Merleau-Ponty define um clássico como sendo "aquele que ainda nos dá o que pensar".
Montaigne é um desses clássicos a nos fazer refletir sobre muitas coisas, dentre elas, os fundamentos de nossa pedagogia contemporânea.
Em capítulo de 'Ensaios', intitulado 'Pedantismo' (1580), duas idéias de Montaigne merecem destaque. A primeira, uma crítica ao modelo de ensino dos 'escolásticos', sobretudo, a 'valorização da palavra em detrimento das próprias coisas'. A segunda, uma referência a respeito dos fins da educação, mais destinada às disputas e vaidades humanas, muito menos voltada à formação da personalidade dotada de virtudes.
A problemática constata e questiona razões pelas quais a perspicácia não é vocação dos mais sábios.
Ora, no século XVI, instaura-se no meio acadêmico a controvérsia entre as palavras e as coisas.
Os partidários do ensino tradicional, à maneira escolástica (denominados "pedantes"), defendiam o estudo da Antiguidade, através do conhecimento de Platão, Aristóteles, Hesíodo, Homero, Hipócrates, voltando-se para as sete proeminentes 'artes liberais' (gramática, retórica, dialética; geometria, aritmética, astronomia e música).
Já os' humanistas' pleiteavam um ensino dirigido ao estudo da natureza, baseado na observação e experimentação das coisas. Contudo, não se tratava de postura a excluir os clássicos, mas sim integrá-los a novas fontes de conhecimento, como a literatura moderna (Cícero, Sêneca, Virgílio, Horácio), e a novos domínios do saber, observados na filosofia natural, na poesia, na pintura.
Os' humanistas', então, privilegiavam as coisas às palavras, ou pelo menos, as palavras ligadas às coisas. E nesse contexto, Montaigne dirige severas críticas ao 'pedantismo', ao saber inócuo dos doutos.
Ele repudia o homem que não pensa por si mesmo, criticando-os: "cuidamos das opiniões e do saber alheios e pronto; é preciso torná-los nossos".
Montaigne não abrevia a contundência dessa crítica, execrando aquele que não retira proveito da sabedoria adquirida: "nada ignoram da teoria, mas não acheis um que a possa pôr em prática". Por acréscimo, aduzia que da memória bem guarnecida, porém, desprovida de juízo e consciência, não somente se produz um saber vazio, contudo, também torna-se ela uma perigosa arma. Do tema, afirmou: "O saber não modifica nem melhora o estado de imperfeição; certamente seria preferível não adquiri-lo. É uma arma perigosa que embaraça e fere o dono, caso esteja em mão forte e lhe ignore a maneira de usar. Melhor, pois, seria não ter aprendido nada".
Nesse passo, mais importante do que bem pensar, é saber bem agir. Afinal, para quem não possui ciência do mérito, qualquer outra é prejudicial.
Não se trata, em absoluto, de recusar o saber. Entretanto, sim, de reconhecer que o saber, desprovido de inteligência, nenhum valor possui. E, pior, considerar que a recíproca não é verdadeira. O ideal, portanto, é desenvolver ambos simultaneamente, saber e inteligência. Em não sendo possível, ao menos desenvolver-se a inteligência.
Em resumo, nota-se em Montaigne sua criteriosa pedagogia, ao distinguir o pernóstico do prognóstico. O primeiro, sujeito 'estudado', é um douto. No segundo, há de se encontrar um 'ser educado'.
Cumpre indagar quem sabe melhor e não quem sabe mais.
Neste sentido, enquanto educação é dever de todos, o mesmo não ocorre com o estudo, posto não ser obrigação coletiva.
(Caos Markus)
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