Vivemos formas diferentes de comunicação, que expressam múltiplas situações pessoais, interpessoais, grupais e sociais de conhecer, sentir e viver, que são dinâmicas, que vão evoluindo, modificando-se, modificando-nos e modificando os outros.
Há processos de comunicação superficiais -que expressam mais a exterioridade das coisas - e outros mais profundos- que relacionam o exterior com o interior, que desvendam quem somos, como pensamos, por que agimos de determinada forma.
Há processos de comunicação mais autênticos- que expressam o que somos, até onde nos percebemos, que manifestam coerentemente a nossa percepção de nós mesmos e dos outros. Há processos de comunicação inautênticos,que não correspondem ao que percebemos, pensamos e sentimos, que servem a determinados propósitos, que podem levar-nos a deturpar a leitura que os outros fazem de nós - mais ou menos propositalmente.
Há processos de comunicação que produzem mudanças,que nos modificam e modificam outras pessoas, enquanto outros processos não nos modificam, nos deixam onde estávamos, nos confirmam em nossos universos mentais pessoais ou grupais.
A comunicação aparente
É um processo de "comunicação" onde as pessoas falam e respondem, sem prestarem verdadeiramente atenção ao outro e ao que ele está dizendo. Cada um precisa "desabafar", ter alguém com quem conversar. Se a necessidade é forte e de ambas as partes, a "comunicação" se transforma num diálogo animado, mas "de surdos", porque cada um fala de si, extravasa suas idéias, sentimentos, necessidades. Ambos falam, sem comunicar-se verdadeiramente. É um tipo de interação importante, porque ajuda a desanuviar a tensão pessoal, a sentir-se vivo. É uma comunicação unidirecional, de uma direção só: A fala para B e B fala para A, mas o que dizem realmente é pouco significativo para o outro, porque este também desabafa, está expressando suas necessidades.
Não há troca, mas a utilização do outro como interlocutor visível. Sirvo-me do outro para dizer o que quero. A sua resposta não é significativa, não modifica o que digo, porque na realidade estou mais atento ao que tenho a dizer do que ao que o outro me está falando. Interessa falar, não tanto que o outro fale, mesmo que haja diálogo aparente. Duas pessoas podem estar conversando durante horas dentro deste tipo de interação aparente.
Uma variante da comunicação aparente é a de duas ou mais pessoas que já estão prevenidas em relação às outras e que já sabem de antemão (ou imaginam) o que elas vão dizer, como pensam, que respostas vão dar. Com isso, não estão atentas a qualquer informação nova, porque não a esperam de antemão. Vão para a interação na realidade para um confronto ou para um convencimento. Eu vou mudar o outro, não a interagir com ele. Vou impor o meu ponto de vista.
Muitas interações educacionais são deste tipo. O professor acha que a sua fala é importante, e o aluno quer ser ouvido. Em determinados momentos se encontram e pode acontecer um diálogo de surdos. O professor, que tem mais poder, pode sair do encontro satisfeito por ter feito prevalecer os seus pontos de vista, por ter "ouvido" os alunos. Mas provavelmente, eles saíram desiludidos, porque perceberam a distância, a arrogância e a manipulação disfarçada na linguagem do professor.
Muitos casais conversam muito. Olhando de fora parece que interagem, mas se as posições e expectativas já estão pré-definidas, a interação será muito mais aparente que real. A interação dos que querem convencer-nos, dos donos da verdade, dos que se acham superiores costuma ser aparente, porque ambos não se escutam. O que quer convencer, repete sempre os mesmos argumentos; o outro faz que ouve e continua "na dele".
Pais e filhos costumam, com freqüência, ter interações superficiais baseadas na avaliação prévia que uns têm dos outros. Há pais que aconsideram que seus filhos precisam ser orientados em tudo, pela sua inexperiência. Por sua vez esses filhos "acham os pais caretas", cheios de desconfiança e repetitivos: sempre dão os mesmos conselhos. Neste caso, podem estar juntos, "conversar", mas será uma conversa surda, que provavelmente terminará em fracasso.
A comunicação superficial
É uma interação limitada, com trocas previsíveis sobre temas socialmente definidos e com limites pré-estabelecidos - culturalmente ou pelos grupos e indivíduos. São trocas de mensagens sobre assuntos específicos e que não expõem muito a intimidade de cada um, por exemplo sobre futebol ou fofocas de pessoas ou artistas, em reuniões sociais, festas, bate-papos. Fala-se animadamente, mas sem interação pessoal, sem revelar o eu profundo a não ser neste campo específico. São processos úteis de manutenção dos vínculos dentro de um grupo ou comunidade, mas que pouco revelam dos indivíduos, porque eles se escondem, não querem se expor ou o fazem somente em outros espaços mais restritos.
O trabalho profissional é importante -além das suas dimensões econômicas e de valorização pessoal- como espaço de comunicação. Nele encontramos espaços de conversa superficial, ritual, de aceitação grupal, de desabafo. Não são interações profundas, mas esse contato é fundamental para muitos, carentes de outras formas de comunicação mais rica.
Na sociedade urbana, muitas pessoas passam a maior parte do tempo em trocas limitadas - almoços de negócios, jantares sociais -, onde o importante é mostrar que continuam vinculados a determinados grupos, em que não convém se expor pessoalmente. Por isso essas interações são rituais, previsíveis, pouco profundas e, a longo prazo, frustrantes, se não vêm acompanhadas de outras formas de comunicação mais profundas, em outros momentos, com outras pessoas.
Na cidade grande é fácil viver em contínuas interações superficiais, em contato com muitas pessoas, em diferentes situações pessoais, profissionais e grupais. São formas de comunicação que ocupam, entretêm, mas que não preenchem totalmente, se não estiverem acompanhadas de outras interações mais autênticas, mais profundas.
A complexidade da vida urbana, a competição feroz pela sobrevivência dificultam a possibilidade de desenvolver processos de comunicação pessoais e grupais mais profundos. Na falta dessas interações pessoais, muitos se relacionam com as mídias, principalmente com a televisão, num tipo de interação virtual, que se dá principalmente no imaginário de cada um. Todos nos "encontramos" na televisão, só que terminamos refletindo pedaços de nós nas várias telas. Na televisão procuramos dimensões da vida mal preenchidas no cotidiano.
É uma troca ou interação dentro de um sistema fechado, onde se expressam relações de poder, de dominação. É uma troca desigual - em que um fala e o outro assente - baseada no poder econômico, político, intelectual ou religioso. É uma fala onde quem tem algum poder procura dominar o outro, impor seus pontos de vista, controlar. O outro se transforma em "receptor", destinatário e só pode concordar com o emissor.
Há uma interação autoritária explícita, clara e outra, implícita, camuflada. A maior parte das interações autoritárias é disfarçada. A implícita é mais difícil de perceber, porque vem camuflada dentro de uma roupagem participativa, que convida para a colaboração, o que a assemelha, num primeiro momento, à interação real. Normalmente ninguém quer mostrar-se impositivo. Os maiores ditadores justificam sua truculência com uma linguagem triunfalista, cheia de promessas, de realizações, de paternalismo. Decidem por nós. "Sabem o que é melhor para nós". E disfarçam a dominação com apelos afetivos ao patriotismo, à grandeza, à "mãe pátria". Em outras instâncias, como a familiar e a educacional, o autoritarismo se mascara mediante expressões afetivas de interesse pelo filho, pelo aluno, pelo uso de diminutivos carinhosos, pela bajulação. É uma fala que simula interação, preocupação e escamoteia todos os mecanismos de controle.
Em um colégio importante de São Paulo, o que mais reclamavam os alunos não era da competência dos professores, mas da disparidade entre o discurso liberal, participativo dos diretores e professores e a prática disfarçadamente autoritária. Os alunos constatavam que as suas mensagens não obtinham repercussão real. As reuniões eram mais formais do que efetivas, eram mais para apresentar decisões prévias do que para buscar soluções em conjunto.
Na medida em que vamos avançando na compreensão da "realidade", preferimos que o autoritarismo seja explícito do que camuflado. Se está explícito, evidente, torna-se mais fácil saber como lidar com ele. As interações autoritárias camufladas perpetuam o controle e dificultam a nossa evolução pessoal, grupal e institucional.
O capitalismo, quanto mais avança, mais refina sua linguagem -cada vez mais humanista- e esconde os mecanismos de dominação. O marketing é a ciência aplicada ao controle, à manipulação disfarçada de preocupação humanitária.
A comunicação real
Na interação real os parceiros estão abertos e querem trocar idéias, vivências, experiências, das quais ambos saem enriquecidos. O discurso é franco, objetivo, participativo. A fala do outro tem repercussão em mim, me ajuda a pensar e a, eventualmente, modificar-me. Há graus diferentes de interação real e de comunicação, mas o importante é essa atitude de busca, de querer comunicar-se, de trocar, crescer, de sair de onde estamos. É essa a verdadeira interação, comunicação, onde não há jogos rituais, nem jogos de poder, mas atitudes de comunicação honesta, crescente e dinâmica.
Há vários graus de comunicação real. O primeiro acontece, por exemplo, numa conversa ocasional entre duas pessoas que falam e se ouvem de forma animada e aberta. Pode existir uma comunicação viva, mas sem levar necessariamente a sua continuidade.
Num segundo grau, vemos a comunicação aberta entre duas ou mais pessoas, que interagem habitualmente. É a comunicação entre alguns colegas de trabalho, entre amigos, entre alguns professores e alunos. Eles já vêm desenvolvendo roteiros de interação, onde os dois lados se respeitam e querem aprender. A comunicação os leva a avançar, a perceber melhor, a ajudar-se mais, a produzir novas propostas de trabalho, de ação.
Num terceiro grau, observamos a interação entre pessoas que se comunicam profundamente, que têm seus próprios códigos verbais e não verbais. É a comunicação das pessoas que desenvolvem relações afetivas maduras, que crescem em riqueza, em abrangência. Pessoas bem resolvidas, evoluídas, abertas, flexíveis podem avançar nestes níveis mais profundos de comunicação. Essa comunicação pode chegar a superar tempo e espaço, quando pessoas interagem à distância, sem contato físico, por telepatia, através de processos de comunicação extra-sensorial, de pré-cognição, de comunhão "espiritual" plena, o que parece acontecer em poucos.
Os níveis de comunicação apontados - mais superficiais ou profundos, mais autênticos ou inautênticos - se dão em várias instâncias: na comunicação pessoal (de cada um para consigo), na comunicação interpessoal (de um com um ou com alguns), na comunicação grupal, organizacional e na social ou coletiva.
O campo onde se decide realmente a comunicação é o pessoal, o intrapessoal, que interfere profundamente nas outras formas de comunicação. Aprendemos pela comunicação pessoal, a que se desenvolve dentro de nós: nossas falas internas, os diálogos tensos entre as várias tendências conflitantes, a fala emocional e a racional, a fala consciente e a inconsciente, a fala do passado e a do presente, as falas introjetadas e as novas falas, as falas do desejo e as do medo, as do real e as do imaginário, as que provêm da informação e as que provêm da ação, a comunicação das sensações, das intuições e das idéias. A comunicação mais difícil é a intrapessoal: conseguir expressar as múltiplas vozes que se manifestam em nós, coordená-las, integrá-las e orientá-las para uma vivência cada vez mais enriquecedora.
Pela comunicação intrapessoal procuramos equilibrar as nossas contradições, comunicar-nos entre o nosso universo organizado e o desorganizado, o visível e o invisível, entre o que controlamos e o que se nos escapa. Comunicamo-nos melhor se aprendemos a dialogar com as nossas tendências contraditórias.
A sociedade pós-moderna está fragmentada, desiludida. A leitura das manifestações aparentes pode induzir ao niilismo, ao desespero. Mas, nesta etapa de busca de novos paradigmas, de novos referenciais, há uma procura pelo reencontro, pela integração. Só que a sociedade não quer apoiar-se mais nas velhas explicações, nos velhos mitos que procuravam explicar tudo.
Comunicar-se pessoalmente é aceitar as inúmeras dificuldades em sermos coerentes, em vivenciar o que racionalizamos, em assumir o lado, complicado da nossa existência. Comunicar-nos é continuar mantendo os caminhos da interação confiante, mesmo nas etapas mais perturbadoras, em que não enxergamos nada, em que parece que nada mais faz sentido e que a humanidade não tem mais jeito.
Pela comunicação pessoal podemos integrar corpo e mente, as sensações, as emoções, a razão, a intuição. Podemos perceber, sentir, entender, compreender, agir dentro da nossa forma de estar no mundo, integrando a nossa história pessoal, nossas qualidades e defeitos, nossas características, dentro do ritmo que nos é possível.
Aprendemos e evoluímos também pela comunicação com os outros, pelas múltiplas formas de comunicação interpessoal. Recebemos informações, afeto, críticas, visões de mundo, interações e fazemos o mesmo com os outros. Servimos aos outros de espelho e nos espelhamos neles e por meio deles. Captamos nos demais o que nos interessa, o que tem a ver conosco, o que desejamos e odiamos, o que nos atrai e o que nos repugna (mas que se relaciona conosco).
Pela comunicação interpessoal expressamos o melhor de nós e buscamos também o nosso eixo, encontrar-nos, compreender-nos a partir de como os outros nos vêem. Aprendemos a confiar e a desconfiar, a amar e a odiar, a sentir e a compreender, a compartilhar e a fechar-nos. Pela comunicação interpessoal procuramos o que nos falta, nos encontramos ou escondemos de nós mesmos, nos realizamos e frustramos, triunfamos e fracassamos.
Há comunicações interpessoais superficiais, episódicas, temporárias, dirigidas para objetivos específicos e há outras mais profundas, ricas, estáveis, intensas, decisivas. As interações que mexem com os sentimentos, com o afeto são as mais significativas, as que mais nos influenciam. Pela comunicação crescemos, evoluímos, mas também nos escondemos. Se não estou bem comigo, posso passar a vida correndo atrás de que outros me completem, de que me preencham, tornando-me dependente deles.
Vivemos processos de comunicação autênticos e inautênticos. Autênticos, quando há uma correspondência entre o que percebemos e o que comunicamos; e inautênticos, quando nos ocultamos (ou tentamos ocultar-nos através de palavras ou de máscaras), quando representamos personagens que não são nossos, ou quando os outros se escondem também de nós. Se conseguimos desenvolver processos de comunicação autênticos, aprenderemos mais, evoluiremos mais, ampliaremos nossos horizontes emocionais e intelectuais de forma poderosa. Se predominam em nós processos de comunicação inautênticos, cresceremos cada vez menos, perderemos a confiança nos outros e principalmente em nós mesmos.
Pela comunicação interpessoal vamos criando junto com outras pessoas novas realidades, vamos modificando nossa forma de ver e a delas, vamos ajudando-nos a perceber melhor um mesmo assunto, a modificar algum aspecto do nosso mundo. Podemos criar um novo produto, um novo enfoque no campo intelectual, um novo mercado, uma nova relação afetiva, um novo filho. Modificamo-nos pessoalmente e modificamos os outros.
Em cada um de nós se definem as mudanças mais radicais que afetarão a toda a sociedade. Quanto mais livre é a pessoa, melhor se comunica. Quantas mais pessoas conseguirem mudar, evoluir, tornar-se mais flexíveis, ricas, generosas - pessoalmente e em grupo - mais facilmente a sociedade evoluirá. A mudança pessoal é a pedra de toque para as mudanças grupais, organizacionais e sociais.
(Caos Markus)
Nenhum comentário:
Postar um comentário