Em muitos sentidos, o ensino superior no Brasil seria sugestivo de imunização à síndrome de massificação, politização, burocratização e má qualidade que afeta a maioria das instituições universitárias latino-americanas. Aqui, esse ensino é muito diferenciado, com dois importantes sistemas públicos (o federal e o paulista) e um amplo e diversificado setor privado. A reforma universitária de 1968 aboliu o antigo sistema de cátedra, abrindo espaço para a criação de programas de pós-graduação, pesquisa científica e para a contratação de professores em regime de tempo integral.
A participação política, no entanto, sempre presente em nossas universidades, manteve esse espaço ocioso, vago, inoperante, permitindo a manutenção de acesso à Universidade apenas às classes economicamente privilegiadas, integradas por candidatos dotados de pré-requisitos do ensino básico, representado, atualmente, pelos níveis 'fundamental' e 'médio'. Isto significa, naturalmente, que a educação universitária no Brasil tem (e muitos!) problemas.
Afinal, representando e representada por uma oligarquia, também no seu corpo docente, e não só no discente, ela, a Universidade, preserva o ranço do imobilismo oligárquico. É verdade, a explosão das matrículas entre 1965 e 1980, de 150 mil a um milhão e meio de estudantes em 15 anos, significou uma expansão. Porém, acompanhava uma tendência internacional de ampliação progressiva do acesso ao ensino superior, coincidindo no Brasil, contudo, com um regime militar sempre agindo contra estudantes, professores e cientistas.
Reformular o ensino superior foi um dos compromissos inscritos no discurso inaugural da Presidência da Nova República, que Tancredo Neves nunca chegou a ler, mas lido e jamais assumido por seu sucessor, José Sarney.
Para este fim o governo instalou, com toda a solenidade, uma Comissão Nacional destinada a apontar os caminhos do futuro. Rever como trabalhou esta Comissão, e o destino do trabalho, é uma excelente porta ao entendimento mais aprofundado de nossa precária educação universitária, e a compreensão,também, da própria natureza do primeiro governo da Nova República.
Administrar um sistema destas proporções, em um país com recursos limitados, já é em si mesmo uma tarefa difícil. A crise que o ensino superior brasileiro enfrenta na década de oitenta, entretanto, vai muito além de uma questão administrativa, ou da ausência de recursos; é uma crise de valores, idéias e objetivos, repercutindo sobre os problemas administrativos e financeiros (geralmente, os mais visíveis).
Essa crise tem relação direta com as respostas possíveis a uma questão básica: para que, afinal, servem as instituições de ensino superior?
Não se trata de simples retórica. Em cada sociedade, existem grupos distintos entendendo esta questão de maneira diferente, e tratando de adequar a realidade a seus objetivos. Fato inconteste, contudo, independentemente de qualquer ação do governo federal, a Universidade no Brasil já é demasiadamente complexa e diferenciada para poder voltar atrás, produzindo, incessantemente, inovações tópicas e incrementais nos lugares mais inesperados. Diferentes formas de avaliação do ensino de graduação começarão inevitavelmente a ser implantadas, dando ao governo e à sociedade informações não somente antes inexistentes, mas, até recentemente, sequer consideradas necessárias.
Sistemas competentes de educação continuada e à distância continuarão sendo criados, em progressão aos modelos já atuantes, reduzindo assim a pressão que as universidades públicas recebem hoje para ampliar suas vagas e reduzir seus padrões de recrutamento.
Salvo uma crise econômica irrecuperável, recursos continuarão a fluir de fontes diferentes, e muitas vezes supostamente contraditórias. Nesta complexidade crescente (antes de qualquer projeto de reforma, por melhor possa ser concebido) estão o tempo e o espaço onde reside a esperança de manter o ensino acadêmico vivo e criativo, apesar das marcas já evidentes de uma reforma reservada na distância do futuro do pretérito.
(Caos Markus)
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