A DOR DO DÓ
Eu morro de dó dos negros; eu morro de dó dos palestinos; eu morro de dó de mim mesmo, que não sou nem negro e nem palestino. Eu vivo morrendo de dó de criança pobre e abandonada, jogada nas esquinas dos comerciais de televisão, e sempre prontas para o prato cheio da caridade humana. Que pena eu sinto da tristeza que me fazem sentir a vida mais real de todas as novelas e os seus personagens assim tão cheios de humanidade!
Não sei mesmo o que posso fazer para melhorar o mundo, já pelo que parece ele não existe para ser melhorado; tem-se a impressão que tudo precisa ser do jeito que é, ou da maneira que inventaram de ser. Sentir dor - grande ou pequena, verdadeira ou não / é o que resta para tanta gente que como eu não faz mais nada que sentir.
Recheando de indignidade, eu caminho no apocalipse que jamais virá, porque todo dia é um pouco. E nesse recheio o meu espanto é que eu ainda continue tão pasmo com tanta coisa feita só para pasmar. Pois, se esse é o enredo, que eu já conheço de cor, para que aceitar o papel de coadjuvante mal remunerado? Deveríamos, então, decidir pelo decidido e mudar de lado, só para não sofrer o sofrimento alheio? Teríamos, de verdade, essa aparente capacidade de imaginar que o ser humano vale a pena, porque também o somos? E quem disse que todo mundo é igual, ou que tenha que ser? Hein?!
Se eu continuar morrendo de dó, chorando pela carinha triste de tantos holocaustos, o que vai ser de mim? Não é disso que precisa a humanidade? De algo e de alguém para chorar? Não prefere ela o luto do que a eterna felicidade prometida?
É muito fácil chorar. É muito mais convincente chorar. É muito mais crível ser mocinho. Todo mundo acredita, porque precisa acreditar, e porque não pode crer em Hobbes, e porque crer em Hobbes seria suicídio são. A insanidade deverá ser, assim, afastada como primeira hipótese, já que não haverá outra alternativa para tanto medo de si mesmo, para tanta covardia.
Quanto dó do mal que nós mesmos ajudamos a praticar!
(Caos Markus)
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