Vorazes, aclamamos a propriedade com apanágio da vida. Porém, como o domínio se opera pela beligerância, será a morte declarada por necessária à manutenção da vida, no paradoxo de que os fins justificam os meios.
Já despidos da ética e moral, abjuramos a doutrinas convenientes à pragmática, em deliberada apostasia. Pois, a sociedade é condicionada e reduzida a um imenso cabaré, orientada apenas para a profusão da selecionada clientela. Leões-de-chácaras cuidam, no caso, de aliciar os fregueses, prometendo-lhes a segurança contra eventuais molestamentos.
A licenciosidade desse repreensível festim reveste-se de incerta normalidade, adotada mesmo como não-cogente, possibilitando à vontade particular sobrepujar-se à norma coletiva, em reconhecimento do individualismo com índole. Assim, a excentricidade é padronizada adquirindo status de verdade definida no tempo. Mas, convém lembrar, nada é definitivo. E, como observou o sábio do mundo islâmico, Al-Biruni, o tempo não tem limites, e gerações sucessivas são apenas estágios; cada uma passa para a outra a sua herança, que é então desenvolvida e enriquecida, em verdadeira metempsicose.
Uma reflexão se faz agora necessária: o que desenvolverão as vindouras gerações se herdarem tão-somente o vilipêndio? Não há que se falar em enriquecer a pobreza, ainda mais quando essa diz respeito a o espírito.
Sob o efeito dessas considerações é possível lobrigar um futuro subdesenvolvido, mais familiarizado com o pretérito, jamais renovado, em perpertuação da promiscuidade gerada na satisfação exclusiva do hedonismo. Negar, então, a desordem orgíaca como concepção comunitária será readmitir o homem como ser inteligente, capaz de discernir sabedoria e riqueza, estabelecendo o justo valor de cada uma delas, respondendo tal qual o sábio indiano quando indagado porque os estudiosos sempre batiam à porta dos ricos, enquanto os ricos não eram nada inclinados a virem ter à porta dos estudiosos: “os estudiosos - respondeu ele - conhecem bem a utilidade do dinheiro, mas os ricos ignoram a nobreza da ciência”.
Se o idílio não corresponde às expectativas do homem moderno, também não é a voluptuosidade a sua maior aspiração. Se é preciso um real desnudamento, peça por peça, máscara por máscara, necessário é o desnudamento de tanta hipocrisia, de tanto cinismo, acumulados por gerações empenhadas em fazer da “antropofagia” - pela devoração do espírito que deveria animar o homem - o melhor número do seu dissoluto espetáculo.
(Marcus Moreira Machado)