Verificamos que até o fim do século XIX uma das funções mais específicas da ciência era justamente a de proporcionar uma avaliação crítica da sociedade e da realidade. O critério dessa avaliação estava baseado em duas noções filosóficas: a da idéia de “ordem natural” e de “direitos naturais” do homem; e a idéia de “progresso”, permitindo uma atitude crítica da situação em que se encontravam a economia, a política e o direito, justamente em nome da “ordem” e do “progresso”. Ademais, essa idéias se apresentavam não só como críticas, mas também como “justificadoras”. Assim, a economia capitalista era considerada como a ordem econômica que melhor podia corresponder à natureza humana, sendo capaz de favorecer o mais rápido progresso. A partir do momento, porém, em que começaram a surgir resistências a essas idéias, os cientistas, sobretudo sociais, passaram a empreender um esforço formidável para eliminar das ciências todo e qualquer juízo de valor, a fim de reduzir as pesquisas sociais a uma pura descrição e explicação dos fatos concretos. Os conceitos problemáticos de “ordem natural” e de “progresso” não foram substituídos, até hoje, por outras categorias normativas. É o que se pode ilustrar, por exemplo, pelo recente positivismo lógico, ainda bem presente e atuante na formação “filosófica” dos cientistas contemporâneos. Com efeito, os adeptos da corrente neoempirista consideram todos os juízos de valor pura e simplesmente como expressões afetivas, desprovidas de toda e qualquer significação cognitiva. A filosofia viu-se reduzida à “filosofia da ciência” ou, mais precisamente, à lógica da ciência ou da linguagem científica, perdendo o seu papel de instrumento heurístico, deixando de ser crítica e orientadora. A ciência passou a ser a única forma de saber dotado de sentido: ela é interpretada como o estudo de certos fenômenos empiricamente observáveis, possibilitando o estabelecimento de certas regularidades entre os fenômenos e a extrapolação dessa possibilidade a outros tantos fenômenos. Toda avaliação relacionada às necessidades, aos sentimentos, às normas morais, é tachada de fundamentalmente irracional, desprovida de sentido e devendo ser rejeitada. Assim, a neutralidade ética da ciência passa a ser considerada como fator de progresso.
(Marcus Moreira Machado)
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