A educação está mudando radicalmente
De que educação estamos falando?
A educação é como um caleidoscópio. Podemos enxergar nela muitas realidades; podemos escolher mais de uma perspectiva de análise e cada uma terá sua lógica, seu fundamento, sua defesa, porque projetamos na educação nosso olhar parcial, nossas escolhas, nossa experiência.
Se queremos provar que a educação é um desastre e que a escola está atrasada, temos inúmeras estatísticas e experiências que o comprovam; basta acompanhar os resultados de alunos brasileiros em competições internacionais ou observar as diferenças entre as escolas de elite e as da periferia.
Numa pesquisa realizada pelo Instituto de Cidadania, foram ouvidos 3.501 brasileiros de 15 a 24 anos, de seis Estados e 198 municípios, e o que mais chama a atenção é a abstinência cultural do jovem brasileiro:
23% nunca leram um livro
39% nunca foram ao cinema
62% nunca foram ao teatro
59% nunca foram a um show musical
52% nunca estiveram numa biblioteca fora da escola
Se queremos provar que a escola é burocrática, amarrada e engessada, encontraremos mil exemplos de lentidão de gestão, de um verdadeiro cipoal de normas, leis, portarias, decretos federais, estaduais e municipais; de quebra de continuidade de projetos com a entrada de novos governantes. A escola é uma das instituições mais resistentes à mudança, junto com as grandes igrejas tradicionais.
Se, pelo contrário, quisermos mostrar que avançamos muito, que está havendo uma revolução silenciosa em escolas inovadoras, que há muitos grupos de profissionais competentes e de alunos realizando experiências fantásticas, que a escola está mudando com novos projetos e uso criativo de tecnologias, também encontramos bons exemplos para comprová-lo.
Tudo está acontecendo ao mesmo tempo: o atraso, a burocracia e a inovação. Há atraso, há burocracia e há inovação. Considero importante ter uma visão realista, mas não desesperançada, niilista, destrutiva. Apostar mais na mudança, em novas possibilidades que se concretizam, do que no pessimismo desesperançador e corrosivo.
A educação é um processo de toda a sociedade - não só da escola - que afeta a todas as pessoas, o tempo todo, em qualquer situação pessoal, social, profissional e através de todas as formas possíveis. Toda a sociedade educa quando transmite idéias, valores, conhecimento e quando busca novas idéias, valores, conhecimentos. Família, escola, meios de comunicação, amigos, igrejas, empresas, Internet, todos educam e, ao mesmo tempo, são educados, isto é, aprendem, sofrem influências, se adaptam a novas situações. Aprendemos em todas as organizações, grupos e pessoas aos quais nos vinculamos.
Pela primeira vez na história percebemos que a educação não acontece só durante um período determinado de tempo maior ou menor (educação básica, superior...), mas ao longo da vida de todos os cidadãos.
A educação não acontece só no espaço oficial, na escola e na universidade. Todas as instituições e organizações aprendem cada vez com maior intensidade e ininterruptamente. Essa percepção da urgência da aprendizagem de todos, o tempo todo, é nova.
A educação olha para trás - buscando e transmitindo referências sólidas no passado. Olha para hoje – ensinando os alunos a compreender-se a si mesmos e a sociedade em que vivem. Olha também para o amanhã – preparando os alunos para os desafios que virão.
As sociedades sempre encontraram suas formas de educar. Quanto mais avançadas, mais complexos se tornam seus processos de ensinar. A sociedade explicita seus valores básicos fundamentais em cada momento histórico e define os lugares, os conteúdos e procedimentos válidos através de diretrizes políticas.
As escolas e universidades são os espaços institucionais legitimados para a formação dos novos cidadãos. É o que se denomina educação escolar formal. O legislativo define políticas junto com o executivo (Ministério e secretarias de Educação). Há processos especiais para situações especiais: ex. Educação de jovens e adultos.
Além da educação formal, há hoje processos intensíssimos de educação não formal, de educação informal. Grupos, Ongs, empresas desenvolvem processos complexos de capacitação, de treinamento, de atualização, independentes ou integrados à educação formal.
Hoje, reconhecendo os avanços na universalização da educação, esta adquire uma importância dramática na modernização do país. E há uma percepção crescente do descompasso entre os modelos tradicionais de ensino e as novas possibilidades que a sociedade já desenvolve informalmente e que as tecnologias atuais permitem.
A educação é a soma de todos os processos de transmissão do conhecido, do culturalmente adquirido e de aprendizagem de novas idéias, procedimentos, soluções realizados por pessoas, grupos, instituições, organizada ou espontaneamente, formal ou informalmente.
A organização escolar é pesada e prudente. Prudente para não embarcar em qualquer aventura, porque precisa preservar o passado, olhar para o presente e preparar para o futuro. Prudente, porque tem que encontrar denominadores comuns mínimos compatíveis com as diferenças e desigualdades nacionais e regionais. É pesada, porque burocratizou tanto toda a gestão em todos os níveis que, mesmo aumentando as ações de capacitação, parece que quase nada muda. Há uma sensação de desperdício de recursos, de não sair do lugar, de experiências pontuais interessantes, mas de extrema lerdeza, lentidão, de peso cultural imobilizador. Aprendemos desde sempre em muitas salas de aula parecidas, em dezenas de milhares de aulas semelhantes, como alunos e como professores. E este modelo industrial está consolidado e, de alguma forma, deu conta das demandas (apesar das inúmeras críticas). Por isso é difícil superá-lo, principalmente quando ainda não temos outros modelos bem aprovados, testados e universalizados.
Vivemos o paradoxo de manter algo em que já não acreditamos plenamente, mas também não nos atrevemos a incorporar plenamente novas propostas pedagógicas e gerenciais mais adequadas à sociedade da informação e do conhecimento, para onde estamos caminhando rapidamente.
Mas os desafios sociais são tão gigantescos, as mudanças acontecidas e em fase de implantação são tão dramáticas em todos os setores, que estão pressionando violentamente a educação escolar por novas soluções em todos os níveis: nos valores, na organização didático-curricular, na gestão de processos. Estamos diante de uma tarefa gigantesca, histórica e que levará décadas: propor, implementar e avaliar novas formas de organizar processos de ensino-aprendizagem que atendam às complexas necessidades de uma nova sociedade da informação e do conhecimento.
Na educação, como na vida, há um processo dialético constante entre estabilidade e mudança, entre preservar ou modificar. Há períodos em que predomina a estabilidade, com determinadas normas ou modelos predominantes. Em outros períodos há efervescência, inquietação, agitação, desconforto, experimentação (fim da década de sessenta, por exemplo). Estamos em transição, entre os modelos estáveis, consolidados, e os novos, ainda em construção. Sentimo-nos inquietos, inseguros, sem saber o que por no lugar dos que já temos.
Olhando esse caleidoscópio, esse conjunto diversificado de realidades, temos que fazer escolhas. Ou permanecemos focados no atraso e no burocrático (para justificar que não vale a pena mudar) ou optamos pela mudança e pagamos o preço, durante determinados períodos, da incompreensão, de críticas ao idealismo, de estar fora da realidade, de escapismo. Se persistirmos, algumas das nossas idéias se tornarão em determinado momento viáveis ou mais próximas e aceitas por um número maior de pessoas. É assim que as mudanças acontecem, porque pessoas, grupos e instituições vão preparando-as, testando-as, avaliando-as até que se tornam aceitas e reconhecidas legalmente.
Aí recomeça o eterno ciclo da mudança, porque o que é aceito tende a tornar-se repetido, burocrático, engessado e precisa ser repensado, atualizado, modificado. Mudar e organizar é um processo dialético constante em todas as situações da vida; também na educação.
Estamos, na educação, inquietos, agitados, tentando mudar, sendo cobrados por mudanças, mas ainda sem saber o que por no lugar do que temos. Fazemos algumas experiências, mas ainda são insuficientes para enxergar uma mudança de forma estrutural. Precisamos insistir em apontar novos cenários, testar alguns deles e avaliá-los para ir implantando-os com mais segurança nestes próximos anos.
Boa parte das escolas e universidades escolhe a previsibilidade, fazer pequenos ajustes. Quase todas fazem as mesmas coisas, da mesma forma, sem criatividade. Muitos profissionais “se enquadram” para sobreviver; viram tarefeiros, arriscam pouco para não incomodar. Agrupam-se, bajulam, se freqüentam. Criam grupos de sobrevivência em nome da colaboração e da participação. Num período de incertezas e de desemprego são compreensíveis essas atitudes defensivas. Mas só sobreviver é pouco, seja no nível pessoal ou institucional. Isso alimenta a mediocridade e o desencanto. Felizmente há instituições e pessoas que se arriscam na busca de novas soluções e trazem contribuições importantes para educação.
Mudanças estruturais na educação
Linderman, pesquisando as melhores formas de educar adultos, afirmava já em 1926: "Nosso sistema acadêmico se desenvolveu numa ordem inversa: assuntos e professores são os pontos de partida, e os alunos são secundários. ... O aluno é solicitado a se ajustar a um currículo pré-estabelecido. ... Grande parte do aprendizado consiste na transferência passiva para o estudante da experiência e conhecimento de outrem ". Mais adiante oferece soluções quando afirma que "nós aprendemos aquilo que nós fazemos. A experiência é o livro-texto vivo do adulto aprendiz". Lança assim as bases para o aprendizado centrado no estudante, e do aprendizado tipo "aprender fazendo". Infelizmente sua percepção ficou esquecida durante muito tempo.
A educação como um todo precisa de mudanças estruturais. A inadequação é de tal ordem que não bastam aperfeiçoamentos, ajustes, remendos. Um estudante que termina uma Faculdade dedica à aprendizagem mais de 20.000 horas, desde que começou a ir à escola. É incrível que depois de tantos anos de aprendizado tantos alunos não saibam quase nada; que não gostem de ler, que tenham dificuldades em interpretar textos, que não consigam entender as mudanças do mundo em que vivem. Vinte mil horas com resultados tão decepcionantes. Se cada estudante, hipoteticamente, trocasse o estudo pelas mesmas horas trabalhadas, ganhando dez reais a hora, no fim da Faculdade acumularia mais de 200 mil reais. O importante aqui não é o possível ganho econômico, mas a constatação da ineficiência da organização escolar, que tem uma máquina gigantesca, para resultados, na sua maior parte, ridículos (mesmo com indicadores quantitativos melhores). Isso gera enorme frustração dos resultados, frustração pessoal e social, ao dar oportunidade só de forma aparente para milhões de brasileiros, cuja maior parte fica relegada ao desemprego ou subemprego.
Mantemos estruturas pesadas, custosas, em todos os níveis de ensino, para conseguir resultados tão medíocres. O que estamos fazendo é um grande engano. Milhões de alunos despreparados, candidatos ao desemprego, aprofundando a distância que separa os que freqüentam bons colégios dos que estudam em instituições medíocres.
Em um curso de graduação de quatro anos em Pedagogia de uma das melhores universidades paulistas, alguns alunos me confirmaram que mais da metade das aulas era de temas, autores e pesquisas repetidos. Havia superposição de conteúdo, de textos para leitura, de trabalhos a serem realizados pelos alunos. Dois anos seriam suficientes, na visão deles, para aprender o que o curso propunha.
Bons professores são as peças-chave na mudança educacional. Os professores têm muito mais liberdade e opções do que parece. A educação não evolui com professores mal preparados. Muitos professores começam a lecionar sem uma formação adequada, principalmente do ponto de vista pedagógico. Conhecem o conteúdo, mas não sabem como gerenciar uma classe, como motivar diferentes alunos, que dinâmicas utilizar para facilitar a aprendizagem, como avaliar o processo de ensino-aprendizagem além das tradicionais provas. Como costumam assumir, por necessidade, um número de aulas cada vez maior, tendem a reproduzir rotinas e modelos; procuram poupar-se para não sucumbir, dão o mínimo de atividades possíveis para diminuir o tempo de correção. Preparam superficialmente as aulas e vão incorporando esses modelos como os possíveis, que se tornam hábitos, cada vez mais enraizados.
Hoje aproveitamos efetivamente, em média, menos da metade do tempo na sala de aula, pela percepção de que os cursos são muito longos e de que muitas das informações que acontecem na sala de aula poderiam ser acessadas ou recuperadas em outro momento. Muitos alunos e professores estão desmotivados com o ensino uniforme, padronizado, que não se adapta ao ritmo de cada um. Criticam o confinamento do processo de ensino-aprendizagem à sala de aula, sempre com as mesmas turmas, com a mesma programação, nos mesmos horários. São complicados os deslocamentos diários de professores e alunos de lugares distantes para poder estar todos juntos na mesma sala, ao mesmo tempo, principalmente no nível superior.
Muitos professores costumam culpar os alunos, a escola, o salário, a jornada pela não mudança. Costumam conhecer superficialmente seus alunos, subestimando suas potencialidades.
Mantêm uma postura generalista: a mesma proposta de aula vale para todos. Não avaliam de verdade. Dão trabalhos em grupo, sabendo que serão feitos por um ou dois alunos, e fazem vista grossa, porque preferem o pacto da mediocridade, do faz-de-conta. Tem professores “monocordes”, “unitemáticos”, previsíveis. São professores de uma nota só. Sempre dão aulas do mesmo jeito, o mesmo tipo de exercícios, de atividades, de avaliação. Filtram tudo em perspectivas dualistas, maniqueístas, estereotipadas.
Tem professores-mosaico, que fazem colagens. Atiram em todas as direções. Misturam sem critério autores, tendências, idéias. Não organizam, hierarquizam, sintetizam. Tudo para eles tem o mesmo peso, o mesmo valor, em geral, o que está na moda.
Tem professores “papagaios”. Lêem e repetem o que lêem, reduzindo e simplificando o seu alcance, encurtando o sentido. Reduzem textos complexos a interpretações empobrecedoras. Citam autores, através de resumos, interpretações de terceiros, sem lê-los nem conhecê-los. Acomodam-se nas exigências mínimas de cada instituição onde lecionam.
A maior parte reproduz modelos, receitas, esquemas. Corre atrás de novidades, de fórmulas. Precisa delas para sentir-se seguros ao ensinar. São professores-receita. Mesmo querendo mudar, buscam a receita do novo. Não se renovam, inovam ou exploram as possibilidades. São repetidores, condensadores de textos, tarefeiros.
Muitos têm dificuldade em saber relacionar, em criar conexões, em integrar o cotidiano com o conteúdo didático, em fazer a ponte entre a experiência dos alunos e o tema da aula. Como podem ensinar se não sabem aprender?
São muitos os professores que não gostam de ler, que lêem só por obrigação. Que não se atualizam. Que não freqüentam cinema, teatro, exposições, museus. Que não lêem poesia, literatura. Que se alimentam dos programas da TV aberta, das telenovelas, dos “bigbrothers”, dos telejornais sensacionalistas.
Há professores desesperançadores. Só vêem o negativo: no conteúdo, nos alunos, nas condições de trabalho, na vida.
Ganham mal e, para compensar, multiplicam as atividades profissionais. Sentem-se pouco valorizados, incentivados, reconhecidos, motivados. Recebem muitos pacotes prontos, projetos decididos sem consulta. Todos conhecemos grupos esforçados, motivados, interessados, mas que são minoria no conjunto dos profissionais.
Os currículos são excessivamente rígidos, com disciplinas isoladas, sem interação. Há pouca flexibilidade de espaço, tempo, de organização de matérias.
Com a explosiva privatização do ensino superior nos últimos dez anos, aumentou exponencialmente o número de alunos que trabalha e estuda a noite e que tem pouco tempo para pesquisar. Muitos desses alunos acreditam que basta ouvir o que o professor fala durante as aulas para acompanhar um curso universitário, com a conseqüente deterioração dos resultados. Constata-se uma falta de conhecimentos fundamentais para um universitário: capacidade avançada de ler, de compreender, de trabalhar autonomamente, o que dificulta sobremaneira o avanço das classes como um todo.
A educação avança menos do que o esperado porque enfrenta uma mentalidade predominante individualista, materialista, que busca as soluções isoladamente. É difícil para a escola trabalhar com valores comunitários diante dessa avalanche de propostas individuais que acontecem a todo momento em todos os espaços sociais. Os meios de comunicação são os porta-vozes mais diretos e eficientes dessa mentalidade individualista, principalmente através da publicidade. Ao mesmo tempo a educação cada vez mais se torna commoditie, um bem em mercadológico, um negócio, sem dúvida em expansão, mas com grandes interesses e investimentos, que buscam a lucratividade, a maior rentabilidade possível, o que significa, na maioria das situações de ensino privado, uma busca mais da eficiência do que da cidadania.
As mudanças demorarão mais do que alguns pensam, porque nos encontramos em processos desiguais de aprendizagem e evolução pessoal e social. Não temos muitas instituições e pessoas que desenvolvam formas avançadas de compreensão e integração, que possam servir como referência. Predomina a média, a ênfase no intelectual, a separação entre a teoria e a prática.
Temos grandes dificuldades no gerenciamento emocional, tanto no pessoal como no organizacional, o que dificulta o aprendizado rápido. São poucos os modelos vivos de aprendizagem integradora, que junta teoria e prática, que aproxima o pensar do viver.
A ética permanece contraditória entre a teoria e a prática. Os meios de comunicação mostram com freqüência como alguns governantes, empresários, políticos e outros grupos de elite agem impunemente. Muitos adultos falam uma coisa – respeitar as leis - e praticam outra, deixando confusos os alunos e levando-os a imitar mais tarde esses modelos.
O autoritarismo da maior parte das relações humanas inter-pessoais, grupais e organizacionais espelha o estágio atrasado em que nos encontramos individual e coletivamente de desenvolvimento humano, de equilíbrio pessoal, de amadurecimento social. E somente podemos educar para a autonomia, para a liberdade com processos fundamentalmente participativos, interativos, libertadores, que respeitem as diferenças, que incentivem, que apóiem, orientados por pessoas e organizações livres.
Há uma defasagem evidente entre o avanço nos métodos de gestão nas empresas e nas escolas. Os métodos de organização da aprendizagem precisam ser urgentemente repensados, modificados, com coragem e efetividade, porque sua inadequação às possibilidades, tipos de alunos e necessidades torna-se cada vez mais dramática. Os métodos de racionalização administrativa são precários. Há muito desperdício, falta de profissionalismo nas decisões econômicas. Umas instituições só pensam em marketing e lucros e banalizam a qualidade didática. Outras mantêm estruturas administrativas pesadas, caras e ineficientes.
A escola e a universidade precisam reaprender a aprender, a serem mais úteis, a prestar serviços mais relevantes à sociedade, a saírem do casulo em que se encontram. A maioria das escolas e universidades se distancia velozmente da sociedade, das demandas atuais. Sobrevivem porque são os espaços obrigatórios e legitimados pelo Estado. Mas, a maior parte do tempo, freqüentamos as aulas porque somos obrigados, não por escolha real, por interesse, por motivação, por aproveitamento. As escolas conservadoras e deficientes atrasam o desenvolvimento da sociedade, retardam as mudanças.
A gestão da inovação curricular
Se o ideal de igualdade é levado a sério, a educação democrática deve enfatizar a participação dos educandos na elaboração de todas as decisões sobre a vida em comunidade e o respeito que eles têm que observar em relação a estas regras, para que adquiram o sentido de responsabilidade.
Alexander Sutherland Neill, fundador da escola inglesa Summerhill, observava que as crianças educadas sob o princípio da democracia se tornavam mais capazes de questionar o senso comum e de aceitar as mudanças e os novos pensamentos. Dizia Neill que elas tendem a “não ser guiadas pela massa” .
A liberdade é a capacidade e a possibilidade de a comunidade escolar criar suas regras. Daí porque o projeto político-pedagógico dessa escola esteja sempre sujeito a muitas transformações. A liberdade é uma relação, por isso não se confunde com licença. Em nossa concepção de educação, educando e educador são sujeitos que aprendem e ensinam no mesmo passo. Assim, a liberdade é válida tanto para a gestão da escola como para sua epistemologia, o que supõe uma comunidade escolar sempre aberta aos infinitos objetos, métodos e teorias.
Janusz Korczak percebeu ao longo dos trinta anos em que dirigiu o Lar das Crianças (1912-1942), que ao tratar a criança com a mesma dignidade e justiça que se trata o adulto, sem oprimir sua vontade nem tentar forçar-lhe uma opinião, ela reproduz este mesmo tratamento com as outras pessoas que a cercam e, quando adultas, tornam-se indivíduos mais justos.
O princípio fundamental de Korczak é de que o educador não deve se sobressair em relação ao educando, deve sempre levar a sério sua opinião, seu ponto de vista, porque a desfeita é dolorosa para a criança, oprimiria sua personalidade e seu amor próprio. Ao invés de mandar na criança, é preciso dar-lhe a oportunidade de se convencer, com base em suas experiências, numa atmosfera de confiança. O educador polonês proclamava a criança como um ser racional, que compreende bem suas necessidades, dificuldades e fracassos. Isto significa que ordens despóticas e leis dogmáticas não são adequadas ao ambiente educativo, sendo preferível a compreensão e a confiança.
Os modelos fundamentalmente utilizados são os baseados na disciplinaridade, na transdisciplinaridade, na pluridisciplinaridade (estudo de um objeto por várias disciplinas) ou interdisciplinaridade (transferência de métodos de uma disciplina para outra).
O modelo disciplinar está condenado ao fracasso a longo prazo. Dividir o conhecimento em fatias, sem interligação, favorece a organização administrativa, não a aprendizagem, que é vista cada vez como mais interdisciplinar.
São muitas as tentativas de buscar saídas para a organização tradicional, fragmentada, do ensino. Algumas mais importantes são: O método de solução de problemas, com inúmeras variáveis: Desde a organização de todo um currículo em grandes problemas, onde há temas complementares, em paralelo, até começar um tema novo com um problema ou caso (case) para estudo por grupos.
Há outras instituições que, mesmo trabalhando por disciplinas, elaboram um projeto comum que lhes dá foco e que organiza as atividades de cada semestre ou bimestre e faz com que os alunos e professores trabalhem de forma mais integrada e vejam a aprendizagem de forma mais significativa.
O que está claro é que, com a flexibilidade de organização do ensino e aprendizagem que as tecnologias possibilitam, o currículo também pode ser muito mais adequado à cada aluno. Não podemos continuar impingindo a mesma seqüência de conteúdos, tempo e espaço que predominou na sociedade industrial. Podemos oferecer alguns conteúdos comuns iniciais e depois personalizar o percurso. Dentro de cada semestre, podemos trabalhar a partir de temas baseados em problemas, desenvolvendo pesquisas que se transformam em projetos, que são desenvolvidos a maior parte do tempo virtualmente, através de interação entre grupos e supervisão de professores e que são apresentados para todos presencialmente, ao final, e divulgados em páginas WEB.
Novos modelos de gestão
A aprendizagem precisa cada vez mais incorporar o humano, a afetividade, a ética, mas também as tecnologias de pesquisa e comunicação em tempo real. Mesmo compreendendo as dificuldades brasileiras, a escola que hoje não tem acesso à Internet está deixando de oferecer oportunidades importantes na preparação do aluno para o seu futuro e o do país.
A educação poderá tornar-se cada vez mais participativa, democrática, mediada por profissionais competentes. Teremos muitas instituições que optarão por uma postura mais conservadora, que manterão o sistema disciplinar, o foco no conteúdo; mas, mesmo nelas, o ensino-aprendizagem não se fará somente na sala de aula. Haverá maior flexibilidade de tempos, horários e metodologias do que há atualmente. Outras – e esperamos que muitas – caminharão para tornar-se ou continuar sendo organizações democráticas, centradas nos alunos; que desenvolvem situações ricas de aprendizagem, sem asfixiar os alunos, incentivando-os; que desenvolvem valores de colaboração, de cidadania em todos os participantes.
Caminhamos na direção da democratização das organizações escolares com apoio das tecnologias. As tecnologias são apoios fundamentais às formas de mudança, aos processos flexíveis, abertos e diferenciados de ensino-aprendizagem.
Uma boa escola começa com um bom gestor
Muitos excelentes professores são maus gestores, administradores. O bom gestor é fundamental para dinamizar a escola, para buscar caminhos, para motivar todos os envolvidos no processo.
O exemplo de Gary Wilson, que recuperou sete escolas públicas carentes, é fundamental para enxergar os caminhos da nova gestão escolar. “Em 2000, a Lochburn Middle School, escola do distrito de Clover Park, no estado de Washington, estava para fechar as portas: o rendimento de seus 800 alunos era muito inferior ao mínimo exigido pela avaliação externa feita periodicamente pelo governo. Em um dia normal, raramente a presença dos alunos chegava a 50%. Os professores, havia muito, tinham desistido de ensinar. Hoje essa unidade é um modelo de escola bem-sucedida. O que aconteceu nesse período? A escola foi praticamente "adotada" pela comunidade: sindicatos, igrejas, estabelecimentos comerciais e entidades não governamentais começaram a participar do processo de ensino e aprendizagem entrando na sala de aula para ajudar estudantes que tinham dificuldades, assumindo a responsabilidade de orientar os jovens durante a sua trajetória escolar até a universidade. Grandes e pequenas empresas doam dinheiro e recursos materiais para que nada falte aos alunos”.
O trabalho primeiro do gestor Gary Wilson é motivar professores, funcionários e alunos, valorizando-os, escutando-os e depois traçando um plano de ação focando o que é prioritário. Depois envolve as lideranças do bairro, os meios de comunicação locais e o trabalho voluntário de tutoria da comunidade. Se escolas condenadas se recuperaram, qualquer escola pode ser atuante, inovadora.
Uma escola que se articula efetivamente com os pais (associação de pais), com a comunidade, que incorpora os saberes da comunidade, que presta serviços e aprende com ela.
Uma escola que prepara os professores para um ensino focado na aprendizagem viva, criativa, experimentadora, presencial-virtual, com professores menos “falantes”, mais orientadores, ajudando a aprender fazendo; com menos aulas informativas e mais atividades de pesquisa, experimentação, projetos; com professores que desenvolvem situações instigantes, desafios, solução de problemas, jogos.
Uma escola que fomenta redes de aprendizagem, entre professores das mesmas áreas, e, principalmente, entre alunos; que aprendem com os pares. O aluno aprende com o colega, o mais experiente ajuda ao que tem mais dificuldades. Como nos projetos aluno-monitor (da Microsoft).
Uma escola com apoio de grandes bases de dados multimídia, de multi-textos de grande impacto (narrativas, jogos de grande poder de sensibilização), com acesso a muitas formas de pesquisa, de desenvolvimento de projetos.
Uma escola que privilegia a relação com os alunos, a afetividade, a motivação, a aceitação, o conhecimento das diferenças. Que envolve afetivamente os alunos, dá suporte emocional, que leva a que os alunos acreditem em si mesmos.
Que coloca pessoas cuidando dos que têm mais dificuldades emocionais, como faz o Colegio Peretz, SP, onde ex-alunos, agora universitários acompanham alguns estudantes com algumas dificuldades (alunos tímidos...)
“O mais importante é olhar para a possibilidade e não para a dificuldade”. Rita de Cassia Rizzo, diretora de escola.
"É difícil implantar uma mudança educacional porque as escolas têm pouquíssimo tempo para se dedicarem a inovações", justifica o sociólogo Boudewijn van Velzen, coordenador de assuntos internacionais do APS (Centro Nacional pelo Aperfeiçoamento das Escolas). O sociólogo garante que decisões tomadas nos gabinetes não levam materiais didáticos até os alunos nem aumentam a freqüência em bibliotecas e laboratórios. "Se, na escola, os diretores e professores não se mexerem, nada acontecerá", afirma. "O resultado de uma grande reforma está no conjunto dos pequenos passos dados nas milhares de escolas de todo o Estado."
De acordo com o APS, cada problema da escola deve ser atacado por meio de um plano de ação, elaborado a partir das seguintes questões: Que objetivo se pretende alcançar? O que será feito? Quem irá participar de cada etapa da atividade? Como e quando elas serão realizadas? Quais os resultados previstos para cada fase do trabalho?
Responsáveis pelas mudanças
As mudanças na educação dependem, em primeiro lugar, de termos educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em contato, porque dele saímos enriquecidos.
O educador autêntico é humilde e confiante. Mostra o que sabe e, ao mesmo tempo está atento ao que não sabe, ao novo. Mostra para o aluno a complexidade do aprender, a nossa ignorância, as nossas dificuldades. Ensina, aprendendo a relativizar, a valorizar a diferença, a aceitar o provisório. Aprender é passar da incerteza a uma certeza provisória que dá lugar a novas descobertas e a novas sínteses.
Os grandes educadores atraem não só pelas suas idéias, mas pelo contato pessoal. Dentro ou fora da aula chamam a atenção. Há sempre algo surpreendente, diferente no que dizem, nas relações que estabelecem, na sua forma de olhar, na forma de comunicar-se, de agir. São um poço inesgotável de descobertas.
Enquanto isso, boa parte dos professores é previsível, não nos surpreende; repete fórmulas, sínteses. São docentes “papagaios”, que repetem o que lêem e ouvem, que se deixam levar pela última moda intelectual, sem questioná-la.
É importante termos educadores/pais com um amadurecimento intelectual, emocional, comunicacional e ético, que facilite todo o processo de organizar a aprendizagem. Pessoas abertas, sensíveis, humanas, que valorizem mais a busca que o resultado pronto, o estímulo que a repreensão, o apoio que a crítica, capazes de estabelecer formas democráticas de pesquisa e de comunicação.
As mudanças na educação dependem também de termos administradores, diretores e coordenadores mais abertos, que entendam todas as dimensões que estão envolvidas no processo pedagógico, além das empresariais ligadas ao lucro; que apoiem os professores inovadores, que equilibrem o gerenciamento empresarial, tecnológico e o humano, contribuindo para que haja um ambiente de maior inovação, intercâmbio e comunicação.
As mudanças na educação dependem também dos alunos. Alunos curiosos, motivados, facilitam enormemente o processo, estimulam as melhores qualidades do professor, tornam-se interlocutores lúcidos e parceiros de caminhada do professor-educador.
Alunos motivados aprendem e ensinam, avançam mais, ajudam o professor a ajudá-los melhor. Alunos que provêm de famílias abertas, que apóiam as mudanças, que estimulam afetivamente os filhos, que desenvolvem ambientes culturalmente ricos, aprendem mais rapidamente, crescem mais confiantes e se tornam pessoas mais produtivas.
Nosso desafio maior é caminhar para um ensino e educação de qualidade, que integre todas as dimensões do ser humano. Para isso precisamos de pessoas que façam essa integração em si mesmas do sensorial, intelectual, emocional, ético e tecnológico, que transitem de forma fácil entre o pessoal e o social, que expressem nas suas palavras e ações que estão sempre evoluindo, mudando, avançando.
Podemos modificar a forma de ensinar
Cada organização precisa encontrar sua identidade educacional, suas características específicas, o seu papel. Um projeto inovador facilita as mudanças organizacionais e pessoais, estimula a criatividade, propicia maiores transformações. Um bom diretor ou administrador pode contribuir para modificar uma ou mais instituições educacionais. Uma parte das nossas dificuldades em ensinar se deve também a mantermos no nível organizacional e inter-pessoal formas de gerenciamento autoritário, pessoas que não estão acompanhando profundamente as mudanças na educação, que buscam o sucesso imediato, o lucro fácil, o marketing como estratégia principal.
Equilibrar o planejamento institucional e o pessoal nas organizações educacionais. Planejamento flexível e criatividade sinérgica. Equilíbrio entre a flexibilidade (que está ligada ao conceito de liberdade, de criatividade) e a organização (onde há hierarquia, normas, maior rigidez). Nem planejamento fechado, nem criatividade desorganizada, que vira só improvisação.
Avançaremos mais se soubermos adaptar os programas previstos às necessidades dos alunos, criando conexões com o cotidiano, com o inesperado, se transformarmos a sala de aula em uma comunidade de investigação.
Avançaremos mais se aprendemos a equilibrar planejamento e a criatividade, a organização e a adaptação a cada situação, a aceitar os imprevistos, a gerenciar o que podemos prever e a incorporar o novo, o inesperado. Planejamento aberto, que prevê, que está pronto para mudanças, para sugestões, adaptações. Criatividade, que envolve sinergia, pôr as diversas habilidades em comunhão, valorizar as contribuições de cada um, estimulando o clima de confiança, de apoio.
Com a flexibilidade procuramos adaptar-nos às diferenças individuais, respeitar os diversos ritmos de aprendizagem, integrar as diferenças locais e os contextos culturais. Com a organização, buscamos gerenciar as divergências, os tempos, os conteúdos, os custos, estabelecemos os parâmetros fundamentais.
Traçar linhas de ação pedagógica maiores (gerais) que norteiem as ações individuais, sem sufocá-las. Respeitar os estilos de dar aula que dão certo. Respeitar as diferenças que contribuam para o mesmo objetivo. Personalizar os processos de ensino-aprendizagem, sem descuidar o coletivo. Encontrar o estilo pessoal de dar aula, onde nos sintamos confortáveis e consigamos realizar melhor os objetivos.
Ensinar e aprender exigem hoje muito mais flexibilidade espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos de pesquisa e de comunicação. Uma das dificuldades atuais é conciliar a extensão da informação, a variedade das fontes de acesso, com o aprofundamento da sua compreensão, em espaços menos rígidos, menos engessados. Temos informações demais e dificuldade em escolher quais são significativas para nós e conseguir integrá-las dentro da nossa mente e da nossa vida.
A aquisição da informação, dos dados dependerá cada vez menos do professor. As tecnologias podem trazer hoje dados, imagens, resumos de forma rápida e atraente. O papel do professor - o papel principal - é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los.
Aprender depende também do aluno, de que ele esteja pronto, maduro, para incorporar a real significação que essa informação tem para ele, para incorporá-la vivencialmente, emocionalmente. Enquanto a informação não fizer parte do contexto pessoal - intelectual e emocional - não se tornará verdadeiramente significativa, não será aprendida verdadeiramente.
Avançaremos mais pela educação positiva do que pela repressiva. É importante não começar pelos problemas, pelos erros, não começar pelo negativo, pelos limites. E sim começar pelo positivo, pelo incentivo, pela esperança, pelo apoio na nossa capacidade de aprender e de mudar.
Ajudar o aluno a que acredite em si, que se sinta seguro, que se valorize como pessoa, que se aceite plenamente em todas as dimensões da sua vida. Se o aluno acredita em si, será mais fácil trabalhar os limites, a disciplina, o equilíbrio entre direitos e deveres, a dimensão grupal e social.
(Caos Markus)
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