O amor, como base da instituição familiar atual, é algo muito recente e, talvez por isso mesmo, muito de acordo com a hipocrisia vigente, quando se chama felicidade ao aborrecimento sofrido em comun. Instituída mais para a conservação e transmissão dos bens de fortuna, a monogamia tem sido, de fato, a pedra angular de uma "família" caracterizada pela conveniência. E se agora ela está desestruturando-se é porque não há mais razão de ser, uma vez que a imensa maioria da população quase nada mais possui que a justifique como intermediária das riquezas entre as gerações. O que resta é, por assim dizer, a família neurótica, ou, se for o caso, "neurotizada".
Somente o "marginalizado" é capaz de reassumir a família em novo padrão, correspondente às mudanças operadas na sociedade politicamente organizada. Porque sabe ele da necessidade de modificá-la, justamente por ter sido dela banido, inconformado com o cinismo da sua estrutura. Superada a revolta, é ele quem norteará um modelo para o amor emancipado, transgredindo a debilidade dos retrógrados valores anteriores. Fala-se aqui de ruptura. De um rompimento renovador que assegure o livre pensar para o gesto do amor. A família individual, então, "deixará de ser a unidade econômica da sociedade".
Se "eros" e "tanathos" são em nossos dias as vozes mais ouvidas, certamente o são em razão de um veemente declínio moral da humanidade. Após a derrocada final daquela que erroneamente conhecemos por "sociedade moderna", um novo critério moral aproximará homens e mulheres, pais e filhos, irmãos e irmãs, um critério forjado no amor e no afeto recíprocos.
Modificadas as relações de propriedade, normas próprias de conduta regularão uma família aonde o amor seja o único moral. A família - isso é inegável - tem progredido ou se modificado na mesma medida do maior ou menor progresso, da maior ou da menor modificação da sociedade. E hoje entre nós a filosofia de vida tem sido aquela tão bem descrita por Abílio Guerra Junqueiro - a filosofia do porco; devorar. E é o mesmo poeta português quem acrescenta: "Mas, como semelhante compreensão da vida e do destino do homem é por demais inconfessável, esconde-se a chaga em linhos brancos".
Negar um Estado e um regime repugnantes, que se propagam através da chamada "célula mater" da sociedade, a família, é recusar a dominação para proclamar a liberdade e o amor com signos de uma nova era. (Marcus Moreira Machado)
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