Ainda que de maneira análoga, sem qualquer defesa a um conceito de história cíclica, fato é que também o filósofo Platão, tal como hoje, viveu em um tempo de dúvida, em que todas as relações humanas estavam sendo discutidas. A sugerida similaridade tem determinada explicação se bem compreendida a realidade de então.
Ora, nos grandes dias de Péricles, antes de 450 a.C., parece ter existido em Atenas uma completa satisfação com as instituições políticas e sociais. Não havia, então, motivo para interrogações. Os homens sentiam-se livres; a comunidade prosperava; sofria-se, mas sobretudo, de inveja. A história de Heródoto não salienta nenhum descontentamento com as instituições políticas de Atenas. Mas Platão, que nascera pelo tempo da morte de Heródoto e que cresceu na atmosfera de uma guerra desastrosa e de grande sofrimento e confusão social, esteve, desde o princípio, face a face com a discórdia humana e inadaptação das instituições humanas. A esse desafio respondeu a sua inteligência. Tanto num dos seus primeiros trabalhos quanto no seu último livro, são penetrantes e diretas as discussões sobre o melhoramento possível das relações humanas. Sócrates lhe havia ensinado a nada ter como indiscutível, nem mesmo as relações de marido ou mulher ou de pai e filho. A sua “República” – o primeiro dos livros sobre Utopia - é o sonho de um jovem a respeito de uma cidade em que a vida humana se acha organizada de acordo com um plano novo e perfeito; o seu último e inacabado trabalho, as “Leis”, é um debate sobre uma outra utopia. Platão, definitivamente, é uma coisa nova no desenvolvimento da humanidade, o aparecimento da idéia na remodelação completa das condições humanas.
Foi Platão, assim, o responsável pela mais antiga elaboração filosófica sobre o conceito de Estado, provavelmente. Porque com os filósofos vieram as palavras claramente dirigidas à nossa espécie, como se fosse algo inteiramente razoável e natural: “Governai as vossas vidas. A maior parte das coisas que vos perturbam, podeis evitá-las; a maior parte das coisas que vos dominam, podeis derrubá-las. Podeis fazer como quiserdes com elas”. Até então, o jusnaturalismo cosmológico dos pré-socráticos – identificando a ordem da natureza com a ordem social – não se preocupara com as sutilezas de uma conceituação de “polis”, que somente evidenciar-se-iam necessárias a partir da mudança no objeto das preocupações especulativas do “cosmos” para o homem, isto é, a partir do período denominado “antropológico”, tratado pela filosofia grega na definição da ordem humana com relativa independência da ordem cósmica. Platão é, por isto, o primeiro a elaborar uma filosofia do Estado.
(Marcus Moreira Machado)
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