(Marcus Moreira Machado)
REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
TERÇA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 2009:"ADJACÊNCIAS"
Chego a Mogi das Cruzes. Com destino à cidade próxima, Poá, vou de trem. Três anos nem longos nem rápidos, apenas três anos de pasmaceira, era o tempo que me distanciava de cenas semelhantes às de Calcutá ou Bombaim, lugares onde jamais estive. O comboio parece não ter dono, ou melhor, é de todo mundo e de qualquer pessoa; nenhum sinal existe de que os vagões são conduzidos, em seu quase interminável ziguezague, por um funcionário do governo - é como se uma máquina à pilha ou bateria se encarregasse de todo o serviço, num controle tão remoto quanto a possibilidade de progresso.
Mesmo não sendo nenhum 'trem da alegria', certamente faz a 'felicidade' de dezenas de vendedores duas vezes ambulantes - a primeira porque estão em algo que se movimenta, a segunda porque eles próprios se movimentam no 'moto perpétuo' da fome e das guloseimas 'leve três e pague dois'. Melhor pós-graduação em Sociologia Urbana e suburbana não haveria: como ter olhos de turista descuidado e não perceber a 'vida' pulsando em verdadeira e formidável arritmia social? Nada é pré-ordenado, planejado; no contrário, a porta 'automática' necessita da ajuda de três passageiros para ser fechada, o piso já não se sabe do que é feito ou foi feito, tamanha a sujeira que muda a cor, todos os dias, dos corredores trêmulos, confundidos com extensões das ruas e avenidas do subúrbio da 'megalópole'.
Esse o eu país, penso eu. Aqui, nas fisionomias demonstrando um cansaço de ontem, no vaivém de uma felicidade sempre prometida e nunca cumprida... aqui, nos olhares e nos esgares de quem corre mais que o trem, nos trastes, nas tralhas desse amontoado de gente que nem gente é mais, que é só cacaréus de um quebra-cabeça multifacetado e esfacelado... aqui é o meu país, a minha pátria maculada, salve, salve, salve-se quem puder!
A nação tem o seu cartão postal no CEP 150.000.000. Cento e cincoenta milhões não têm a próxima estação no trem-bala de uma morte inteira. A nação é definitivamente suburbana e não metropolitana, perdida em meio a tanta política ambulativa de 'camelôs' da coisa pública.
Em Poá parentes riram de mim quando souberam que eu paguei a passagem do trem. Disseram-me que lá ninguém paga, pois que o comum é pular a mureta; todos sabem que essa prática nem gosto de aventura tem, porque não há mais fiscais, e "é a única maneira de se safar de tantas agruras nessa economia tão difícil de conspirações intituladas de 'planos'". Não precisa ter medo porque não há que temer, lembraram-me. A tal mureta virou servidão, passagem de uso coletivo, eu concluí. Sem dúvida o Brasil parece consigo mesmo, eu deduzi. No jogo de faz-de-conta, nós encontramos alguma 'vantagem' na lambujem, e os governantes fingem não ver, lucrando muito mais por deixar de investir e administrar, concedendo ao seu parceiro-perdedor um proveito aparentemente significativo, mas de nenhum valor de fato.
Os meus ouvidos custam a acreditar que o engodo foi aceito, que a malícia elegeu a velhacaria como hino pátrio da barafunda nacional. E só posso crer, então, na premissa de que cada governo tem o povo que precisa, muito mais do que a linguagem corrompida de que "cada povo tem o governo que merece". Ininteligível, o nosso idioma se forja na cupidez, em discurso desarrazoado de homens insanos!
No arrabalde da civilização, a nossa megalomania é a nossa única grandeza, vendida como guloseima "três por dois" na maria-fumaça das marias-vão-com-as-outras da nação suburbana. Paus-brasis e paus-de-arara, manchamos todos de vermelho-brasa a honra nacional, sem pejo algum, em ausência total de rubor, na falta de vergonha característica de tantos quantos acendem uma vela para Deus e outra para o diabo.
O meu país é um 'trem', é teréns que se joga em cima de caminhão-palanque em 'mudanças' de fim-de-semana, com direito a cachorro latindo e criança chorando. O meu país não precisa de catraca, porque os usuários passam por cima sempre que estão por baixo, sempre que estão de fora. E sempre estão. O meu país é 'trem-fantasma' de um povo que não faz assim tanta conta das espectrais contas emigrantes para os paraísos das ilhas fiscais. Esse play-center não cobra ingresso nem na montanha russa da nossa sobrevivência nem na roleta russa da nossa consciência. E, por isso achamos muita graça, imaginando que tudo é de graça.
Em Poá eu aproveitei a oportunidade para beber água mineral que - não entendi a razão - não era de graça, mesmo sendo a cidade uma estância hidromineral. E, confesso, quase me atrevo a indagar se não havia um jeitinho de beber e não pagar. Afinal, no subúrbio do inconsciente coletivo temos como herança essa forma troglodita de existir, vivendo nas cavernas, nos porões e nos vagões da barbárie!
A única resposta que obtive foi a minha mesma: não sei se moro num sub país tropical ou se o sul do meu Equador é mais do norte. Embora a minha bússola esteja desnorteada, ainda me restam as estrelas como guia, as mesmas que serviram aos astronautas extasiados enxergando da Lua o azul da Terra. E eu aqui da Terra ainda vejo São Jorge matando o dragão da maldade contra o santo guerreiro glauberiano. Invento que perdi o cordão umbilical da nave mãe, perco a gravidade na ilha perdida da minha fantasia e viajo de teleférico sem cobrador pelos planetas que imaginei para o meu Brasil, com muito mais de vinte e sete estrelas-satélites do pavilhão pátrio. A minha suburbana, nas adjacências, também não conhece estações.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário