O espelho, há um só: o de Narciso, que, para "reviver" eternamente, furta rosto, olhos, lábios; subtrai a força das mãos; afasta coração; e, ardiloso, oculta no tempo toda essa mudança.(Marcus Moreira Machado)
REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
O Estado brasileiro decididamente não tem cumprido o seu papel democrático. Nele o bem-estar individual não é prioridade porque a ditadura política sobreveio a econômica, gerando o lamentável fenômeno social da fome.
Já Lin Yutang discernia as razões de um regime a consignar os objetivos deste ou daquele governo no panorama mundial: "Não se pode negar que do ponto de vista do Estado, organizado para a guerra e para a conquista, o totalitarismo tem tudo o que se diga a seu favor, mas do ponto de vista do indivíduo como a meta final visada pela civilização, e para o propósito de fluir as bençãos ordinárias da vida, ele não tem nada que se diga em seu apoio".
O Brasil, no caso, nem Estado tem, pois que , subjugado, é satélite artificial a orbitar na economia mundial voltada para o máximo lucro. "Nestes últimos anos, a era um tanto brutal da luta pelo lucro sem consideração pelo próximo vem se modificando, cada vez mais rapidamente, em direção a outra era social, na qual a liberdade, tanto política com econômica, começa a ser considerada como um direito inalienável de todo ser humano", ponderou Josué de Castro em seu magnífico ensaio "Geopolítica da Fome". Nosso país parece não ter sentido ainda a transição para a modernidade, onde a superação do tabu da fome assegure ao brasileiro a superior condição que deveria ter sobre os institntos. Não há que se falar, então, em Estado, quando nem se quer dominamos o problema comum a qualquer espécie sobre a terra, racional ou não, - a fome.
É o mesmo Josué de Castro quem adverte: "Foram fatores de natureza econômica especial que esconderam aos olhos do mundo feias trajédias como a da China, onde, durante o século XIX, cerca de 100 milhões de indivíduos morreram de fome, por falta de um punhado de arroz, ou como a da Índia, na qual 20 milhões de vidas humanas foram destruídas por esse mesmo flagelo, nos últimos 30 anos do século passado."
Que fatores na economia podem determinar a rendição do ser humano à barbárie da fome? Pois, vejamos. No presente século, em nome dos princípios da boa administração empresarial, a visar a maximização de seus lucros, os oligopólios, através de extensa multiplicidade de contratos particulares dividiram o mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, conforme bem observou Kurt Rudolf Mirow, também ele uma vítima do que denominou "A Ditadura dos Cartéis". Ao Brasil faltou disposição em recusar o jogo que lhe foi imposto pela ordem econômica mundial, ditada segunda as normas restritivas dos cartéis. É oportuno verificar que "com a liquidação proposital de sua própria estrutura industrial, que os outros países cuidadosamente preservaram, o Brasil entregou seu destino as mãos de pessoas cujos os interesses de certo não coincidem com os seus e , vivendo há mais de 11.000 km de distância, comandam gerentes locais das corporações chamadas multinacionais os "local white help" brasileiros, e decidem a sorte e o bem-estar de nosso povo".
Então, é de se perguntar: quem ou o quê governa o Brasil? o Brasil é de fato governado ou é apenas administrado?
Vivemos constantemente ao senso comum, num reconhecível paradoxo: somos a nona economia do mundo, mas padecemos no estigma da fome. Contraditoriamente, à uma incipiente democracia interna sobrepõe-se um inequívoco "totalitarismo"multinacional. Aqui o favorecimento às corporações estrangeiras submeteu o país a execrável dependência, rompendo com o desenvolvimento auto-sustentado, outrora verificado, em que, por esforço próprio, indústrias sob o controle nacional fundamentaram a prosperidade nacional.
O escuso mundo dos interesses econômicos, a privilegiarem minorias dominantes, oculta as razões mais fortes da fome no planeta. A produção, a distribuição e o consumo do produtos alimentares, processando-se indefinidamente como puros fenôminos econômicos respondem mais positivamente aos exclusivos interesses financeiros dessas minorias. Mas, contrário disso, são, antes, fenômenos de alto interesse social, a merecerem especial cuidado e tratamento no princípio do bem-estar coletivo.
A manipulação da economia é hoje poderosa a arma na desestabilisação de regimes políticos, mais eficaz que a guerra convencional. O poder de fogo dessa arma moderna reside "utilização de níveis de preços inflacionários acordados" contra os que se "opõem aos anseios do grande capital internacional, organizado sob a forma rígidos cartéis".
Condicionar, pois, a emacipação econômica do Brasil (no que diz respeito ao combate à inflação) a mera boa vontade das partes envolvidas no processo de produção e de consumo é desprezar a necessidade de conhecimentos científicos na explicação do funcionamento da economia internacional, articulada através dos oligopólios. Desconhecer essa realidade é exigir otimismo de quem de início já joga pra perder.(Marcus Moreira Machado)
Segundo Platão, a alma, que emana das esferas superiores, se localiza na matéria afim de impor a esta a lei da razão. No estado atual do mundo, entretanto, a alma platônica, em lugar de se mostrar consciente do seu destino e da sua alta origem, deixou-se de tal modo impregnar pelas inclinações e incitações da vida dos sentidos que o “Eu ”físico a absorveu, submetendo-a inteiramente às suas exigências inferiores. O homem chama razão à força central do ser individual; mas, no dizer de Mefistófeles, o homem só dela se serve para se revelar ainda mais bestial que a fera. A força política e a vontade de poder têm hoje sido desenvolvidas com o propósito de regulamentar um gigantesco mecanismo de egoísmo e monstruosa covardia. Não se respeita um só direito individual, desses, que influindo como verdadeiras forças morais criadoras, se projetam no meio social como elementos de equilíbrio do conjunto, e representam o papel de agentes de refinamento das condições de vida coletiva. O que vemos imperar é o princípio do isolamento, deslocado do todo, longe de agir como fator de ligação coletiva, de unidade superior. A satisfação dos apetites de vingança entregam, assim, homens públicos aos instintos de luta brutais, verdadeiros espartanos que são. Descortina-se um espetáculo de dilaceramento de paixões, insufladas e atiçadas umas contra as outras.
Presume-se dos estadista um indivíduo que, totalizando os valores do seu tempo, faz da sua vida uma unidade de tal modo dependente das outras unidades concorrentes do conjunto social, que cada uma delas nele se completa, a despeito de suas características particulares. A destreza política, por sua vez, é precisamente aquela que concilia na sua ação coordenadora, na sua aspiração para a unidade, o maior número de antíteses. No plano dessa terrível força de diferenciação, que cada um de nós traz dentro de si, como o irredutível do nosso próprio egoísmo, é que é chamado a operar o homem de Estado.
Os empreendimentos de ordem política não se realizam com o concurso de índoles vulgares, de aventureiros dominados de ambições imediatas. A política exige do indivíduo que a serve uma alta dose de espírito de sacrifício. As responsabilidades do poder, delas não nos desempenhamos sem a renúncia a vários bens e vantagens, que tornam agradável a existência do homem particular.
O que no momento observamos, nas campanhas plebiscitárias, são políticos sucumbirem ao frenesi e às convulsões das suas paixões pessoais, quando tudo é devastado pelo instinto cruel da revanche que os arrebata. Todos, exacerbados, exibem, com perfeita candura, as riquezas colossais dos seus tesouros de boas intenções para a elevação moral do Brasil. O Ocidente atingiu, não há dúvida, uma concepção impessoal do governo, que é exercido por homens normais, como um instrumento de justiça e de prosperidade coletiva. No entanto, o Brasil ainda entende como governo um aparelho de opressão do indivíduo contra o indivíduo. Portanto. Pode-se delinear o supremo orgulho que alguns políticos tem em ser brasileiro. Seu nacionalismo se traduz bem vivo no modo como acolhem todas as iniciativas estrangeiras. Pretendem introduzir em nosso país uma mentalidade de Primeiro Mundo, desprezando o contexto sócio-político econômico nacional. As tecnologias do Primeiro Mundo, por exemplo, que aplicamos às nossas indústrias, já vêm todas elas aperfeiçoadas, assim como os capitais que aqui investimos são fruto de gerações mais habituadas à economia nos gastos do que nós, e dispostas a deles receberem um juro muito mais baixo do que aquele que praticamos com o nosso dinheiro. A influência do fator econômico no progresso da nacionalidade e no bem estar físico e moral do povo é inquestionável. E o esforço que a classe política nacional terá de desenvolver nesse sentido independe, no momento, de sistemas e formas de governo. (Marcus Moreira Machado)