(dedicado aos cubanos profissionais da Medicina, cuja consciência humanizada defende-se da discriminação com seu trabalho em prol do bem-estar das minorias excluídas da cidadania, suprindo a omissão de imensa maioria de colegas mercantilistas)
A composição do preconceito e a evidência das discriminações dele decorrentes, duplamente associadas à condição de emergência das diferenças, ocorrem tanto pela afirmação e manipulação da condição da desigualdade quanto por sua insistente negação ou dissimulação. Em ambos os casos, o não reconhecimento das diversidades, ou a falta de respeito a elas, se fazem presentes, criando novos padrões de violência.
Refletir acerca desse elo entre o preconceito e a violência é enfatizar as diversas formas de discriminação e exclusão, compreendendo os parâmetros jurídicos em relação a 'co-existir' e a 're-conhecer'; é observar as ciências sociais diante da criação dos contrastes; é destacar os fundamentos conceituais da categoria 'preconceito' e suas variáveis, relacionadas à rejeição e exclusão social; é identificar os mecanismos do 'preconceito' e as correlações 'divergência–preconceito', 'imagem e racionalização' do outro.
A categoria social da includência/inclusão, neutralizada pelo valor negativo atribuído pela condição da separação (de cor, raça, sexo, classe etc.), tem sido a marca da sociedade brasileira durante séculos, a resultar numa sociedade hierarquizada, onde distintos segmentos não têm acesso a deveres e direitos, além de reger suas relações por dissemelhantes 'códigos de honradez'.
Como somos uma República, tais disparidades, no entanto, se tornam objeto de estigma, não sendo capazes de despertar um sentimento de universal admissão enquanto legítimos símbolos de conduta.
Do ponto de vista jurídico, temos uma sociedade que prega -como signo do preconceito- a idealização desprovida de identidade na pluralidade de seus membros, acatando apenas o acesso particularizado de alguns, seja aos bens materiais, seja aos bens culturais, em valoração positiva à desigualdade substantiva de todos os seus partícipes. Uma sociedade fadada à instauração da violência nas suas nuances materiais e emblemáticas.
O preconceito se contrapõe às qualidades de caráter, como 'lealdade', 'compromisso', 'honestidade', os propósitos afirmativos de valores atemporais.
As demandas nos múltiplos espaços das inumeráveis instituições sociais são fugidias e contrapostas às qualidades humanas que podem significar experiência acumulada e motivações de homens e mulheres decididos a provar seu valor através da efetiva participação na multiplicidade de setores institucionalizados.
Pela sua sutileza, caráter difuso e visibilidade de intromissão nas relações sociais, a eficácia e a ubiqüidade do preconceito são máximas, tanto em relação às práticas de controle, como às de dominação e subordinação em todas as categorias sociais. Manifestam-se como produtoras e reprodutoras de situações de controle, menosprezo, humilhação, desqualificação, intimidação, discriminação, fracasso e exclusão nas relações, inclusive, entre os gêneros, na esfera do trabalho, nas posições de poder, nos espaços morais e éticos e nos lugares de enunciação da linguagem.
E, ainda mais danosas, pois tão-somente forjadas em simulacros, surgem, muitas vezes, minadas pela chantagem afetiva ou disfarçadas por aparências afetuosas, atingindo drasticamente a auto-estima e a condição sócio-moral dos indivíduos alvos da segregação.
Já nessa dimensão, bastante imperceptível quanto de fato veraz, o 're-conceito' esconde o 'pré-conceito', sem, todavia, inovar, mas, ao contrário, re-afirmando o predomínio da arbitrária autoridade soberana.
(Caos Markus)
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