Reivindicar uma ética antropocêntrica, capaz de dignificar o existir humano, sua cultura e capacidade de projetar a organização de uma sociedade igualitária, pressupõe, entre outras coisas, apontar os obstáculos ao desenvolvimento deste projeto em uma época precisa da história.
A indicação desses empecilhos só é possível considerando o precedente conhecimento a respeito da índole, da personalidade do povo ao qual se postula tal exigência.
Ora, uma cultura nacional é um discurso de criação de identidades ao elaborar significados sobre a 'nação' onde determinado povo pode se reconhecer.
A constituição de valores e acepções culturais está inserida na história dessa nação, propagando-se pela memória dos articuladores do seu presente com o passado, relacionando-a às imagens forjadas ao longo do seu desenvolvimento.
Ao se falar de obstáculos, sob a ótica econômica, sabe-se, é inegável, o mundo capitalista levou às últimas consequências a chamada 'alienação', compreendida, genericamente, na separação do trabalhador em relação aos meios de produção, matérias-primas, a terra, as máquinas; e observada, principalmente, face ao seu distanciamento da cultura e educação, transformadas em propriedade privada do capitalista.
Do ponto de vista político, o homem também não deixou de se alienar. Isto porque se estabeleceu o princípio da representatividade, sustentáculo do ideário liberal, a projetar uma concepção de neutralidade estatal, atribuindo-se-lhe a responsabilidade de refletir toda a sociedade, governando-a através do poder procedente dos seus indivíduos.
Por demais conhecido, na sociedade burguesa, esse Estado configura apenas a classe dominante, e suas ações estão voltadas, obviamente, aos interesses deste estrato.
Vivendo assim, apartado do contexto integral da sociedade a que pertence, cindido e mutilado, este ser social só poderá recuperar sua condição humana usurpada através da crítica permanente e radical ao sistema econômico insano, à política, à filosofia e à ideologia burguesa, excludentes de sua participação ativa e efetiva no destino nacional.
Essa crítica não se opera apenas reclamando-se um impreciso referencial teórico; ela se consolida na práxis, ou seja, através da ação política, dialética e consciente, capaz de promover real transmutação.
Parece bastante claro, a tardia modernidade produzida no Brasil tornou possível a reflexão sobre determinadas artificialidades presentes nos seus processos culturais.
Não por outras razões, somos, sim, simultaneamente, o que escolhemos ser e o que podemos ser.
Assim, o discurso ideológico produzido pela nação brasileira é perceptível enquanto narrativa concedente de unidade e sentido ao historicamente conflituoso, caótico e fragmentado.
A questão das implicações éticas e étnicas do problema nacional brasileiro exige inovar sua mediação, através da retomada crítica do encontro societário, aqui permanentemente produzido sob execrável imutabilidade dos seus mais variados conflitos.
(Caos Markus)
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