O pensamento marxista sobre a questão da origem do Estado é incisivamente singular. A respeito da sua função, Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, afirmam que o governo do Estado moderno não é mais do que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa. Sobre sua origem, Engels escreveu, em 'A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado': " (...) um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismosirreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da 'ordem'. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela, e distanciando-se cada vez mais, é o Estado”. Como resta evidente, conforme essa abordagem, o Estado nasce como o resultado do aparecimento de classes sociais. Portanto, não é uma instituição que sempre existiu. Tampouco representa o interesse geral da sociedade. A ordem imposta pelo Estado contemporâneo, por exemplo, é bem específica. É a da classe dominante capitalista, a exercer permanente pressão contra os interesses da classe trabalhadora. O Estado é, com efeito, um aparelho de domínio; tem ao seu serviço grandes grupos de pessoas, partidos políticos, agremiações paralelas (muitas vezes armadas, como é o caso das "milícias", hoje tão comuns no Brasil). Entidades que reclamam para si o exercício exclusivo do poder. Em proveito de quem o Estado cobra impostos? A serviço de quem recruta soldados, forma contingentes policiais no exercício do poder e da dominação? O Estado não é um fenômeno natural;não existiu sempre. Os primeiros homens passavam bem sem ele. Podiam impedir qualquer transgressão da ordem existente na comunidade primitiva sem recorrer a um Estado. Somente numa certa etapa do desenvolvimento econômico, quando a sociedade encontrou-se dividida em classes, é que se tornou possível (e por isso necessário) um instrumento especificamente destinado a reprimir os explorados. A apropriação pela classe dominante de uma parte dos valores criados pela classe trabalhadora apenas é possível se a primeira for capaz de obrigar a segunda a produzir para ela. O Estado torna-se, assim, uma necessidade. A classe dominante (tanto os escravagistas quanto os senhores feudais ou os capitalistas) precisa do Estado para garantir a seu prevalecimento econômico, isto é, o seu sistema de apropriação de mais-valia, o seu domínio sobre o trabalho não remunerado, o seu sistema de exploração do homem pelo homem. Necessita, portanto, do aparelho que lhe permita, pelos mais diversos meios (inclusive o da coação física), assegurar a aplicação das 'regras jurídicas' e 'morais' referentes à manutenção da sua "ordem". A repressão que se abate sobre a classe dominada, quando esta tenta livrar-se do jugo econômico da classe dominante, traduz a verdadeira essência do Estado nas sociedades de classes antagônicas. O Estado nasceu, sim, das lutas de classes, e constitui o aparelho a garantir a opressão de uma classe sobre outra.Isto significa: o Estado não é eterno, considerando já ter havido uma época em que ele não existia. E ainda mais importante é constatar que ele não existirá sempre. Senão, vejamos.O Estado na Antiguidade era, sobretudo, o aparelho utilizado pelos senhores de escravos para reprimí-los; o Estado medieval era o aparelho dos senhores feudais para repressão dos camponeses, mantendo a sua exploração; o Estado burguês é, destacadamente, o aparelho usado pelos capitalistas para subjugar e preservar a exploração de operários e outros assalariados. Sendo assim, o Estado tem necessariamente de adquirir uma certa autonomia, que pode ser maior ou menor. Porque ele tem de estar em condições de contrariar os interesses deste ou daquele membro da classe dominante que lese os interesses de toda a classe.O fato de o Estado atuar de forma muito dura, algumas vezes, contra membros isolados da classe dominante, dá origem, frequentemente, à ilusão de que esse mesmo Estado age objetivamente. No entanto, o Estado burguês somente impõe os interesses objetivos (e a longo prazo) da burguesia, até mesmo a esse ou àquele capitalista. Assim, o Estado unifica os interesses divergentes (por vezes contraditórios) de cada um dos membros da classe dominante. As "novas" oligarquias brasileiras são hoje máximo exemplo dessa atuação.
(Caos Markus)
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