A mágica, o misticismo e o ritualismo são ainda hoje as fundamentais características do que erroneamente denomina-se "religião". Da mesma maneira que o alquimista esteve impregnado de magia, buscando no fantástico as explicações para os fenômenos químicos, também o homem contemporâneo, sem ao menos cuidar da sociologia e da psicologia com a atenção merecida enquanto ciências que são, despreza a origem dos fenômenos psíquicos tão flagrantes nas vidas dos verdadeiros líderes religiosos. E, evitando a auto-identificação como procura do Deus imanente no homem, o que de fato temos promovido é a nossa rendição aos temores próprios da infantil superstição.
As teofanias, por exemplo, são uma demonstração veemente do psiquismo presente naqueles assim considerados como "profetas" da humanidade. Moisés, ao divisar a chama ardente numa sarça que não se consumia, acreditou ter lhe sido confiada a missão de desagravar um grande mal que pairava sobre os filhos de Israel; por apelo divino, apercebeu-se destinado a minorar o sofrimento de seu povo.
Quem mais tem se ocupado em estudar com seriedade tais "fenômenos" na atualidade é, sem dúvida, a doutrina Kardecista que, não sendo propriamente uma religião, pode servir de manancial para todo o mundo religioso.
O sectarismo religioso é, no entanto, algo fadado a desaparecer num futuro próximo, pois como já se observou "… O pedantismo satisfeito da sapiência e a confiança de beatos ignorantes, têm-se unido para revelar cada religião á luz de seu pensamento próprio. Em lugar de inquirir entre si, a fim de encontrar expressões mais profundas, têm elas permanecido fechadas e isentas de fertilização." E, agora, o que mais se verifica é o intercâmbio de idéias, com o decorrente acréscimo de conhecimento no tocante aos fenômenos pertinentes aos sentimentos e às reações humanas.
Desacreditadas, as instituições religiosas exigem uma reformulação de seus próprios princípios, num esforço para enaltecer a vida dos homens. O sobrenatural cede lugar à experiência religiosa, onde a maior consideração é para com significado mais amplo das relações humanas, tornando possível ao homem ajustar-se meio em que vive. Fala-se aqui de um despertador da consciência que, aos olhos de Guizot, é a faculdade que o homem tem de completar seu íntimo, assistir à própria existência, ser, por assim dizer, espectador de si próprio.
Há, certamente, enorme relutância por parte da igreja institucional em aceitar que a revelação do evangelho cristão é a de um poder interior ao homem, para a iluminação e transformação de sua vida. O poder que ao homem é negado não tem outro objetivo senão o de assegurar a eficácia de um sistema restrito á dominação pela manipulação daquilo que se imagina ser o sobrenatural, mas que pode e deve ser estudado cientificamente. Aliás, não por um mero acaso "político" e "religião" confundem-se através dos tempos. Da mesma maneira como o "político" quer submeter pela ignorância, o "religioso" presente limitar pela omissão. E, obviamente, não se pode esperar da desinteligência outra determinação que não seja a do ignóbil exercício desses podres poderes. Um substancial projeto ético, a estabelecer relações maduras dos homens entre si e com Deus, somente será viável quando os espíritos adquirem a grandeza para compreender a personalidade.
Compreender a alma humana requer auxílio da ciência, pois que, por se complexa, … se não tivesse diferentes modos de sentir, se as grandes desgraças não fossem uma refundição, um transfiguramento completo dela, o homem seria a negação do "Criador", como bem observou Camilo Castelo Branco.
Restituir ao homem o seu poder de criação é negar um Deus antropomorfo para admitir a probabilidade de Deus no próprio homem. E nenhuma confusão há de ser feita entre essa disposição e uma pretensa onisciência a guiar/nos em supremacia da raça humana no universo. Afinal, por religião entende/se muito mais "religatio" - a ação de atar de unir - , do que "relictio"- o abandono, o desamparo. Pois, a verdadeira "eclesia" se faz na conotação entre o poder de criação resgatado e a habilidade no seu desenvolvimento, ou, como preferiram os homens denominar - Deus.
A vida é especial, porém não uma "especialidade" como hoje o são os vários ramos do saber. Unificar, em vigorosa síntese, a filosofia, a política, a ciência…é vislumbrar a possibilidade de uma Religião superior, esclarecida e esclarecedora.
Assim, conceber essa Religião depende do esforço do homem, procurando instituir a harmonia em suas íntimas e profundas relações com o próprio meio.
Muito tempo se passou desde que nós - ainda povos selvagens - constituímos "classes sociais" reduzidas à fórmula simples do sacerdócio ou "poder espiritual". A sociedade humana, agora organizada, depende da Religião como condição essencial à vida coletiva. Não é crível que os meios pelo homem criados para aumentar o seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, sejam os mesmos utilizados para privilegiar podres,poderes afim de dominar pelo sacrifício. Já é chegado o momento de sabermos o que pode a religião fazer em prol do indivíduo.(Marcus Moreira Machado)
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