Contemporaneamente, é forte o discurso sobre a ausência de valores na sociedade moderna, a acarretar nossa entrega a ao materialismo,à vida voltada exclusivamente ao prazer; enfim, ao hedonismo. Contudo, o hedonismo tem merecido falsa representação histórica, não correspondente aos seus mais remotos defensores, como é o caso de Epicuro; ou os mais recentes, a exemplo de John Stuart Mill, que, de certa forma, é um dos pais do liberalismo hedonista atual.. O hedonismo, tal como entendido por estes autores, não consiste num apelo desregrado ao prazer mais imediato; ao contrário, caracteriza-se pelo cauteloso distanciamento desse modo de vida; um afastamento nos moldes do apelo estóico, aristotélico ou tomista. O hedonismo sofisticado se resume no conceito de que o fim último do ser humano é a felicidade, traduzida esta felicidade simplesmente no domínio do prazer. Ocorre que na compreensão destes autores, o hedonismo não corresponde aos prazeres mais brutais e primários. Via de consequência, se algo está errado com a nossa sociedade, não é em absoluto o hedonismo, tal como a tradição filosófica o caracteriza. Diversamente, o erro reside na falta de hedonismo clássico em lugar do hedonismo primário exacerbado.Ao se criticar a vida moderna, contrasta-se a frivolidade (bastante presente nas televisões, jornais e outros canais midiáticos) com a profundidade e sabedoria encontrada nos reconhecidos filósofos e autores diversos do passado. Assim, supõe-se que a boa filosofia de outrora foi deixada pela tolice de hoje. Isso, porém, é equivocada percepção dos fatos, pois jamais se fez tão bem qualificada filosofia como a atual. Lamentavelmente, essa filosofia tem muita dificuldade em chegar às escolas e ao público em geral, tomados todos pela idéia pós-moderna da "Morte da Filosofia", a induzir pessoas ao pensamento de que nada mais resta agora senão interpretar a prática da filosofia da mesma maneira como se interpreta a prática desportiva. É ilusório, por outro lado, comparar os melhores filósofos do passado (Tomás de Aquino, Aristóteles ou Stuart Mill, Lebniz, Kant ou Hume) com a superficialidade quotidiana da vida contemporânea. Porque esses sábios, como os grandes artistas e cientistas de sua época, não constituíam a maioria da população, e nem a vida àquele tempo refletia precisamente as suas doutrinas e concepções. Ora, se compararmos o comparável — os filósofos e artistas e cientistas do passado com os do presente, e a sociedade mundana do passado com a do presente — teremos uma surpresa agradável: Na realidade nunca exisitiram tantos filósofos de evidente qualidade, nunca uma percentagem tão elevada da população foi tão culta, como hoje. A reflexão filosófica tradicional não só subsiste como se desenvolve nas melhores universidades do mundo. Autores contemporâneos são responsáveis por reflexões filosóficas sobre o sentido da vida comparadas ao nível dos melhores filósofos clássicos. E, ainda mais importante: refexões dirigidas ao grande público e não apenas a "especialistas". Se são ingnorados no Brasil, isso se dá por outras razões, com destaque à tendência para responder às modas pós-modernas mais superficiais,cujo relativismo irracional é muito mais imediatista e, portanto, mais fácil. Com efeito, pode-se afirmar: é "a cultura do mas fácil".Culpa-se, ainda, a mentalidade técnica e científica da atual civilização, acusada de ser a cuasadora de todos os males e, por isso, vista como o inimigo a ser combatido.Nesse sentido, todavia, é oportuno reler Tomás de Aquino acerca das paixões. Ao seu tempo, as paixões, sobretudo as carnais, eram vistas como um dos maiores males do ser humano. Contudo, Tomás de Aquino, c habitualmente sensato e provido de implacável racionalidade, argumentou que nada há de errado com as paixões em si; tudo depende do que fazemos delas. O mesmo se pode hoje dizer da "técnica". A "técnica", per si, tanto pode ser uma vantagem como uma calamidade. Igualmente às paixões, a tecnologia depende da razão a governá-la, se o objetivo for o de for alcançar o bem da humanidade. Consequentemente, atribuir ao hedonismo responsabilidade pelos mal denominados escombros da sociedade moderna é, tão-somente, render-se a incipientes mitos, frutos do desconhecimento.
(Marcus Moreira Machado)