Vivo assediado por pessoas bem intencionadas. Eu mesmo sou deveras bem intencionado, mesmo sabendo que entre intenção e gesto há uma distância muito grande.
Já acreditei em muita coisa, até em Nietzsche, que em pouca coisa acreditava. Procurei uma verdade mais permanente, que não a de “um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antroporfismos... enfatizadas poética e retoricamente”. Nos “arquétipos” de Jung procurei explicação para o primata que de quando em quando se revela em cada um de nós, na barbárie que todos cometemos dia após dia. Aderindo à teoria economicista, pensei encontrar refúgio na história, e nela poder intervir, não como coadjuvante e sim protagonizando-a.
Sociólogo de botequim, exaltei Durkheim no tempero existencialista de Camus, negando valores e inventando outros tantos.
Não fui o único; não sou o único. Muitos quiseram - e ainda insistem em querer - a paz, substituindo os horrores e a infâmia das guerras pela majestade do amor. Utopia, acreditávamos, não existia; era questão de tempo. Como o tempo insistia em não chegar, ouvimos Krishnamúrti, desistindo, então, de um aprendizado que nos libertasse da nossa miséria, renunciando a ensinamentos vários sobre o caminho libertador de um pensamento ou de uma prática qualquer; procuramos revelar-nos a nós mesmos, a fim de que pudéssemos ver o que éramos e depois esquecer-nos; enfim, pretendêramos sair do ego, chegar à criatividade pela visão do nosso vazio e descobrir, simultaneamente, o amor.
Balela, muita balela! Nossas boas intenções nada mais fizeram que ocultar a omissão dos nossos gestos.
Ainda hoje, não damos esmolas para não estimularmos a mendicância, e condenamos à morte os miseráveis como exemplo, no cínico e absurdo contraste entre a suposta indolência dos despossuídos e a obstinação dos bem sucedidos.Se sou incapaz de gestos, não mais quero me capacitar com intenções. Seguir a máxima de São Tiago: “Pratica tua fé com obras”, deveria ser a única boa intenção de todos quantos proclamam um mundo melhor.
(Marcus Moreira Machado)
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