REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
QUARTA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO DE 2010:"CRIME E PECADO"
O maior problema da fome tem sido a tônica dos discursos políticos e religiosos pelo mundo afora. E sobre ela considerara Lord John Boyd Orr como a mais perigosa das forças políticas, responsáveis, por exemplo, pela precipitação da Revolução Francesa.
"Assim como a 'guerra', a 'fome' também não obedece a qualquer lei natural; antes, é a mais pura criação humana. Pois, cumpre notar que farta documentação obtida por antropólogos dão conta de que entre os achados paleontológicos dos grupos humanos mais primitivos não se encontram instrumentos nem sinais da existência da guerra organizada; tampouco se evidenciam, nos esqueletos fossilizados desses grupos primitivos, sinais de carências alimentares. A conclusão é de que tanto a fome como a guerra surgiram quando o homem passou a defender as acumuladas, obstando a distribuição das riquezas naturais."
Mas, se por um lado o ser humano conseguiu o paradoxo de criar dificuldades à própria raça, justamente quando alcançara um aprimorado grau de cultura, também obteve em sua evolução a capacidade de se indignar. Essa indignação deu causa, muitas vezes, ao desenvolvimento de práticas políticas que procurassem minimizar, ao menos, o sofrimento da humanidade.
Dessa forma, a Igreja, particularmente, com maior ou menor sinceridade de propósitos, tem demonstrado a sua preocupação diante da miséria e, principalmente, frente à sua maior componente, a fome. Assim é que no dia seguinte ao da sua ascensão à excelsa Cátedra Pontifícia, mais precisamente a 29 de outubro de 1958, em sua primeira mensagem ao mundo, exortava João XXIII : "Finalmente, quanto a todos aqueles nossos filhos em Cristo, especialmente os que sofrem na miséria ou estão afetados por qualquer dor, desejamos e rogamos que o benigníssimo Deus derrame abundantes graças sobre cada um deles e lhes faça chegar o auxílio e o conforto divinos".
Porém, se o papa João XXIII entendia que a verdade evangélica se fazia através da pregação "nas pacíficas fileiras da Ação Católica", mais recentemente, em 1979, o então Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, conclamava os seguidores e fiéis, e de resto os cidadãos de maneira generalizada, a uma participação mais efetiva no combate à situação de penúria experimentada pela grande maioria da população no Brasil. E discursava: "O Bispo, e com ele toda a Igreja, não pode assistir, calado, a uma violência difusa que atinge o povo, ceifando vidas, pela desnutrição… … pelo excesso de trabalho, fadiga e depauperamento, pelo desemprego e pela remuneração que não cobre as necessidades mínimas… … e pela asfixia da informação e reivindicação"
Pregando um inconformismo, o Cardeal Arns diz não bastar a comoção perante a miséria e a desgraça, e ser necessário a mobilização no combate com determinação às causas dos males. Essa atitude de interpretar a Igreja como instrumento de emancipação coletiva temporal é refletida no texto oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, um relato da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla de Los Angeles, no México, em 1979. Na adoção de critérios para a "sociedade nacional", os clérigos assumem a autoria no projeto de "redenção" da sociedade, e declaram: "A realização da pessoa consegue-se graças ao exercício de seus direitos fundamentais, eficazmente reconhecidos, tutelados e promovidos. Por isso a Igreja, perita em humanidade, deve ser a voz daqueles que não têm voz, cabendo-lhe uma ação de docência, denúncia e serviço em prol da comunhão e da participação".
Ao pretender um pragmatismo como dever de ofício no combate à miséria, intitulando-se docente em causas humanas, a Igreja resvalou para um terreno que já fora de seu domínio, isso nos primórdios, de sua instituição - o político, dosando a temporalidade com os desígnios do próprio homem. Mas, quando foi posta à prova, por um Leonardo Boff, por exemplo, não soube mais delimitar o seu território, condenando o ex-frei a um ano de silêncio por ter publicado a sua magistral obra "Igreja, Carisma e Poder". O autor, magnífico, um profundo teólogo, ao reconhecer a fé muito além da Instituição, foi como que banido, modificando, no entanto, as regras de uma prática muitas vezes oportunista daquela que se diz representante exclusiva da humanidade.
Dom Helder Câmara, o notório Arcebispo de Olinda e Recife, em sua "Invocação à Mariama", acautelava-se, por volta de 1982, talvez desnecessariamente, de eventual repressão da classe dominante (assim por ele entendida) aos reclamos mediados pelas pastorais, e, alertando para o estigma de "política, subversão, e consumismo" de que a Igreja seria a vítima, lamentava "todos os absurdos contra a humanidade", "todas as injustiças e opressões". Mais uma vez o Evangelho de Cristo era colocado como arma poderosa na "denúncia contra os poderosos", tendo o problema da fome como estandarte.
Antes, muito antes, nos idos dos cinqüenta, um dramaturgo, um genial dramaturgo, nem inclinado à esquerda nem simpático à direita política, simplesmente um liberal de grandeza incontestável, autor que, à maneira de Gregório de Matos, não admitia a pouca inteligência, viesse ela de onde viesse, bem antes teve Nélson Rodrigues a ousadia de tomar público o seu desprezo pelo que denominou "padre de passeata", antevendo, talvez, a manipulação da "fome" como pretexto outro que não propriamente manifestação da fé. Quem sabe, esse sim um pecado inconfessável!
(Marcus Moreira Machado)
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