REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2009:"NEGÃO"
O francês não conhecia nem Romário nem a cor dele. Pixinguinha, então, certamente o francês para sempre ignorará - o músico, o grande compositor e... a cor dele. Na França também há negros, e não são poucos assim. Nos E. U. A. muitos negros existem, e o francês sabe disso, como também tem ciência de que negros existem em todos os continentes. o que provavelmente o dito 1º Mundo de fato não quer ver é a grande possibilidade do 3º Mundo, muito além de mulatas assanhadas tipo exportação, ou de negros 'desovados' em terrenos baldios daquilo que erroneamente se julga o 'quintal' do pseudo mundo civilizado, aonde a promiscuidade de gente e cachorros grassa, em versão esteriotipada de "Casa Grande e Senzala".
No Brasil há músicos e jogadores de futebol. Muitos deles, negros, são instrumentistas ou atletas que fazem o mais puro delírio do francês, do italiano, do inglês na Europa re-unificada por tudo o que pretensamente têm os europeus em comum, muito menos do que pela verdadeira identidade que guardam entre si - a arrogância como mãe da ignorância.
Cacá Vasconcelos, em meio a toda negritude de sua raça, é brasileiro e é percussionista. Na Dinamarca ou na Suécia, Vasconcelos grava música supostamente dinamarquesa ou sueca, com todo o sabor "jazz-afro-brasileiro". E a gente cá, pensando: será que eles não enxergam ou será que não ouvem?
Flora Purim - essa uma branca (ou será meio branca? Afinal aqui todos nós temos um pé na cozinha e outro no mato, com sangue negro e sangue índio nas veias) -, por várias vezes foi considerada melhor intérprete de 'jazz' no país de Tio Sam. Da mesma maneira, o "Traditional Jazz Band", de anglo-saxão só tem o nome, pois brasileirinho da silva, conseguiu sagrar-se favorito, mais de uma vez, em New Orleans, justamente o berço do "jazz". Pepito Martinez, pelo nome em nada lembra a raça negra, mas foi aqui, no Brasil, em meio à mescla de ritmos a fundir a musicalidade tão peculiar ao nosso povo, que a sua banda aprendeu a tocar, e bem.
Falar de Machado de Assis, de Lima Barreto (o grande defensor do 'maximalismo' russo e germânico do país), é raciocinar sobre a origem da Academia Brasileira de Letras por um mulato. Obviamente, o francês que não conhece um Romário de hoje, jamais ouviu falar desses outros craques; no máximo Pelé, não mais que isso.
Há o inverso preconceito? naturalmente.
Lembro-me de quando, ainda adolescente, passando por um boteco, eu ouvi som de timba ou atabaque acompanhando o samba no lugar. Habituado à percussão desde menino, sempre incentivado por meu pai, me deu uma vontade louca de batucar e pedi aos músicos - todos negros - para dar uma 'canja'. Foi engraçado o que eu ouvi: ô, minha gente, o couro na mão de branco... sujou. Dez minutos depois, eu já era chamado de 'irmão' e convidado a ficar para aquele e para mais outros batuques. À oportunidade, um outro branquelo como eu (será mesmo?) comentou: esses pretos são cheios de preconceito, pensavam que você, por ser branco, era ruim de samba. E eu respondi: espera um pouco, o maior preconceito do branco é achar que negro não pode ter preconceito! Não se falou mais no assunto.
Talvez o intelectualizado europeu conheça do nosso carnaval somente a nudez e não o lindo espetáculo de coreografia muitas vezes idealizado por negros que habitam a pobreza dos morros cariocas, não a nobreza da harmonia, para não falar de todo um conjunto de ricas divisões nas frases musicais dos tamborins, agogos, surdos e ganzás.
"Há quem diga que o batuqueiro é cheio de 'trejeito', razão pela qual o seu modo de agir é expressivo e magnífico... Não se deixa vencer pelo cansaço e facilmente cumpre o tempo correto da apresentação do batuque", comenta José Roberto Guedes de Oliveira. Mas, pretender que o 1º Mundo conheça a história do folclore afro-brasileiro é não levar em conta a história da colonização do Brasil, impregnada de ranço moldado na pretensa superioridade racial.
Ah, meu caro francês...! Você também não conhece Cassiano Ricardo, o poeta do nosso modernismo que sobre o 'velho espírito' dos acadêmicos olhares da também velha Europa assim se manifestou:... a meta da vanguarda brasileira era "a libertação dos ismos estrangeiros ainda que fossem os da vanguarda européia em benefício de um real local". Pois a nossa brasilidade está assentada em princípios e valores que são frutos da nossa riquíssima miscegenação racial, a fazer de homens rudes verdadeiros heróis, exaltados em uma única frase que vale por todo um hino - "O sertanejo é antes de tudo um forte".
Então, com é fácil explicar, no entanto é difícil de ser entendido, leve consigo esse nosso orgulho: "Eu sou negão!" E se quiser aprender um pouco sobre nós, ó meu francês, só mesmo vindo morar aqui, abandonando o seu jornalismo de pasquim, casando com uma negona e caindo no pagode depois de uma partida no Maracanã.
O convite está feito. Venha, porque uma outra qualidade nossa é a da hospitalidade, recebendo intrusos como se fossem nossos parentes mais próximos, servindo-lhes uma feijoada e um vatapá. Aliás, tudo coisa de negão.(Marcus Moreira Machado)
TERÇA-FEIRA, 3 DE MARÇO DE 2009:"SONHO POSSÍVEL"
"Um país constróe-se com livros e homens". Seria cômico se não fosse trágico: em franca desatenção a um preceito simples e irrefutável, omitindo o próprio homem como agente do desenvolvimento, olvidando os recursos humanos como base no processo econômico-social, negligenciando com a plena realização das potêncialidades humanas na razão e na finalidade do progresso, a melhoria do padrão de vida da população brasileira vem sendo sistematicamente relegada ao plano inferior da mediocridade.
Na ausência de institucionalização de uma política de mudanças sociais que viabilize restituir ao homem a sua condição de "objeto e beneficiário do desenvolvimento", no Brasil inconsistentes projetos governamentais buscam sanar os problemas estruturais do país pela adoção de critérios paliativos, postergando reformas e investimentos que visem modificar as causas da nossa ruína ética e moral, para fixar organização que cuidam apenas das verdadeiras e cruciais conseqüências.
À respeito do aprimoramento dos "recursos humanos" como necessidade primordial na geração e utilização de mão-de-obra de alto nível, responsável pela formação e investimento de capital humano como estratégia do desenvolvimento, comentaram Frederick Harbison e Charles A. Myers: "Em termos econômicos, poder-se-ia descrevê-lo como a acumulação de capital humano e seu investimento profícuo no desenvolvimento de uma economia. Em termos políticos, o desenvolvimento dos recursos humanos prepara o povo para a participação adulta nos processos políticos, particularmente como cidadão de uma democracia. Dos pontos de vista social e cultural, o desenvolvimento dos recursos humanos ajuda as pessoas a levarem vidas mais plenas e mais ricas, menos atacadas à tradição. Em suma, os processos de desenvolvimento dos recursos humanos destrancam as portas à modernização".
Entre nós, entretanto, prevalece, ainda, o total descaso. E, assim, desconsideram-se, por exemplo, as firmes palavas do Professor Vicente Greco Filho, para quem a precariedade de condições sociais é fator que facilita a implantação de toxicomanias, tanto quanto os conflitos psicológicos ou restrição dos horizontes profissionais; nessa disposição, a ampliação do mercado de trabalho, a motivação, a orientação e a educação "trarão o encaminhamento para a superação do conflito sem o recurso a drogas", muito embora a permanência da problemática residual exija, também, a eliminação da oferta de drogas.
O desenvolvimento dos recursos humanos, a se operar primeiramente pela educação, é essencial como meio eficiente na melhoria da qualidade do fator humano no aperfeiçoamento da sociedade. E essa "educação", quer seja compreendida como formal e sistemática, quer seja concebida de maneira assistemática, através de programas de educação de adultos, participação em grupos políticos, sociais, religiosos e culturais ou, ainda, pelo treinamento no emprego, complementa a melhoria dos padrões de saúde individual e coletiva, como argumentos convincentes na constituição de uma sociedade mais equilibrada e não dependente de "sonhos" promovidos pelo uso de drogas tóxicas e alucinógenas.(Marcus Moreira Machado)
SEGUNDA-FEIRA, 2 DE MARÇO DE 2009:'MEDO"
Temos, isso é certo, medo de amar. Porque essa é uma atitude que exige responsabilidade. O ódio, ao contrário, é a rendição do ser humano à irresponsabilidade típica dos que têm medo da vida. Viver é proclamar o império da solidariedade, é exaltar a pátria da justiça no alicerce moral da existência fraterna.
Um mundo sem preconceitos que nos dividam, porque a vocação maior é para a vida. A minha, a sua, as nossas vidas que somadas não mais se distinguem.
É preciso mais que nunca dar razão ao coração. O coração sempre terá voz... a razão é ocasional, forjada por breves circunstâncias que, em dado momento, impressionam, mas, fugazes, desaparecem cedendo oportunidade a outros tantos imperativos igualmente transitórios.
"Eu quero lhe falar de um grande amor/ Das coisas que eu aprendi nos discos/ Eu quero lhe contar como eu vivi e tudo o que se passou comigo/ Viver é melhor que sonhar..."
Eu quero lhe falar do meu amor que, apesar das aparência, resiste. Ainda que tenhamos essa fisionomia grave, sisuda, de quem vive (vive?) em meio a tanta turbulência, a tanto disparate. Não fosse esse inatacável sentimento e teríamos sucumbido às agressões de tantos quantos elegeram a discórdia como conquista vil da raça humana.
Quero estar vigilante para poder, acordado, bradar aos quatro cantos em alto e bom tom o grito de alerta: "Desesperar jamais!"
Não se trata de otimismo homeopático, mas sim de resgate necessário à sobrevivência da espécie humana; resgatar o que se nos é comum e essencial - o sentimento maior que nos aproxima uns aos outros. Não existe acaso diante do Universo, e não estamos, pois, nesse mundo senão por um propósito determinado; estarmos aqui agora não é isolamento, é preparação.
"Amai-vos uns aos outros" não é parábola e, portanto, não admite interpretações diversas e contraditórias. Dificílimo, inegável, para todos nós que da evolução só cuidamos de conhecer a técnica, em desatenção ao aperfeiçoamento moral da humanidade. Mas, fundamental, se pretendermos a harmonia como confirmação do valor de nossas existências. (Marcus Moreira Machado)
DOMINGO, 1 DE MARÇO DE 2009:"COMPARTILHAMENTO"
A vida é a mais pura adrenalina, muito mais que purpurina. Só se brilha quando se emociona, e sentir-se vivo é comungar a a harmonia da fantástica saga do ser humano na Terra, nas Paixões, nos infortúnios, na alegria de se reconhecer uma parte significante desse incomensurável universo que a todos nos toca pela sensibilidade extrema e superior de um mestre que conosco quer celebrar o milagre da criação. Agora já não somos mais pessoas dispersas e atônitas diante do desconhecido; antes, pulsamos as vibrações de entidades fraternas na busca da reconciliação entre o início, o meio e o fim. Pois que não existe o flagelo da morte e sim o doce encanto da vida a nos chamar para si, a nos conclamar para a união pela identidade espiritual.
Nossas almas são muito mais do que as vulgares exigências de um mundo obsoleto inventado pela covardia e fraqueza mundanas. Em cada um de nós há uma revelação que não conseguimos negar, e a que devemos render homenagens. Revela-se aos nossos corações a nobreza do amor transcendente à debilidade de sistemas falhos e provisórios.
Queremos um do outro as mãos apertadas em cumprimento de felicidade compartilhada; precisamos um no outro a mesma alma gêmea. Porque o que nos separa são ambições fundadas no receio do confronto com o limite único e verdadeiro, a tênue demarcação daquela que, sabemos todos, é propriedade coletiva - a imortalidade. Viemos de uma mesma fonte e é para ela que a todo instante voltamos.
Não há nada mais socialista do que o nosso sangue. Dele podemos ter a certeza de nossas igualdades; nem rico nem pobre, somos a supremacia de quem não conhecia inferioridade, chame ele Deus, tenha ele o nome que quisermos. Nascemos, então, maiores, onde e quando não existiam tamanhos a serem comparados uns aos outros. Se também inventamos grandezas foi consequência da nossa perplexidade diante da magnitude que nos invade a procura da unicidade.(Marcus Moreira Machado)
SÁBADO, 28 DE FEVEREIRO DE 2009:"CÍRCULO VICIOSO"
Restritos estamos a um círculo vicioso, em que transformações estruturais fundamentais urgem, reclamando presteza nas mobilizações, e, no entanto, são imediatamente recusadas por governantes insensíveis ao significado das premissas alheias.
Essa situação é caracterizada pela enorme probabilidade de um conflito violento entre as partes envolvidas, só podendo ser evitado a tempo com a compreensão das reais proporções da tragédia.
A natureza do conflito que se anuncia está em tudo quanto concorre para dar o caráter atual da nossa sociedade. Podemos, sem dúvida alguma, preparar - nos para ele; dessa forma, construiremos uma nova civilização, em tudo diferente do que qualquer outra que tenhamos tido até aqui. Ou, ao contrario, podemos resistir à sua marcha, com irreparável prejuízo para as gerações vindouras.
Precisamos - isso sim! - descobrir quais as causas mais profundas e impessoais do conflito, e não mais atribuí-lo à vontade caprichosa de homens de má fé. Essa descoberta só é possível com investimentos numa educação melhor adaptada ao caráter do nosso tempo , porque a maior parte da nossa população ( e aqui incluem-se os governantes) não é atingida, de modo profundo pela nossa herança cultural; segue pela vida sem consciência das forças que regem o seu destino, sendo presa fácil , nas grandes crises , de receitas paliativas, e rapidamente cai sobre quaisquer indivíduos, se persuadida de que eles são os responsáveis pelos seus males.
Há um interesse claro na perpetuação da ignorância, e dela só poderemos nos livrar se combatermos esse interesse.(Marcus Moreira Machado)
SEXTA-FEIRA, 27 DE FEVEREIRO DE 2009:"CONSENTIMENTO"
Quando os trabalhadores estão convictos de que a atual distribuição de riqueza é injustiça; quando, na organização de um partido político, os trabalhadores afirmam e divulgam que o sistema atual de propriedade particular é, além de injusto, em nada compatível com a riqueza potencial que eles têm de partilhar; quando os trabalhadores estão extremamente convencidos de que a miséria que sofrem é causada pelo atual sistema econômico; quando os trabalhadores insistem em proclamar que já tentaram reorganizar as instituições políticas sem que lhes fosse possível racionalizar as condições sociais; podemos conjecturar que não faltam os elementos necessários para uma transformação fundamental na sociedade.
Porém, temos aqui a ausência de imaginação dos governantes. Eles não sabem e não querem considerar o pensamento dos seus críticos. Incapazes para grandes concessões, demonstram fraqueza peculiar à ordem ameaçada, bem como a inabilidade de saber quando e em que devem ceder. Têm medo de modificações estruturais, em parte porque, acostumados durante muito tempo na perpetuação do poder, acreditam que o pacto final com a História já foi consumado, e em parte porque o medo do desconhecido os inibe para a faculdade de raciocinar com clareza. Consequência inevitável é que, no exato instante em que sua segurança exige que conduzam a nação para além dos limites que estão acostumados a considerar como garantidos, insistem em permanecer dentro desses mesmos limites. Não concebem a segurança senão em seus próprios termos.
Porque, para manterem essa tênue segurança, os governantes têm de fazer uma de três coisas. É necessário que sejam capazes de desenvolver um restabelecimento até o limite em que desapareça a descrença em sua própria capacidade de governar com êxito. Ou então devem aniquilar toda a democracia que tem sido o seu veículo d expressão política, afim de atacar as instituições históricas da classe trabalhadora, através das quais a descrença na sua capacidade para governar tem sido organizada para se manifestar. Ou, então, devem promover transformações fundamentais que permitem a adaptação das relações de produção às próprias forças de produção. Necessitam, portanto, promover um raro fenômeno histórico: uma revolução consentida.(Marcus Moreira Machado)
QUINTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2009:"PRODUTOS DA RAZÃO"
Da mesma forma como a superação da barbárie pelo advento da pré-civilização se operou através da incessante aproximação dos povos, e assim sucessivamente, o processo humano tem sido retardado pelos membros mais ambiciosos da família humana que, inconscientes, supostamente promovendo a modificação e a diferenciação das espécies, em processo de seleção natural. atrasa em milhares de anos o processo civilizatório, pelo confinamento oriundo de sucessivas guerras.
A desintegração e o conflito têm, ao que parece, acompanhado o processo das modificações fundamentais dos períodos revolucionários da raça humana. Reconhecer e preparar-se para advento de uma nova época, evitando a análise superficial, pela adoção de critérios de identificação das causas mais profundas e impessoais, será não escolher a alternativa mais pobre de resistir às mudanças.
Como a maior parte da população não herda a cultura conseqüente do acúmulo das experiências da civilização humana, impõe-se o reconhecimento dos malefícios causados pela ignorância, como percepção de uma nova educação norteada para a compreensão da atualidade. O desprezo por essa educação significará perpetuar a ignorância, já considerada como endêmica em nossa civilização
Se a exigência de um governo se fundamenta na condição necessária de relações sociais pacíficas, como forma de regulamento imposto aos sentidos opostos dos objetivos humanos, a sociedade só pode ter menos governo quanto mais sólidas forem suas bases, sempre estabelecidas por um acordo entre os homens, e assegurando-se a economia como um direito geral. Naturalmente, a consciência de uma herança cultural, através da implementação de um projeto educacional voltado para contemporaneidade, mais disciplinaria um novo espírito, voltado para um mundo que busca nascer, não mais dependente de governos fundados na excessiva soberania.
A História registra que todas as nações agressivas no nacionalismo exacerbado e segragador, pereceram juntamente com os seus inimigos. Pois, ainda que todos os homens não provenham de um tipo já definido numa única espécie, resultando, dessas diferenças, linguagens também diferentes, da mesma maneira como outrora conservaram em comum o uso da lança como um desenvolvimento da faca, e o da clava como um rudimento do martelo, superando, todos, a primitiva condição de "pithecanthropos", também agora a aquisição de experiências fertilizará a imaginação, preparando a chegada de um mundo mais justo.
O conflito desordenado de forças individuais, uma vez substituído pela formulação de regras conquistadas pela inteligência, cederá espaço à noção categórica da moral, obtendo-se, assim, a consciência como imperativo acima mesmo da lei.
Sendo a civilização uma educação, à concepção de um ditame intelectual e moral está condicionado o desenvolvimento da razão humana; a primeira renova-se à medida em que a segunda é aprimorada, e, reciprocamente, uma e outra determinam o maior e o menor progresso das relações sociais.
Sociedade e homem são, afinal, mecanismos e produtos da razão consciente.(Marcus Moreira Machado)
QUARTA-FEIRA, 25 DE FEVEREIRO DE 2009:"LOUCO ÚTIL"
Tolstói explica porque em seu parecer “A Ciência pela Ciência”, é uma concepção absurda. Nós não podemos conhecer todas as obras, pois que seu número é praticamente infinito. É, portanto, preciso escolher desde já. Podemos selecionar esta escolha sobre o simples capricho de nossa curiosidade? Não será mais importante deixar-nos guiar pela utilidade, pelas nossas necessidades práticas e, sobretudo, morais? Não temos outra ocupação mais interessante que a de contar o número de estrelas que existem sobre nosso planeta?
É indubitável que a palavra utilizada não tem para Tolstói o sentido que lhe atribuem os homens de negócios e, com eles, a maioria de nossos contemporâneos. Se preocupa pouco com as aplicações da indústria, com as maravilhas da eletricidade ou do automobilismo, os quais considera mais como obstáculos ao progresso moral. O útil é só o que pode melhorar o homem.
Nem uma coisa, nem outra. Nem esta plutocracia ávida e limitada, nem essa democracia virtuosa e medíocre, unicamente ocupada em expor o maximalismo da esquerda, e na qual viveriam sábios na ociosidade, que, evitando os excessos, morreriam não de enfermidade, mas sim de tédio. Mas, este é um problema de gosto, o que não é interessante discutir.
Nem por isso deixa de subsistir esse problema, que merece nossa atenção; se nossa escolha não pode ser determinada mais que pelo capricho ou pela utilidade imediata, não pode haver Ciência pela Ciência, nem, por conseqüência, Ciência. Isto é verdade? Que deva haver escolha, não há dúvida; qualquer que seja nossa atividade, as obras, os acontecimentos são mais rápidos que nós mesmos e não podemos nunca alcançá-los; ao tempo em que um sábio se empenha em descobrir uma obra, se produzem milhões de outras em cada parte de seu corpo. Querer encerrar a natureza na Ciência seria como querer encaixar o todo na parte.
Pois, os sábios acreditam que há hierarquia de feitos e que pode existir entre eles uma hierarquia criteriosa; têm razão, uma vez que sem isso não haveria Ciência, e a Ciência existe. É suficiente abrir os olhos para ver que as conquistas da indústria que têm enriquecido a tantos homens práticos não haveriam jamais existido se estes homens práticos não tivessem sido precedidos por loucos desinteressados que morreram pobres, que não pensam jamais na utilidade e que não tiveram outra direção senão a de seu próprio capricho. Estes loucos têm economizado a seus sucessores o trabalho pensar. Logo, pois, a maior parte dos homens não gosta de pensar, e isto, por outro lado, é um bem, posto que o instinto os guia; amiúde, melhor que a razão, nos guiaria uma inteligência pura, sempre que persigam um fim imediato; pois, o instinto é rotina e se pensamento não o fecundasse não progrediria mais no homem que na abelha ou na formiga. É necessário, então, pensar por aqueles que não querem pensar e, como são numerosos, é preciso que cada um dos nossos pensamentos seja o mais útil possível.(Marcus Moreira Machado)
TERÇA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2009:"ESPECTRAL"
Nos países onde o governo é tão simples que todo cidadão pode conhecer suas intenções, fiscalizar o trabalho, e ajudá-lo, ele considera os impostos como despesa pela qual recebe um equivalente; sabe por assim dizer o que obtém por cada soldo de imposto, e a equidade evidente de tal transação impede o mau humor de se manifestar. No Estado atual, pelo contrário, o imposto torna-se necessariamente odioso, não só pelas grandes despesas exigidas pela má construção do mecanismo governamental, como por ser em toda parte muito elevado, sua distribuição injusta, resultado de uma organização histórica da sociedade e de absurdas leis; mas o imposto é sobretudo odioso porque é determinado pelo fisco e não por virtude de um fim político racional.
Segundo a idéia moderna do Estado, o burocrata deve ser o mandatário do povo, de quem recebe os ordenados, os poderes, a consideração, o cargo. O burocrata deveria, em virtude desta idéia, considerar-se sempre servidor da nação e responsável perante ela; deveria sempre ter presente ao espírito que é nomeado para cuidar dos interesses dos particulares. Em cem leis decretadas, quer com o concurso do povo, quer sem ele, há, seguramente, noventa e nove que não têm por fim aumentar a liberdade de ação e as regalias da existência do cidadão, mas sim facilitar aos burocratas o exercício dos direitos soberanos que arrogaram para si.
A concepção filosófica do Estado mudou atualmente. Todas as constituições, desde 1789, falam do princípio da soberania do povo; mas, na prática, a máquina do Estado conservou-se a mesma. E, lamentavelmente, ainda prevalece a premissa de que o cidadão constitui-se em propriedade desse fantasma impessoal chamado Estado!(Marcus Moreira Machado)
SEGUNDA-FEIRA, 23 DE FEVEREIRO DE 2009:"FARSA"
Os constrangimentos que o Estado impõe ao indivíduo estão inteiramente fora de proporção com o conforto que oferece em troca. O cidadão não renuncia evidentemente, sua independência senão com fim determinado e com a esperança de certas vantagens. Supõe que o Estado, ao qual sacrifica parte do seu direito de soberania, lhe prometa em compensação velar sobre a sua vida e a sua propriedade; pensa que o Estado se servirá das forças reunidas de todos os cidadãos para executar coisas vantajosas ao indivíduo e que este não poderia nem empreender nem realizar sozinho. Pois bem! Forçoso é confessar que o Estado só corresponde a estas suposições muito imperfeitamente; não o faz melhor que os grupos bárbaros primitivos, que concedem aos seus membros liberdade individual incomparavelmente maior que a permitida pelo Estado civilizado. O capricho de alguns homens ou o egoísmo de pequenas minorias restringem, muito frequentemente, a eles somente o fim para que eram dirigidos os esforços do conjunto. O excesso moderno de governo, os documentos, os protocolos, e funcionalismo, as proibições e licenças sem fim, não protegem a vida e a prosperidade do indivíduo mais do que faria a ausência de todo esse aparelho complicado. Em troca de todos os sacrifícios, de dinheiro e de liberdade que o cidadão faz ao Estado, não recebe deste outros auxílios senão a justiça - por toda parte desmesuradamente lenta e dispendiosa -, e a instrução, que está longe, muito longe de ser acessível a todos no mesmo grau. Para obter estas mesmas vantagens, bastaria apenas uma só das numerosas restrições a que sujeitam a independência do indivíduo, do cidadão. Dizer que a liberdade individual é enfraquecida em atenção aos direitos da coletividade é ocultar a realidade; essa suposta atenção não impede que os indivíduos os sejam oprimidos, e priva a todos da maior parte de sua liberdade natural; a lei exerce de improviso e constantemente sobre todos cidadãos o constrangimento que, sem ela, algumas naturezas impetuosas exerceram talvez, em casos excepcionais, sobre alguns. A dependência em que se acha o cidadão para com as instituições do Estado não o dispensa de proteger-se a si próprio, tal qual faz o selvagem livre, com a diferença que aquele é mais inepto que este; porque desaprendeu de tomar cuidado de si próprio, não possui mais a compreensão exata de seus interesses, está acostumado desde a infância a sofrer a opressão e o constrangimento, contra o que o selvagem se revoltaria ainda mesmo com perigo de vida; o Estado incutiu-lhe na mente que as administrações e as autoridades devem ocupar-se dele em todas as situações.(Marcus Moreira Machado)
DOMINGO, 22 DE FEVEREIRO DE 2009:"REPULSA"
Não venham os imbecis de cátedra vincular de uma vez por todas a causa da nossa depauperada economia a suposta e bastante questionável conseqüência de alienação e de despolitização. Imunidade à idiotice institucionalizada adquire-se na recusa em aceitar a tal instituição. É algo mais ou menos assim: cada um de nós poderia (ou ainda poderá?) readquirir a capacidade inata de pensar, recusando-se a ser mero e passivo receptor e, consequentemente, fiel depositário das babaquices jornalísticas, para reassumir a freqüência de competente transmissor e gerador de idéias. Adaptar-se, em simbiose parasitária às imposições de uma mídia monopolista é render-se à farsa da festa democrática, onde todos têm o sacrílego direito de discordar sobre tudo e qualquer coisa que não ofereça nenhum perigo à estabilização da ordem cultural vigente e vigorosa (vigorosa porque tradicional, ainda que travestida na fantasia da renovação).
Eu não sou capaz de incomodar sempre que a pré-ocupação é incomodar-se com inverossímeis incredualidades.
Não levamos todos estes anos para a conquista de Estado de Direito algum! Então, que direitos são essas mil possibilidade de organizarmos as nossas outras mil diferenças em mais mil comitês dos “iguais”. O tempo que levamos não foi outro senão o para podermos admitir que agora já fazemos tudo aquilo que antes a censura não nos permitia: - as nossas próprias bobagens. Eles, os governantes de outrora (aliás, não por coincidência os mesmos de hoje), é que perderam o medo de nós (tinham?), perceberam que não oferecíamos o menor perigo, porque souberam identificar o crucial: que nós não temos o hábito de pensar, e que, por isso, quem não pensa arruina-se por imaginar que o faz.
Pré - potência é confinar-se no que pode vir a ser mas não virá, é perpetuar-se na latência do promissor postergado. Não é essa a minha vocação. Eu espero que discordem de mim sempre, mas não porque eu use ou não cuecas, jamais porque eu desacate com o meu impudor a Liga das Senhoras Católicas (ou o que restou delas) representada por uma imprensa banal e fofoqueira a vasculhar não os escândalos da rampa do palácio, porém as rampeiras das passarelas. Eu preferiria ser totalmente desacreditado por uma nação se ela dessa nota zero à espalhafatosa alegoria dos meus inebriantes discursos e desclassificasse o meu samba enredo de “pé quebrado”.
Se presidente fosse (e não quero ser presidente nem de clube da esquina) eu renunciaria imediatamente após a divulgação do pleito, somente para poder - em derradeira oportunidade - advertir os meus eleitores que eles são autogovernáveis, desde que distinguam “archein” de “krátos”. Quem sabe o Brasil ficasse curado de tanta insânia, também ela, a exemplo da vinheta global, gerada na ficção, dessa vez a política. E, quem sabe, cessasse de imediato essa insistente ejaculação verbal precoce pelo país afora. E, quem sabe, quem sabe, o brasileiro ouvisse mais atentamente a sua própria razão, que já não sei se está irremediavelmente enclausurada nos prosaicos atos libidinosos de um “juiz de fora” que nem de bandeirinha apita mais, amargurado em sua alcova presidencial da Sapucaí.
Enquanto eu não renuncio (o povo está preparado sim para votar, só não está para renunciar), cansei de não ouvir. Vocês, porém, façam-me apenas uma gentileza (vocês são deveras pródigos em gentilezas), ouçam-me uma única vez: '-Tchau e benção!'(Marcus Moreira Machado)
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