Muitos são os momentos de nossa jornada educacional brasileira. Fomos forjados em conceitos e pré-conceitos, segmentos lógicos e segmentos metafísicos, em sua maioria herdados de outras nações.
Tudo isso contribuiu deveras para que os nossos ícones da educação estrategicamente elaborassem projetos, dezenas deles, a fim de tentar, pelo menos, elucidar parâmetros mais convincentes sobre o crescimento erudito de um povo, combinando fatores como a diversidade cultural e tradicional, bem como a variação da língua falada, que emerge de forma natural das nossas entranhas e se pronuncia tal qual identidade, clamando por ser ouvida e entendida; ou mais do que isso, por ser aceita no seio social.
Não há que se falar aqui em culpa, porque seria muito difícil elencar os culpados dentro de um contexto histórico em relação a um povo que, no início de sua colonização, praticamente se deixou dominar pelas ingerências alheias. Não podemos também derramar lágrimas pelo passado que originou conseqüências em nosso ensino, fortemente sentidas em nossa contemporaneidade.
Somos uma nação de tenra idade, trabalhada em suas principais características, que são a diversidade e a miscigenação. Uma nação de traços singulares, de proporções místicas e de uma grandeza que em nenhum momento da história da humanidade conseguimos vislumbrar.
Este é o povo brasileiro, de uma língua portuguesa estranha aos ouvidos estrangeiros. De sotaques, de conceituações e de crenças no linguajar. Um povo que, mesmo em sua sofrida relação com a edificação social, sobrepujou os percalços de uma história traçada por martírios e conseguiu conquistar o merecido espaço no cenário educacional mundial.
É justamente nesse contexto de identidade cultural onde se busca elucidar os momentos histórico-sociais de nossa educação, desde o seu primeiro período até os acontecimentos mais recentes; tudo relacionado ao fator preconceitual emergente da sociedade brasileira de diferentes formas, porém, neste caso, das variações de nossos linguajares, compreendidos em peculiar processo de comunicação.
Para tanto, estruturamos um trabalho que estabelece parâmetros de entendimento sobre os caminhos de nossa educação e sobre como chegamos aos novos conceitos de necessidade de interação social em relação ao ensino brasileiro.
Revisão literária em educação da língua materna
Em Sociolinguística é frequente tematizar a diversidade linguística e a pluralidade cultural existentes no Brasil, proporcionando vasto conteúdo sobre a variação linguística vislumbrada em todo o país, e o conhecimento da comunidade da fala brasileira na sua diversidade nos quadrantes do território nacional, sob a ótica dos posicionamentos sociais.
Registram-se, também, momentos textuais versando sobre as características rurais e urbanas do povo, bem como o entendimento de um fenômeno social de conotação migratória, denominado “rurbanismo”. Fato interessante, destaca-se, é o contraste do falar urbano e do falar rural, como forma de acentuar a preocupação atual no que se refere ao preconceito linguístico.
Os assuntos relacionados às variações lingüísticas podem ser estudados sob dois aspectos: no primeiro, os fatores socioculturais que agem sobre a língua falada no país, bem como a influência da norma e os problemas de transcrição da fala; no segundo, as soluções adotadas pelos principais prosadores de nossa literatura, na representação escrita das variações linguísticas de seus personagens, nas diferentes épocas da prosa brasileira, a fim de perpetuar tal fenômeno, evitando o sentido preconceitual, e incentivando o estudo sociolinguístico.
A oralidade e a análise da conversação, por seu turno, desenvolvem-se como estudo permanente das variações linguísticas, dialetos e registros regionais sobre aspectos do falante, sem excluir uma linguagem textual acessível a fim de capitular alguns dos principais conceitos teóricos sobre a educação em sala de aula, bem como a alusão às diretrizes metodológicas indispensáveis, e os seus resultados, oriundos de experimentos em sala de aula, possibilitando eventuais encontros de métodos pedagógicos alternativos no trabalho de apropriação da língua.
Origem da Educação no Brasil e os Princípios do Segmento Sociolinguistico
A Esquadra de Cabral aportara em solo indiano, em 22 de abril de 1500, trazendo consigo, além da tripulação de marujos treinados pela Escola de Sagres, do Infante Dom Henrique, uma enorme população de portugueses, suprimida socialmente por Portugal e sem muita escolha sobre o próprio destino.
Porém, apesar de termos até então entendido o referido desbravamento como uma descoberta, algumas importantes investigações científicas aludem a outra realidade: a de que o Brasil precisava ser oficialmente apresentado ao mundo europeu e por isso, deu-se assim a data acima foi mencionada como a de seu oficial descobrimento pelos portugueses.
No início, o Brasil, em relação ao que se entende por uma sociedade, era apenas uma terra de lusitanos desgarrados, em sua maioria homens, e de judeus obrigados a se converterem ao cristianismo, se estabelecendo sem qualquer espécie de ordenação social, além de sofrerem o impacto da enorme dificuldade de comunicação. Como assim versavam as palavras apenadas em pergaminho, pelo escrivão da Esquadra de Cabral, Pero Vaz de Caminha: “Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estes outros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar”.
Nesta época, travava-se por parte dos lusitanos, intensa, árdua e complicada comunicação com os índios locais a fim de alcançar uma comunicação sustentável que lhes prouvesse, no mínimo, o convívio necessário à sobrevivência de ambos, que ali já se interagiam como povos, dividindo e mesclando culturas e tradições, criando um vínculo de intimidade entre os sexos opostos que, resultou na primeira matriz de brasileiros. Surgia a miscigenação como caráter principal de uma sociedade em formação.
Povos que se uniam, por interesses diversos, ao longo dos anos constituindo famílias que passavam a viver sob uma marca cultural de autenticidade forte, totalmente diferente das gerações anteriores.Talvez por isso o aprendizado, ou da Língua Portuguesa (por parte dos nativos) ou da Língua nativa (por parte dos portugueses) não fosse tão interessante. Porém, ainda sim, nos lares, o homem português rendia-se ao linguajar Tupi pela natural questão do enlace. Uma marca endocultural que se consolidava de tal forma, passando inclusive a gerar modificações linguísticas.
O solo brasileiro já unia dois povos diferentes proporcionando um natural e harmônico convívio de espécies, em que a língua foi um dos fatores mais importantes para o estreitamento de ideais e conceituações éticas e morais, entre ambos. Mesmo imerso em um barbarismo linguístico, (quando a comunicação entrelaçava ambas as línguas), fato posteriormente culminando em um novo expressionismo linguístico, nada prejudicava aquela nova formação social.
A eufonia começava a ocupar espaço no seio familiar, quando as crianças, de natureza diglóssica, se expressavam com mais clareza nesse novo contexto de comunicação. Na seara sociolinguística, variantes de expressões do coloquial linguajar eram quase que naturais e bem absorvidas, pois não havia, à época, razões econômicas ou políticas exercendo forte influência nas colônias a ponto de descentralizar a sociedade.
Cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma como é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças verificadas dentro do mesmo sistema.
Por um período de quase cinco décadas, após a vinda dos primeiros lusitanos ao Brasil (por muito tempo ainda identificado nos mapas como uma colônia de Portugal), os tripulantes das embarcações que aqui permaneceram tiveram por objetivo a terra como uma moradia, a princípio sem muitas esperanças de desenvolvimento e progresso, principalmente no âmbito educacional.
Somente com a vinda dos primeiros jesuítas às terras coloniais lusitanas do além mar, em 1549 (após 15 anos de fundação da Companhia de Jesus, em Paris, França, pelo sacerdote espanhol Inácio de Loyola,1491-1555), foi possível referenciar o Brasil como uma porção de terra habitada, passando a proporcionar alguma espécie de êxito em relação às verdadeiras intenções missionárias, embora não se deva deixar de valorizar a educação já existente no Brasil; educação nativa perpetuada ao longo de gerações.
Pode-se nortear o Brasil, desde então, como um espaço físico habitado que, pela primeira vez, com a chegada dos “Sacerdotes de Cristo”, teve contato com a realidade educacional; uma realidade formalizada e moldada na conformidade e nos preceitos dos países mais desenvolvidos da Europa. Foram os jesuítas, os pioneiros da oficial e legal aprendizagem transmitida aos primeiros “bastardos” da jovem nação brasileira.
Desde o início, tanto na Terra de Santa Cruz quanto no Brasil, houve educação brasileira, porque as aulas eram ministradas na terra brasileira, para gente brasileira, embaixo de um sol brasileiro, para crianças da gente brasileira. Aliás, nunca foi e jamais será tão genuinamente brasileira a educação ministrada no Brasil, uma vez que, nesses primeiros séculos, a escola educava os curumins, os filhos dos indígenas do Brasil, os mais brasileiros de todos os brasileiros.
Acompanhados pelo Padre Manuel de Nóbrega (1517-1570), ambos compondo a tripulação de Tomé de Souza (1503-1573), que seria o Primeiro Governador Geral das Capitanias Hereditárias, chegaram seis jesuítas, marcando o início da História da Educação no Brasil (nos moldes europeus). Quinze dias após a chegada dos jesuítas, incentivados pelo por Tomé de Souza, fundaram, na cidade de Salvador, Bahia, a primeira escola elementar.
Era realmente impossível imaginar a existência de uma colônia lusitana sem a influência jesuítica sobre a educação. Fortemente equilibrada e capaz de se comparar ao clero europeu nas questões de articulação política para os seus próprios fins e atos, a Companhia de Jesus atua com maestria e uma desenvoltura diplomática inigualável.
Os primeiros contatos com o povo brasileiro, mesmo com a intenção de efetuar a difusão do ensinamento cristão aos silvícolas e miscigenados, não foi trabalho dos mais fáceis, visto que além de uma língua nativa, já existente, e a língua portuguesa preservada pelos primeiros colonizadores, ainda se falava um outro dialeto.
Portanto, a princípio, os jesuítas optaram pelo bom senso de aprender a língua nativa, o Tupi, deixando de lado os conceitos expletivos da língua, tão enaltecedor do Latim, para, em um ato talvez herege, estreitar os laços de comunicação. Trataram também de aprender esse novo dialeto que começava a tomar forma.
A respeito, um texto do Padre Antonio Vieira (1608-1697), versa: “É certo que as famílias de portugueses e índios de São Paulo estão tão ligadas hoje uma às outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a portuguesa a vão os meninos aprender à escola."
Surge assim o que se pode entender por pedagogia jesuítica, visto que, antes da imposição de disciplinas e ordenações, deviam eles ser aceitos de forma natural pelos habitantes da Terra Nova, o Brasil.
Os jesuítas, mais do que quaisquer representantes do povo português, elucidavam o que estava realmente acontecendo no Brasil.
A miscigenação que se proliferava naturalmente naquela terra era fruto da sobrevivência, e resultou no berço de uma nova civilização, forte e detentora de uma raiz inigualável, começando a firmar-se através da interação social, predominando em cada região, com características próprias, operando mutações culturais, desenvolvendo segmentos tradicionais e, inclusive, provocando a variação da língua falada, como forma natural de delimitação territorial.
Essas variações, que começavam a surgir por toda parte, e que atingiam não somente a estrutura linguística como também, e talvez principalmente, a estrutura sociocultural, foram bem explicadas, e de forma bastante irreverente, pelo antropólogo, escritor e político brasileiro, Darcy Ribeiro (1913-1977), em seu livro “O Povo Brasileiro”, 1995, que originou o documentário com o mesmo nome, transmitido pela Rede Cultura de Televisão, em 2000. Disse Darcy Ribeiro:
“(...) Não podemos chamar de outra coisa, senão de bastardos, os primeiros filhos desta terra, que foram a primeira matriz genuinamente brasileira. Crianças nascidas da concepção libertina de portugueses com índios. Não eram lusitanos, pois não ostentavam classe e mal sabiam se portar, além de não terem nascido em Portugal; também não eram índios, pois nasciam fracos e meio esbranquiçados, incapazes de plantar, colher ou caçar como os grandes guerreiros. Eram eles, a nova nação brasiliana (...)”.
Portanto, o Brasil, desde o início forjou as suas propriedades, seja nos hábitos, seja nas interpretações, com as quais convivemos até hoje, seja na forma de se comunicar. Estilo nato e ímpar, em relação a grande diversidade de nações espalhadas por todo o mundo.
Uma enorme extensão territorial formada pelo habitante brasileiro, possuidor do ensinamento jesuítico, de características cristãs, sólida estrutura que se fixou na educação brasileira, e idealizador de uma gramática de traços irreverentes, cunhados nas passagens históricas, no transcendentalismo educacional, nas margens literárias. Uma verdadeira nação mística em seu poderoso linguajar.
A influência européia na educação brasileira
O ensino brasileiro não foi forjado em um método de aprendizado apenas cristão.
Os jesuítas, altamente eruditos e conhecedores de universidades como a de Coimbra, em Portugal e das Escolas de Paris, em França, procuraram adaptar a sua bagagem pedagógica a uma outra realidade educacional; sendo esta somente vislumbrada na sua chegada ao Brasil.
Pelo pensamento coletivo jesuítico, a cultura, mais do que tudo, deveria ser preservada em solo ainda estranho.
Hábitos, costumes e tradições diferenciadas, bem como uma sensível interação já existente entre estes nativos e alguns portugueses, não poderiam ser simplesmente modificadas.
Talvez aqui, ficasse registrada a semântica da pedagogia jesuítica em relação a todo o ensinamento por eles proferido, o que se tornaria uma referência para outros sacerdotes espalhados por todas as colônias lusitanas no mundo.
O Brasil era terreno virgem, admiravelmente pronto para o trabalho educacional e catequético. Nos indígenas, e na simplicidade bronca dos primeiros filhos de portugueses, ainda não existiam nem preconceitos filosóficos, nem idéias heréticas, nem lutas com outras ordens religiosas e nem os impedimentos de uma sociedade evoluída e artificializada.
Porém, mesmo com todo esse interesse por parte dos jesuítas e com uma característica ímpar em relação à personalidade de Manuel de Nóbrega, as mulheres não eram alvo de interesse para o ensino, devido ao seguimento de leis vigentes e fortemente alicerçadas nas tradições religiosas em Portugal e em todo o restante do solo europeu.Somente indiozinhos, os “curumins” e os filhos de brancos recebiam educação escolarizada. Com seu bom senso e espírito não preconcebido das tradições europeias, os índios da Bahia, assim parece, foram procurar Nóbrega e pedir-lhe que, também para suas filhas, fundassem escolas.
Portando, o que hoje podemos entender por descentralização social, que resultou logicamente no fenômeno de fragmentação linguística ocorrido no decorrer dos séculos, talvez seja o resultado desses primeiros conceitos sobre a educação em solo brasileiro. Fato quase que idêntico, aconteceria também com os primeiros negros que aqui chegaram.
Portugal agiu e moldou o Brasil, de longe e de perto. O negro, pelo contrário, só de perto, especialmente através do calor feminino, tanto da babá, que educou o filhinho do branco quanto da amante, que gerou o crioulo e as variantes do senhor da Casa Grande.
É certo que, mesmo antes, o negro já era interpretado como uma figura de baixo potencial para a alfabetização. Problemas socioculturais, que se iniciaram no além mar, nas colônias de escravidão africanas, alusivos ao negro como alguém não mais possuidor de alma ou qualquer outra espécie de razão que sustentasse a sua educação. Uma verdadeira supressão, herdada por nós brasileiros, combatidas pelos jesuítas, porém, firmada de cunho por El Rei de Portugal.
A usurpação do meio social no Brasil, embora não percebida na época, de forma tão intrínseca, resultou em nosso mais sério e maior problema, a discriminação social, que posteriormente se fez refletir de forma significativamente nas questões sociolinguísticas.
Formou-se, desde então, uma espécie de êxodo social, ora manipulado politicamente, ora posto em prática com o peculiar costume da naturalidade, outra marca registrada do povo brasileiro, sempre colocando à frente dos interesses de uma massa populacional, os interesses pessoais.
(Caos Markus)