Muitas mudanças estão ocorrendo. Não podemos ignorá-las nem condená-las.
Há cada dia, torna-se mais difícil a percepção da 'realidade', diferenciando-a da 'aparência'. Os afetos verdadeiros distanciam-se dos sentimentos, substituídos por sensações movidas por interesses escusos.
O fugaz, quer no mundo físico quer no digital, é obstáculo à distinção entre o vulgar exibicionismo e a existência concreta.
Parece, se não nos percebem, então não existimos. Pior, se não devassamos a vida alheia, algo nos falta.
Um tanto inconscientes, estamos mais voltados para o exterior, afastados de nós mesmos.
Agitamo-nos, olhando-nos, o tempo todo, no espelho dos outros.
Sim, é importante ser reconhecido, mas não a qualquer preço, num esforço absurdo a realçar o que não somos, violentando caráter e temperamento de cada um de nós próprios, guiados tão apenas pela pretensão de causar impacto, rejeitando a autenticidade.
Antes, todos possuíamos um aspecto público, mais expressivo no campo profissional e em diversos ambientes sociais. Paralelamente, havia um ambiente privado -o familiar, o pessoal-, invariavelmente, inviolável, ignorado pela maioria das pessoas.
Atualmente, há uma mudança de ênfase na divulgação da intimidade.
Agora, com as redes sociais, os blogues, o Youtube, o Twitter, além de outras acessíveis ferramentas, inclusive, acopladas à telefonia móvel, os meios para divulgar e ver em tempo real quase já não separam o público do privado, a verdade da ficção.
Nota-se uma "febre" por divulgar-se, autopromover-se, oferecer-se em exposição constante, 'compartilhando-se'. Monitoramos e somos monitorados a cada instante, através de mensagens cuja repercussão reflete a banalidade do cotidiano.
Muita gente dirá que é natural essa efervescência, dada a visibilidade facilitada e a carência de sermos valorizados.
Preocupante, contudo, é saber quais são as razões deste simulacro, do frenesi destas "permutas" virtuais. Virtualidade não restrita ao meio digital, todavia, presente fora das câmeras, dos monitores, a ponto de justificar a velha indagação, adequando-a à contemporaneidade: a vida imita a "arte" ou a "arte" imita a vida?. E, obviamente, aqui há de se entender "arte" como todo o conjunto de produção sem criação alguma, divulgado numa velocidade intensa, a percorrer instantaneamente milhares de quilômetros. O longínquo, de tão perto, tão próximo, gerou uma "miopia" social.
Preocupa a escassez de tempo para conhecermos e reconhecermos a nós mesmos; para selecionarmos, refletirmos, aprofundarmos, avaliarmos (em suas contradições e afetos concretos) as pessoas ao nosso redor.
Preocupa a perda de identidade: a própria e alheia.
Sem essas identidades, o imaginário restará confinado à manipulação do lúdico, inapto a discernir, entre 'imagem' e 'ação', a lucidez subtraída.
(Caos Markus)
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