O homem é naturalmente um animal social, culminado no Estado, que se constitui em meio natural de conviver e conseguir a felicidade. Assim pensando é que entenderemos a relação estabelecida por Aristóteles a propósito das formas de governo. Tanto a monarquia, a aristocracia e a democracia são formas boas, se o exercício do governo seja dirigido em proveito do bem comum.
Dotado de uma inteligência terrivelmente sã e luminosa e surpreendentemente realista e destituída de entusiasmo, Aristóteles, se por um lado aprovou a monarquia e a escravidão e a subordinação da mulher como instituições racionais, por outro lado, sempre esteve ansioso de compreender os fatos e de conseguir algum conhecimento ordenado das realidades naturais e humanas, as quais estavam, então, manifestamente triunfantes sobre os sonhos criadores da geração precedente. E nesse afã, não poupou sequer o mestre, Platão, criticando-o por exilar de sua utopia os poetas, não porque os poetas são poetas, mas porque a poesia é uma força. Dirige a sua energia, constata-se, por linha diametralmente oposta, inclusive, à de Sócrates. Antecipando Bacon e o movimento moderno científico, em sua compreensão da importância do conhecimento ordenado ou sistematizado, dedicou-se à tarefa de reunir e formular o conhecimento, constituindo-se em pioneiro historiador da natureza. Empenhou-se no mister da comparação e da classificação. Platão havia dito: “Tomemos o governo da vida e remodelemo-lo”; seu grande discípulo e sóbrio sucessor restringiu tremendamente o sonho de Platão: “Conheçamos primeiramente um pouco mais da vida, e enquanto isso usemos e sirvamos o rei”.
Em Aristóteles, a política tornou-se um objeto de estudo e observação, em parte, nota-se, diversamente de Platão, que efetivou teórica e factualmente experiências destinadas à transformação das instituições políticas. Em função disso, a ciência para Aristóteles de ser a ciência sobre a realidade, e de caracteres universais e não individuais. Nem por isso, todavia, a filosofia aristotélica aceita o transformismo universal, o qual situava, principalmente nos filósofos pré-socráticos, a contínua transformação do universo. De certa maneira, tal posição constitui-se em contrária ao evolucionismo, mostrando-se coerente com as noções das espécies fixas. Conseqüência disso é por exemplo a defesa da natureza.
É necessário ainda, para melhor compreensão do pensamento aristotélico, observar o contexto de sua época. O que se via então era o desânimo, naqueles dias, dos homens de inteligência. Havia-se desvanecido a fé no poder dos homens de criar as próprias condições da vida. Já não havia utopias. A marcha dos acontecimentos era, manifestamente, demasiado poderosa para poder ombrear com ela o esforço organizado de homens de fina inteligência mas de poucos recursos. Era possível pensar na remodelação da sociedade humana quando esta era uma pequena cidade de alguns milhares de cidadãos, mas o que estava agora a acontecer era qualquer coisa como um cataclisma; era a remodelação política de todo o mundo conhecido, da vida política de uma humanidade que já somava então entre cinqüenta e cem milhões de seres. Era reconstrução em escala que nenhuma inteligência humana estava ainda em condições de aprender. E o pensamento, sob esse aspecto, sob esse peso, voltou-se para o vasto e implacável destino. Os homens passaram a olhar para tudo que parecesse estável e consolidador. A monarquia, por exemplo, apesar de todos os seus vícios manifestos, era um governo concebível para milhões; tinha, até certo ponto, “ funcionado”; impunha uma vontade dominante onde parecia ser impossível uma vontade coletiva. Essa atitude intelectual harmonizava-se com o respeito natural de Aristóteles pelo fato conhecido, estabelecido.
Ora, verdade é que, não obstante as divergências entre discípulo e mestre, Platão parece já fazer parte do nosso mundo cotidiano, como se ele não pertencesse ao grande mundo dos pensadores. Afinal, qual de nós, particularmente os brasileiros, legisladores ou meros cidadãos que somos, ainda não sonhou com a implantação, do início até o fim, de uma “sociedade ideal”, livre de todas as desigualdades. Dadas as distâncias históricas e a enorme astúcia do escritor Platão, já decorridos vinte e quatro séculos, a familiaridade que parecemos ter com a obra do filósofo ateniense pode ser, porém, enganosa. Contudo, a julgar pelos pontos em comuns constatados nos contextos das duas eras, a de Platão e a contemporânea, mais fortalecida resta a convicção de que a concepção e o desenvolvimento do fenômeno estatal teve, paralelamente, inúmeras conseqüências na forma de condicionantes sociais, o que produz, até hoje, uma busca constante da identificação do Estado com o justo. E por isto, é de inegável importância o estudo de tal situação em relação ao Direito Natural, uma vez que este fornece, ao longo da história, à experiência jurídico-social, os princípios basilares de justiça. Justiça, aliás, enquadrada no âmbito das virtudes morais por Aristóteles, principalmente ao vincular estreitamente a justiça e a maldade, demonstrando efetivamente a posição do filósofo ensinando que o que é justo o é por natureza. Não é outra coisa o que se vê no livro V da Ética a Nicômano, onde há trechos que traduzem exemplos do sistema filosófico aristotélico sobre a justiça e a injustiça: “O homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo; evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos; porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um deles, dizemos nós, é justo...Por essa mesma razão se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o bem de um outro, visto que se relaciona com nosso próximo”.
(Marcus Moreira Machado)
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