A realidade da própria antecipação, visada pela imaginação utópica não delirante, é a única realidade plausível. Negá-la é negar a imaginação concreta -a trabalhar não só com dados reais, mas também com a vontade do homem. Recusá-la é antecipar a morte, ocultando-se na camuflagem de plural supressor de individualidades.
Na tendência do "coração" humano a se torturar ao extremo, essa imaginação utópica (anterior ao homem) não pode ser desprezada em prejuízo da vida. A previsibilidade de mundos rigorosamente ordenados garante com exclusividade o poder dos que se entendem iluminados na condução da humanidade. Diversamente, a imaginação do concretismo utópico é uma necessidade na sobreposição dos clamores falsamente civilizatórios e libertários.
Com possibilidade de aniquilamento total do indivíduo, a resignação há que ser alterada quando houver disposição para o reatamento dos vínculos com a essência natural, verificada no passado. Com efeito, hoje, como se a cibernética tivesse adotado novos critérios no sistema de controle do organismo humano, o homem perde seu maior direito -o de sonhar e poder transformar esse sonho em realidade concreta, com imediata proximidade.
Ao mesmo tempo em que perde a sua identidade, diluída na camuflagem do plural imperante, esse homem se refugia em instituições obsoletas, voltando-se, qual numa prece, com devoção, àquilo que precisa ser objeto de sua crença. E assim tem perdido, ainda, a capacidade de crer em si próprio, rendido à liderança, que outra coisa não faz senão de tal maneira limitá-lo a nutrir hostilidade contra os seus desejos mais íntimos e genuínos.
O homem tem se tornado um conservador, esteja essa 'conservação' presente num governante ou num governado. E desse conservadorismo advém a insânia, como decreto de seu "suicídio"; a negação da vida como natural aspiração. Como é contradição entre sua natureza real e o que se lhe projeta como ideal, ele sucumbe, não mais suportando sua permanência neste mundo.
Resgatar 'crenças' sinalizadoras de um lugar melhor, porém, neste mundo mesmo, será estar mais próximo da vida e da felicidade nela contida.(Marcus Moreira Machado)