REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
DOMINGO, 20 DE DEZEMBRO DE 2009: "ALHURES"
Lang, melhor que ninguém, discerniu a família neurótica, um apêndice enfermo de uma sociedade ainda mais doente. Ela, que deveria se prestar à estrutura pessoal de cada um de seus membros, ao descumprir esse seu primordial papel, traz a desagregação como motivador principal da angústia.
Muito distante de sua origem, nem a urbanidade nem a cordialidade suprem a ausência do amor, hoje uma característica marcante da hodierna "família". Assim, ser preterido nas íntimas relações familiares é estar "marginal" e, consequentemente, angustiado.
As designações "pai", "filho", "irmão", "irmã", não são simples títulos honoríficos, mas, ao contrário, implicam em sérios deveres recíprocos, perfeitamente definidos, comenta Friedrich Engels, a respeito da família tribal na Índia e na América. E, acrescenta, se se desenvolveu uma sociedade superior à família, isso foi devido somente ao fato de que a ela se incorporaram famílias profundamente alteradas.
Pois, a família, como hoje a conhecemos, não se baseia em naturais condições, mas sim econômicas, sendo mesmo o ápice da propriedade privada a triunfar sobre a propriedade comum primitiva. Por assim ser, é também "a forma celular da sociedade civilizada, na qual encontra-se a natureza das contradições e dos antagonismos que atingem seu pleno desenvolvimento nessa sociedade". Assumir, dentro dessa célula, a "marginalidade" poderá ser a busca de uma nova identidade, fora dos restritos limites da família incapaz. Incapacidade, aliás, derivada de distorções próprias aos padrões morais que sabe insustentáveis, mas que menor risco, no entanto, oferecem diante do comprometimento necessário ao ato de amar. Amar, aqui, torna-se perigoso, porque exige identificação pelas semelhanças e desprendimento pelas diferenças. Ainda mais quando "amar" não é uma simples disposição do espírito, é sim a razão disposta a possibilitar a espiritualidade que lhe complete. Afinal, quem pensa ama. Ou deveria amar, se verdadeiramente pensa.
Nesse momento, oportuno é resgatar a etimologia do vocábulo. Em sua origem, a palavra "família" não outra coisa significa que o conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem, pois que "famulus" quer dizer "escravo doméstico". Historicamente, então a monogamia não foi absolutamente uma forma mais elevada de matrimônio e decorrente instituição familiar; antes, ela surgiu como "a primeira divisão do trabalho... a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos"- como observam Marx e Engels. E se, comprovadamente, foi ela um progresso, simultaneamente trouxe consigo o "retrocesso relativo", onde o desenvolvimento de uns está diretamente ligado à submissão de outros.
O amor, como base da instituição familiar atual, é algo muito recente e, talvez por isso mesmo, muito de acordo com a hipocrisia vigente, quando se chama felicidade ao aborrecimento sofrido em comun. Instituída mais para a conservação e transmissão dos bens de fortuna, a monogamia tem sido, de fato, a pedra angular de uma "família" caracterizada pela conveniência. E se agora ela está desestruturando-se é porque não há mais razão de ser, uma vez que a imensa maioria da população quase nada mais possui que a justifique como intermediária das riquezas entre as gerações. O que resta é, por assim dizer, a família neurótica, ou, se for o caso, "neurotizada".
Somente o "marginalizado" é capaz de reassumir a família em novo padrão, correspondente às mudanças operadas na sociedade politicamente organizada. Porque sabe ele da necessidade de modificá-la, justamente por ter sido dela banido, inconformado com o cinismo da sua estrutura. Superada a revolta, é ele quem norteará um modelo para o amor emancipado, transgredindo a debilidade dos retrógrados valores anteriores. Fala-se aqui de ruptura. De um rompimento renovador que assegure o livre pensar para o gesto do amor. A família individual, então, "deixará de ser a unidade econômica da sociedade".
Se "eros" e "tanathos" são em nossos dias as vozes mais ouvidas, certamente o são em razão de um veemente declínio moral da humanidade. Após a derrocada final daquela que erroneamente conhecemos por "sociedade moderna", um novo critério moral aproximará homens e mulheres, pais e filhos, irmãos e irmãs, um critério forjado no amor e no afeto recíprocos.
Modificadas as relações de propriedade, normas próprias de conduta regularão uma família aonde o amor seja o único moral. A família - isso é inegável - tem progredido ou se modificado na mesma medida do maior ou menor progresso, da maior ou da menor modificação da sociedade. E hoje entre nós a filosofia de vida tem sido aquela tão bem descrita por Abílio Guerra Junqueiro - a filosofia do porco; devorar. E é o mesmo poeta português quem acrescenta: "Mas, como semelhante compreensão da vida e do destino do homem é por demais inconfessável, esconde-se a chaga em linhos brancos".
Negar um Estado e um regime repugnantes, que se propagam através da chamada "célula mater" da sociedade, a família, é recusar a dominação para proclamar a liberdade e o amor com signos de uma nova era.
(Marcus Moreira Machado)
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