Eu vejo o mundo de um jeito específico e me parece tão firme, tão claro, que imagino que o outro também deva enxergá-lo da mesma forma. Mas, ao falar com ele, fico surpreso quando, às vezes, não sou bem compreendido, quando não aceita imediatamente o que considero evidente. O que é claro para mim só é claro para mim. Não significa que o seja igualmente para o outro. O mundo que vejo não coincide com o que o outro vê. Pode ser parecido, mas não o mesmo.O mundo que vemos é, por um lado, orientado pela cultura, pela educação, pela religião e, por outro, pela nossa experiência pessoal, pelas nossas formas de interagir com o mundo, de comunicar-nos de forma aberta ou fechada, confiante ou desconfiada. Estamos sempre em um contexto maior, que nos envolve como a peixes na água e que nos parece "natural". É tão natural que não o percebemos ou o damos por pressuposto. E, ao mesmo tempo, o contexto está em nós. Queiramo-lo ou não, a sociedade está o tempo todo interagindo, comunicando-se conosco, orientando-nos, balizando a nossa percepção e a ação. A sociedade reforça certos comportamentos e desaprova outros. Envia-nos continuamente feedbacks de aprovação ou desaprovação, de incentivo -se não questionamos os princípios básicos – ou de desaprovação- se os confrontamos.Uma parte de cada um de nós está codificada, articulada, claramente organizada. Mas uma outra parte se nos escapa; está desarticulada, parece desconexa, sem sentido. Há informações, em nós, claramente sistematizadas, que tanto nós como os outros captamos e agimos em função delas. Mas e as outras? Se nem mesmo eu encontro o seu significado, se não consigo organizá-las, como vou esperar que os outros as compreendam? É no processo de comunicação que essa desorganização diminui e consigo encontrar áreas de significação no caos, tanto no meu “inconsciente” como no do outro. O outro lê nas entrelinhas do não-verbal, do que sugiro, do que deixo escapar e da entonação e me devolve a sua leitura, que me ajuda a ler-me, a compreender-me. Se as interpretações de muitas pessoas sobre mim são convergentes, se coincidem no essencial, a minha leitura sobre mim mesmo se modificará. Pela comunicação procuramos estruturar e organizar o caos pessoal: as incertezas de cada um, as nossas contradições, assim como o caos grupal: as incertezas nas relações interpessoais e nas múltiplas interações de grupos pequenos e grandes, sólidos e mutáveis, masculinos e femininos, reconhecidos e desconhecidos, conservadores e inovadores. Também procuramos compreender o caos social: a complexidade das interações estruturais e as inter-relações entre o local, o nacional e o internacional, entre o pequeno e o grande, entre o universo masculino e o feminino, da criança e do adulto, da cultura erudita e da popular, entre o trabalho e o lazer, entre o material e o espiritual, entre o passado, o presente e o futuro. A comunicação nos ajuda a criar balizas (pontos de referência para perceber, julgar, agir)e a nos tornar visíveis para os outros, o que nos possibilita encontrar o nosso espaço pessoal, profissional e emocional diante dos demais. Além disso, desvenda, cura e ajuda a "reviver" situações introjetadas. O ponto de partida de Freud é que a comunicação cura. Falar com o outro revela o que estava escondido até de nós mesmos. E as outras linhas terapêuticas caminham, com variantes, na mesma direção: a comunicação com o outro é reveladora. A revelação aumenta se há um clima de confiança, um ambiente em que ambos nos encontremos sem medo e com respeito e oferecemos uma visão menos caótica um do outro. Toda comunicação é reveladora, mas a efetuada em clima de compreensão, de não condenação e de aceitação profunda acelera o processo de crescimento e de desvendamento de áreas dispersivas do nosso ser, gerando segurança. A aceitação mútua, na comunicação entre pessoas, é a pedra de toque para o avanço profundo de cada um de nós na reorganização dos espaços pessoais, no gerenciamento das diversas tensões e na digitalização, isto é, na sistematização do que estava um caos.
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