O Estado para Santo Tomás de Aquino é apenas um ser distinto dos indivíduos; o Estado é mesmo um organismo, não físico, evidentemente, porém, um organismo moral, uma espécie de corpo místico, como a Igreja, na sua própria concepção e na de São Paulo; é uma sociedade natural, distinta das sociedades constituídas por simples convenção ou contrato para quaisquer outros fins.
Diversamente de Tomás de Aquino, Santo Agostinho, concebendo o Estado à maneira de Platão, o entende como cidade ideal, “civitas dei”, oposta à “civitas diaboli”, uma comunidade universal, cuja compreensão remonta ao comospolismo estoicista, reunindo os bons, os puros, e os santos. A Cidade de Deus, segundo a tese do majestoso livro de Santo Agostinho, iniciado em 412 e terminado em 427, será eterna, ainda que as cidades terrenas venham a desaparecer. Ora, a noção do Estado medieval é influenciada pela concepção da Igreja como corpo místico.
O paganismo tinha sido abolido, tornando o Cristianismo a religião oficial de Roma. Quando, porém, a invasão dos godos espalhou o desastre afora, reapareceram as cerimônias pagãs, justificadas então na crença de que os antigos deuses, repelidos, tinham abandonado a cidade à sua própria sorte, e recuperar a prosperidade por cujo intermédio havia sido alcançada dependeria, pois, do seu retorno. Foi um período de dolorosas provações para a Igreja Cristã. Esperava-se trouxesse o Cristianismo a Era de Ouro, mas, ao contrário, trouxe ruína. Que poderiam dizer os cristãos à zombaria mordaz e aos insultos e perguntas escarnecedoras dos pagãos? Foi Agostinho quem pelos cristãos deu a resposta. Escrevera vinte e dois livros num só volume –a sua magistral “Apologia” –, que constituía-se num ataque. Os primeiros dez livros mostraram como Roma sofrera rudes golpes apesar de seu fiel culto aos deuses. Com habilidade, o grande retórico expôs os deuses pagãos e o seu culto a um ridículo devastador. E nas últimas doze seções contrastou as cidades humanas com a cidade divina, e a fé pagã com a fé do cristianismo.
A obra de Agostinho procurou responder às principais dúvidas da época; um esboço histórico, de fato, escrito em estilo ferino e linguagem popular. Trabalho bastante humano e versando sobre os fundamentais princípios. A “Cidade de Deus”, a obra então por Agostinho escrita, eqüivale, segundo a sua concepção, à Igreja Católica no Santo Império Romano. O seu sonho, séculos depois, seria uma realidade histórica. E não por outra razão, acredita-se que sem Santo Agostinho o Cristianismo talvez não tivesse sobrevivido à queda de Roma e ao obscurantismo da Idade Média.
(Marcus Moreira Machado)
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