO"
A multidão circula pelas ruas, disputando espaço com automóveis, ônibus e ciclistas. Multidão e veículos não são apenas um grotesco movimento; fazem parte de uma cena impressionista, a ocultar verdadeiras formas, encerrando conteúdo não revelado; não há transparência. Nesse instantâneo, todos fazem por acabar com mais um dia, por adiar a paz, na mais pura tradução de uma vida circular e confinada. Em grande expectativa, é o mesmo que se espera com o futuro.
Como em Edgar Allan Pöe, há segredos que não se deixam revelar. Homem e chusma confundem-se em surpreendente envolvimento, no terrível medo de se estar só; é como se o amanhã não devesse existir. Então o alarido, o som das buzinas, as luzes de neon, placas, cartazes; o mundo em liquidação. Tudo como se possível fosse afugentar, também, o martírio do presente, um futuro imediato. Por isso, o homem é bicho enjaulado em tudo o que ficou como pretérito. Qual um condenado, ele só pode reviver fatos e sentimentos, em inútil resgate de si mesmo. Porque o passado é ameaça para quem quer escapar da vida; ele invade a alma e deixa sensação de que a vida não é, não foi, jamais será. E tudo é feito no exato momento em que ela é ânsia por si mesma.
Sem a esperança daquilo que não é, não existe, mas pode vir a ser, perde-se a força do sonho transformador. Substituindo-o, o realismo responsável nada constrói, antes é a própria estagnação, em reacionarismo demagógico. Destituída de fatores objetivos, a sociedade assim organizada evita buscar os elementos mediadores que assegurem a futura existência do que hoje é impossível. Então, teme-se a morte, mas não é outra coisa o que se pratica. Não se permitindo experimentar a plenitude, o homem civilizado prefere a morte adiada, cultuando- a como a um deus que aplacará o fantástico e absurdo da imensurável existência. Ele confessa o seu medo, por desconhecida que é, à morte, mas, parceiro dela, não admite o seu terror à vida, pela fragilidade que lhe é inerente. Aquela é vigorosa, iminente e fatal; esta é somente uma formidável promessa, jamais cumprida.
A “realidade da própria antecipação visada” pela imaginação utópica não delirante é “a única realidade plausível que existe”; negá-la é negar a imaginação concreta, a trabalhar não só com dados reias como também com a vontade do homem; recusá-la é antecipar a morte, escondendo-se nos movimentos circulares das multidões delirantes.
Na “tendência do coração humano a torturar-se a si próprio, levada ao último limite”, a imaginação utópica, anterior ao homem, não pode ser desprezada em prejuízo de sua vida. A previsibilidade de mundos rigorosamente ordenados garante exclusivamente o poder dos que se entendem iluminados na condução da humanidade; ao contrário, a imaginação do concretismo utópico é uma necessidade na sobreposição dos clamores falsamente civilizatórios e libertários.
A “resignação com a possibilidade do aniquilamento total” do ser humano há que ser alterada quando houver disposição para o reatamento dos vínculos com a essência natural, verificada no passado. Pois hoje, como se a cibernética tivesse adotado nossos critérios nos sistemas de controle do organismo humano, o homem tem perdido o seu maior direito - o de sonhar, e o de transformar o seu sonho em realidade concreta, numa proximidade imediata. Assim, ao mesmo tempo em que perde a sua identidade, criando “o tipo e o gênio do crime profundo: o homem que não pode estar só”, ele refugia-se em suas instituições estagnadas, em verdadeira prece a um deus que inventou e em que precisa acreditar. Isto porque tem perdido a capacidade de crer em si mesmo, rendido a lideranças que outra coisa não fazem senão limitá-lo, de tal maneira a nutrir hostilidade contra os seus desejos mais genuínos e mais íntimos.
O homem tem se tornado um conservador, seja ele um governante, seja ele um governado. E desse conservadorismo advém a insânia, a decretar o “suicídio”, a negação da vida, como aspiração “natural”. Como é a contradição entre a sua natureza real e o que se lhe projeta como “ideal”, ele sucumbe, e passa a não mais suportar a sua permanência neste mundo, por desconfortante que é.
Resgatar crenças que indiquem um lugar melhor, a situar-se neste mundo mesmo, será estar mais próximo da vida e da felicidade nela expressa.
(Marcus Moreira Machado)
SEXTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2009: "VIOLÊNCIA OCULTA"
Qualquer processo institucionalizado de educação mantem características estruturais e funcionais compatíveis com a necessidade de produzir e reproduzir -através de meios próprios- condições favoráveis à auto-reprodução da instituição representada.
Assim, detentor de poder, em sua função de reprodução de uma arbitrária cultura, o ensino dissimula as relações da sua base, nelas acrescentando a força que se lhe é intrínseca. Por isso, objetivamente, na abordagem desse contexto, toda ação pedagógica é uma violência simbólica, porque sempre imposta pelo poder arbitrário, no panorama da arbitrariedade cultural.(Marcus Moreira Machado)
QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2009:"HOMEM-COISA"
No processo da economia capitalista, a atividade pela qual o homem deveria afirmar sua humanidade passa a determinar exatamente o oposto, ou seja, a sua desumanização. O 'trabalho', já então alienado, pois que transformado em 'objeto', corresponde ao trabalhador comparado a 'coisa', enquanto as coisas propriamente ditas, que este cria, se afiguram como portadoras de vida e autonomia próprias. Ao final, aquele que imagina 'produzir' algo, tão-somente 'reproduz', na alienação própria à sua reificação. (Marcus Moreira Machado)
QUARTA-FEIRA, 10 DE JUNHO DE 2009: "APATIA"
Nas sociedades burguesas, em especial nas subdesenvolvidas, é expressiva a inclinação dos governados à perda gradual do sentido de responsabilidade, sempre que a desorientação e a desordem tornam-se imperantes. É nesses períodos, quando a costumeira apatia política,
tão própria dos sistemas capitalistas, ainda mais se acentua, que o homem comum (habituado a delegar à classe dirigente o poder e a iniciativa das decisões) perde a confiança na pretensa justiça. E isso, inevitavelmente, se traduz em profunda crise moral, concomitante (não apenas uma consequência, como se supõe) à crise política, econômica e social. Assim, não por outras razões, causa e efeito se confundem, como se fosse o bastante para justificar a "reação" dos omissos. Então, já não se sabe mais de onde o mal provem, se do poder oficial, se do poder oficioso.(Marcus Moreira Machado)
TERÇA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 2009:"FILÉ MIGNON"
"A gente não quer só comida…" Mas, nem comida a gente tem mais. "A gente quer diversão…" E a maior diversão do brasileiro hoje em dia é poder comer um danoninho que vale por um bifinho, quando é possível fazer a tal da "compra de mês", que agora é compra do bimestre ou do trimestre. É até bonito de ver…! A criançada toda fazendo a maior festa quando chega a perua do supermercado! Que nem precisa ser supermercado mesmo, porque tudo aqui virou super. Por exemplo, já vi mercearia ostentando no letreiro: "Supermercadinho São Judas Tadeu". Pode ?! Pode sim. E pode ainda muito mais. Pode virar antropófago sem o querer ser, comendo gato por lebre nos supermercados alternativos, ou de segunda mão, ou brechó de alimentação, ou pechincha, ou ainda e definitivamente "lixões", como é mais conhecido pelos habituais fregueses. Aliás, nem sempre tão habituais assim, porque vez ou outra um filé contaminado põe fim nesses glutões inveterados (ou, nessa altura dos acontecimentos, já seriam invertebrados?).
Dia desses, procurando encurtar caminho num cruzamento super, híper congestionado aqui de Sampa, eu me aventurei a caminhar por debaixo de um viaduto. O que lá eu vi me causou espécie: gatos, muitos gatos, gatos em profusão! Percebi que era tudo intencional. Em tendas improvisadas, ninhadas do dito felino faziam parte da esdrúxula criação. Isso mesmo! Os fazendeiros do asfalto contam com dezenas de centenas de cabeças… de gato!Um cantor popular já lamentou essa "vida de gato" do zé-povinho. E eu aqui, imaginando se aquela criação toda destinava-se a fornecer peles para os tamborins de alguma escola de samba do 1° grupo. Mas, caí na real. Com o advento do acrílico, pele de gato já não tinha nenhuma unidade real de valor. Então, aqueles pecuaristas tinham o "gado" para o seu próprio consumo. Antes isso, ponderei. Pior é viver (ou morrer?) nos sarcófagos da mega miséria...! (Marcus Moreira Machado)
SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2009:"ONTEM, HOJE"
Operários e levantes estudantis paravam, em 1968, na França, o país do Marechal De Gaulle. A década dos anos 60, caracterizada em seu início por uma retomada do crescimento econômico a nível internacional, estimulava nos brasileiros uma maior percepção para identificarem o enorme contraste entre a formidável pobreza nacional e a opulência localizada e restrita a poucos outros países. As exigências de transformação se faziam, também, pelo uso da violência.
Ainda em 1968, era assassinado, nos Estados Unidos, Robert Kennedy, sugerindo a ascensão daquele que futuramente seria conhecido como o homem do escândalo de Watergate, Richard Nixon. É também nesse ano que um jovem baiano, Caetano Veloso, assume o seu devido lugar na música popular brasileira, sendo inicialmente vaiado, para, em 1972, trajando uma jardineira e com um saco de palha a tiracolo, de retorno ao Rio de Janeiro, de onde saíra para o exílio em 1969, oferecer "um dos mais extraordinários shows dos últimos tempos no Brasil", assistido por uma imensa legião - os "caetanistas" -, e dando origem a um novo vocabulário, repleto de expressões do tipo "curtição", "barato", "bicho" e "desbundar".
À época, apologistas do autoritarismo recorrem a uma inconsistente "política de integração", como fundamento para a implementação de vultosos empreendimentos, justificando-os pela alegria necessidade de estabelecer vias de comunicação dentro de regiões isoladas, e delas para os "centros dinâmicos do país". Apelam mesmo à interpretação do Professor de Direito e Sociólogo francês Jacques Lambert sobre a estrutura social dos países latino-americanos; são citados "A América Latina" - uma análise das estruturas sociais e políticas do México, Brasil, Venezuela e Colômbia, entendidos como "quatro países retalhos pelo dualismo social" - e "Os Dois Brasis", com destaque para reprodução, no país, dos contrastes verificados no mundo, encontrando-se aspectos que "lembram os de Los Angeles ou Chicago" e os que fazem recordar os da Índia ou do Egito.
Numa enquête sobre a exploração da mão-de-obra infantil, a UNESCO, indignada, denunciava, em 1973, a surpreendente existência de mais de 40 milhões de menores de 14 anos utilizados como trabalhadores em fábricas, na agricultura, em pequenas indústrias, em oficinas de artesanatos, em hotéis, restaurantes e lojas, ou como vendedores ambulantes. A América Latina com a Ásia, África e o Oriente Médio, é apontada como região onde crianças exploradas como mão-de-obra são às vezes vendidas como domésticas, sob o disfarce de adoção.
E enquanto nos EUA crescia a crítica antimilitarista, satirizada em MASH, por Robert Altman, e denuncia-se o absurdo da guerra do Vietnã, no Brasil a pornochanchada dava o tom de uma cultura enfraquecida e com apoio governamental, sujeitando talentos promissores ao auto-exílio, ao passo que, por denúncia de um ex-comunista, os órgãos de segurança detinham um grupo de velhos militares considerados, então, subversivos. O ato Institucional número 5 já completara quatro anos de idade, e o ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, advertira os americanos contra riscos, ainda que pequenos, de uma política protecionista, proclamando que mesmo países de pequeno significado econômico poderiam atingir setores sensíveis da economia americana.
1973, apontado como o ano de grandes decisões, seria o da sucessão do presidente militar Emílio Garrastazu Médici. Sob o seu governo, instituído após breve período de ministros militares no exercício temporário da presidência, e que se impôs como tarefa " o restabelecimento da democracia", era morto Carlos Marighella, ex-deputado federal e, junto com o Capitão Carlos Lamarca, destacado líder subversivo. A indicação de Médici pelo alto Comando das Forças Armadas para assumir a presidência da República, justamente com o almirante Augusto Rademaker na vice-presidência, anunciara a sua disposição de restaurar a democracia, promover o progresso e a liberdade e reformar as instituições econômicas, sociais e políticas.
À época, instituíra-se o "Fundo para a Namíbia" que, tendo recebido mais de nove milhões de dólares, serviria, em parte, para financiar o Instituto das Nações Unidas para a Namíbia, a ser fundado em Lusaka, em 1976, para formar futuros administradores daquela nação. E, no Brasil, a remuneração do capital (o lucro) das empresas elétricas era considerada maior, em 40%, que a dos Estados Unidos, apontando-se, dentre as dez sociedades que maiores lucros apresentaram em 1970, as Centrais Elétricas de São Paulo, a Light, Furnas e Hidrelétrica do São Francisco; criticava-se a ausência de reinvestimento no setor energético e, em contrapartida, a aplicação dos lucros astronômicos empresas em setores totalmente estranhos, com conseqüente aumento fabuloso no preço da energia para o consumidor.
Bernardo Bertolucci, a exemplo de Pier Paolo Pasolini, embora menos mórbido, preocupava-se com as relações humanas na linguagem cinematográfica, e, pela realização da película famosa, "Último Tango em Paris", de 1972, se tornaria mundialmente conhecido. O brasileiro Nélson Pereira dos Santos, opondo-se à estratégia dos altos financiamentos, procurava e encontrava uma nova linguagem para o cinema nacional através de "Azyllo Muito Louco" ou "O Amuleto de Ogum", não obstante preenchesse o cinema norte-americano a maior parte da programação restante, diante do estrangulamento do mercado brasileiro.
Mais tarde, o já eclético compositor baiano, Caetano Veloso, afirmaria: "Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América Católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?"
Parece que foi ontem o muito que ainda é hoje: no Brasil e no mundo o bem e o mal confundem-se sob o mesmo lema - "Democracia". (Marcus Moreira Machado)
DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2009:"BRASIS"
O Brasil ainda terá muito tempo pela frente para se ver definitivamente livre da ignorância e do preconceito que, contraditoriamente, o colocam nas páginas dos jornais como um exemplo maior de subdesenvolvimento social. E, alheios a qualquer crescimento, ansiosos apenas por angariar dos dividendos a maior parcela, não verão os brasileiros, nem as crianças nem os adolescentes, mais que um final de festa, assim que acenderem as luzes daquela que, precipitadamente, julgam ser uma comemoração.
Se já não é momento para rostos sisudos, expressão natural de quem sempre apostou no fracasso e no pessimismo, também não é hora para festejos descabidos. O que se opera entre nós é o estabelecimento de uma firme convicção em nosso potencial; fortalecer as estruturas dessa proposição, no entanto, requer equilíbrio e moderação, algo a que não estamos habituados. Por isso, então, a exigência de cautela, a mesma que faz dos povos do mundo civilizado pessoas compromissadas com um futuro distante, integrante, porém, dos destinos de um país e das gerações vindouras.
Se há algum característico que deva ser imediatamente extirpado do caráter brasileiro, esse é o do individualismo. Não confundindo-o com individualidade (essa, a ser preservada em quaisquer circinstâncias), o egocêntrico haverá de sucumbir, substituído pelo sentimento mais elevado da solidariedade. Pois, enquanto a cumplicidade der o tom das relações em sociedade, inadmissível será apontar uma ínfima parcela da população nacional como representante corrente de opinião; não há que se falar em conjeturas desse ou daquele segmento social como o sendo o pensamento abrangente de um todo, quando, na verdade, a esmagadora maioria se desfaz ante a estratificação social acentuada e desagregadora.
A resistência a mudanças implica ou em manutenção de privilégios ou em passividade e conformismo. Nem uma e nem outra, a qualidade desejável será sempre a da transigência como pressuposto da transformação efetiva. E a felicidade, assim, deverá ser compreendida como objetivo a ser atingido muito mais pelo trabalho e pela obstinação que pela plácida contemplação daquilo que por outros foi realizado.
O próprio país é vários brasis, onde, enquanto num deles a maioridade conquista-se com a gorda mesada do pai, noutro a emancipação é bastante antecipada pela contingência da miserabilidade, exigindo de crianças e adolescentes um compromisso com outra felicidade, muito mais efêmera, porém muito mais urgente - a da particular sobrevivência.
(Marcus Moreira Machado)
SÁBADO, 6 DE JUNHO DE 2009:"CONTRASTES"
Pesquisa informa que enquanto os adolescentes argentinos pretendem mais justiça social, os jovens brasileiros buscam ser, apenas, felizes. É de se perguntar: a nossa juventude poderá ser feliz sem alcançar uma sociedade mais justa? Ou de qual adolescente brasileiro comenta a notícia? Daquele que já tem alguns motivos compreendidos como razão da felicidade, ou do outro - a grande maioria - esquecido no infortúnio, relegado à mais sórdida miséria em todos os níveis e sob todos ao aspectos?
Esses ultimos provavelmente nem sequer foram pequisados, pois que de há muito não são mais jovens (se é que foram algum dia), assim como nem crianças foram quando tinham idade para ser, mas obrigados estiveram a conhecer de perto as agruras supostamente exclusivas dos adultos.
Um alerta se impõe aos "meninos" do Brasil, esperançosos com a possibilidade de reascensão da classe média, diante de alvissareiras propostas de ordem política e econômica presentes no país: a felicidade não é um privilégio ou um presente; é, antes, uma conquista pelo trabalho, através do comprometimento com o bem-estar de toda a coletividade.
A vigilância, inegavelmente, é o instrumento hábil da soberania e da independência. Não por menos, sabem os argentinos a importância que tem a participação conjunta, quando se quer manter as vitórias obtidas pela perseverança nutrida nos embates sociais. Assim, será pela aquisição de uma nova ordem cultural, moldada no conhecimento das nossas mais particulares questões, que o adolescente brasileiro terá garantida a felicidade extensiva a todo povo nacional.
(Marcus Moreira Machado)
SEXTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2009:"ATEMPORALIDADE"
O fantástico e o utópico não se confundem com o ilusório, porque, juntos, contém a faculdade cognoscente que aponta para um princípio de realidade diverso do existente no mundo comandado pela lógica do lucro -a que transforma os homens em meros agentes da execrável 'lei do valor'.
Dessa outra realidade, uma nova concepção de tempo: não mais o tempo vazio e do trabalho abstrato, mensuração de uma espera, mas, sim, a intemporalidade do desejo, a fim de criar as condições de sua própria concretização.(Marcus Moreira Machado)
quarta-feira, 3 de junho de 2009
QUINTA-FEIRA, 4 DE JUNHO DE 2009:"SUPRESSÃO"
Indispensável, atualmente, refletir acerca do desaparecimento do sujeito revolucionário (em sentido marxista): rompeu-se a crença entre a teoria e a práxis, o pensamento do intelectual radical e a prática libertadora do proletariado -um perído muito antes integrado, primeiramente, pelo nazismo, dissolvido no stalinismo e, posteriormente, na sociedade tecnológica unidimensional. Daí, a origem das reflexões a respeito das tendências do mundo contemporâneo para uma outra modalidade de totalitarismo: o totalitarismo de um mundo homogêneo, uniforme, sem oposição, que suprime os indivíduos ao liquidar sua autonomia e a liberdade de ação na história.(Marcus Moreira Machado)
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