O brasileiro não tem predileção partidária, não possue necessariamente convicção ideológica propriamente dita; brasileiro quando vota, vota na esperança - uma esperança momentânea, mais inclinada à possibilidade de um consumismo imediato porque brasileiro quer esquecer o passado, mas não se incomoda quase nada com o futuro; ou melhor, o seu futuro é o próximo eletrodoméstico, a próxima "suave" prestação, o mais novo status de quem compra freezer, mesmo que não tenha mais de quinhentas gramas de carne moída para guardar, quer dizer, congelar. Aliás, o que parece é que brasileiro gosta bastante de congelamento - o, político o econômico e … o da carne moída!
Na falta de BMW (que alguns "novos ricos" insistem em chamar BM "VÊ"), uma nova eleição sucessiva a um novo plano econômico ( ou seria um econômico plano?), faz renascer das cinzas o facho adormecido dessa esperança que já imprestou ao brasileiro o seu sobrenome, quer dizer, "brasileiro, profissão esperança". E, de voto em voto, expresso tácito, nulo, branco ( porque essas também são manifestações de "esperança", esperança de que protestando a coisa toma jeito), voto ininteligível de intenções de voto que não conseguiram traduzir-se em gestos de votos, dada a imperfeição dos garranchos ( mentira, os garranchos são sim perfeitos) que acabam por eleger o analfabetismo em primeiro turno, e com um invejável percentual de vantagem sobre os outros votos, ou sejam, os votos dos semi-analfabetos ( ou seriam semi-alfabetizados; será a mesma coisa?)…Mas, então, de voto em voto, o brasileiro reascende a secreta esperança ( muito mais secreta de que o próprio voto, que esse um conhece o do outro, já que todo mundo faz uma questão danada de "explicar" o seu voto, numa tentativa nula de parecer consciente para anular a esperança alheia. Complicado, não?) de subir ao "pódium" do primeiríssimo lugar. Não é todo eleitor que gosta de Jazz e Ballantine's, ou já ouviu falar de Bourbon Street; assim como nem todo brasileiro-eleitor aprecia a buchada como iguaria gastronômica; mas, ter colaborado com o processo democrático das eleições livres ( livres de muitas dificuldades) já é quase sinônimo de ser também um candidato e, o que é melhor, um candidato eleito.
O nosso nome não é Enéas, não é FHC, não é ACM e nem IPC ou URV; o nosso nome, de agora em diante, é J.P.S. e S.D.B. - o nosso nome é "cult", de gente famosa e super dotada, é Jean-Paul Sartre e é Simone de Beauvoir.
E por que não? Somos eleitores ecléticos. Tanto somos que até em meio a esse sincretismo religioso que nos é peculiar já fazemos, muito antes de qualquer eleição, promessas solenes, nos obrigando para com divindades várias, promessas que depois de cumpridas se tornam "ex-votos".
Agora, tanto faz, tanto fez, a esperança "existencialista” de Havre confunde-se com "A Imaginação" e com "O Imaginário" do mestre francês - mestre do presidente, guru do presidente, que também gosta de salada verde com queijo roquefort. Afinal, quem se lembra daquele filme "Como era gostoso o meu francês"? Nele, os aborígenes, os ameríndios, os nativos do Brasil degustavam um saboroso espécime francês; pois, faz tempo somos "cult", do paladar ao … paladar! Faz tempo que deglutimos goela abaixo temperos exóticos, crendo, talvez, na aquisição de força hercúlia pelo consumo dos cérebros privilegiados; mas, já evoluídos não devoramos o inimigo, antes, o elegemos chefe da tribo, pajé da tribo, encantador de serpentes, para depois saboreá-lo aos poucos, de mandato em mandato.
E, o melhor de tudo é essa sensação de que há um terceiro turno: o momento dos cento e quarenta e nove milhões de eleitores que somos votando dessa vez em nós mesmos, por extensão do voto anterior, este dado ao candidato. Explica-se: não somos cento e cinqüenta milhões, porque nem tudo é povo, e que não é já garantiu a sua vaga no concreto da esperança; nos outros ficamos ainda no vazio da esperança que é a última que mata.
A certeza de que fizemos uma boa escolha, a convicção de que no terceiro mundo há um terceiro turno está mais intimamente vinculada à legenda suprapartidária dos magazines, quando cédulas cedem lugar a duplicatas mil, nas promoções da vida inteira. Aliás, quantas reencarnações serão necessárias para plena quitaçãos da felicidade à prazo? Pois, carnês são neste terceiro turno a única certeza do paraíso terrestre; e a panfletagem das lojas dão conta de toda sorte de liquidação. Compre, compre, compre tudo o que puder, e dê risada dos gringos norte-americanos, pensando que eles estão na pior porque o dólar esteve cotado a 0,82 centavos de real. Depois, converse com seu novo liqüidificador da última liquidação no atacado da sua incapacidade de consumir o que efetivamente necessita, pergunte ao microondas que estoura pipocas e os seus miolos ( se é que tem algum) porque e como os americanos do norte lutam na Coréia, lutam no Haiti lutam no Iraque e lutam … Aonde mais?
Ora, seu eleitor-consumidor desse Brasil varonil, indague do seu micro-célebro eletrônico de penúltima geração ( os nossos japoneses são melhores que os brasileiros dos japoneses. Complicado, não?) por que é que os latinos são utilizados como personagens da bandidagens dos guetos nova-iorquinos, nas películas do Tio Sam, quase sempre consumidas pelos próprios latinos.
Mas, sobretudo não perca a esperança, pois o verde, dizem, é "esperança" resta saber qual deles: o ecológico, aparentemente lógico, ou qualquer sinal de trânsito.
No terceiro turno não haverá feriado.
(Marcus Moreira Machado)
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