Operários e levantes estudantis paravam, em 1968, na França, o país do Marechal De Gaulle. A década dos anos 60, caracterizada em seu início por uma retomada do crescimento econômico a nível internacional, estimulava nos brasileiros uma maior percepção para identificarem o enorme contraste entre a formidável pobreza nacional e a opulência localizada e restrita a poucos outros países. As exigências de transformação se faziam, também, pelo uso da violência.
Ainda em 1968, era assassinado, nos Estados Unidos, Robert Kennedy, sugerindo a ascensão daquele que futuramente seria conhecido como o homem do escândalo de Watergate, Richard Nixon. É também nesse ano que um jovem baiano, Caetano Veloso, assume o seu devido lugar na música popular brasileira, sendo inicialmente vaiado, para, em 1972, trajando uma jardineira e com um saco de palha a tiracolo, de retorno ao Rio de Janeiro, de onde saíra para o exílio em 1969, oferecer "um dos mais extraordinários shows dos últimos tempos no Brasil", assistido por uma imensa legião - os "caetanistas" -, e dando origem a um novo vocabulário, repleto de expressões do tipo "curtição", "barato", "bicho" e "desbundar".
À época, apologistas do autoritarismo recorrem a uma inconsistente "política de integração", como fundamento para a implementação de vultosos empreendimentos, justificando-os pela alegria necessidade de estabelecer vias de comunicação dentro de regiões isoladas, e delas para os "centros dinâmicos do país". Apelam mesmo à interpretação do Professor de Direito e Sociólogo francês Jacques Lambert sobre a estrutura social dos países latino-americanos; são citados "A América Latina" - uma análise das estruturas sociais e políticas do México, Brasil, Venezuela e Colômbia, entendidos como "quatro países retalhos pelo dualismo social" - e "Os Dois Brasis", com destaque para reprodução, no país, dos contrastes verificados no mundo, encontrando-se aspectos que "lembram os de Los Angeles ou Chicago" e os que fazem recordar os da Índia ou do Egito.
Numa enquête sobre a exploração da mão-de-obra infantil, a UNESCO, indignada, denunciava, em 1973, a surpreendente existência de mais de 40 milhões de menores de 14 anos utilizados como trabalhadores em fábricas, na agricultura, em pequenas indústrias, em oficinas de artesanatos, em hotéis, restaurantes e lojas, ou como vendedores ambulantes. A América Latina com a Ásia, África e o Oriente Médio, é apontada como região onde crianças exploradas como mão-de-obra são às vezes vendidas como domésticas, sob o disfarce de adoção.
E enquanto nos EUA crescia a crítica antimilitarista, satirizada em MASH, por Robert Altman, e denuncia-se o absurdo da guerra do Vietnã, no Brasil a pornochanchada dava o tom de uma cultura enfraquecida e com apoio governamental, sujeitando talentos promissores ao auto-exílio, ao passo que, por denúncia de um ex-comunista, os órgãos de segurança detinham um grupo de velhos militares considerados, então, subversivos. O ato Institucional número 5 já completara quatro anos de idade, e o ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, advertira os americanos contra riscos, ainda que pequenos, de uma política protecionista, proclamando que mesmo países de pequeno significado econômico poderiam atingir setores sensíveis da economia americana.
1973, apontado como o ano de grandes decisões, seria o da sucessão do presidente militar Emílio Garrastazu Médici. Sob o seu governo, instituído após breve período de ministros militares no exercício temporário da presidência, e que se impôs como tarefa " o restabelecimento da democracia", era morto Carlos Marighella, ex-deputado federal e, junto com o Capitão Carlos Lamarca, destacado líder subversivo. A indicação de Médici pelo alto Comando das Forças Armadas para assumir a presidência da República, justamente com o almirante Augusto Rademaker na vice-presidência, anunciara a sua disposição de restaurar a democracia, promover o progresso e a liberdade e reformar as instituições econômicas, sociais e políticas.
À época, instituíra-se o "Fundo para a Namíbia" que, tendo recebido mais de nove milhões de dólares, serviria, em parte, para financiar o Instituto das Nações Unidas para a Namíbia, a ser fundado em Lusaka, em 1976, para formar futuros administradores daquela nação. E, no Brasil, a remuneração do capital (o lucro) das empresas elétricas era considerada maior, em 40%, que a dos Estados Unidos, apontando-se, dentre as dez sociedades que maiores lucros apresentaram em 1970, as Centrais Elétricas de São Paulo, a Light, Furnas e Hidrelétrica do São Francisco; criticava-se a ausência de reinvestimento no setor energético e, em contrapartida, a aplicação dos lucros astronômicos empresas em setores totalmente estranhos, com conseqüente aumento fabuloso no preço da energia para o consumidor.
Bernardo Bertolucci, a exemplo de Pier Paolo Pasolini, embora menos mórbido, preocupava-se com as relações humanas na linguagem cinematográfica, e, pela realização da película famosa, "Último Tango em Paris", de 1972, se tornaria mundialmente conhecido. O brasileiro Nélson Pereira dos Santos, opondo-se à estratégia dos altos financiamentos, procurava e encontrava uma nova linguagem para o cinema nacional através de "Azyllo Muito Louco" ou "O Amuleto de Ogum", não obstante preenchesse o cinema norte-americano a maior parte da programação restante, diante do estrangulamento do mercado brasileiro.
Mais tarde, o já eclético compositor baiano, Caetano Veloso, afirmaria: "Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América Católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?"
Parece que foi ontem o muito que ainda é hoje: no Brasil e no mundo o bem e o mal confundem-se sob o mesmo lema - "Democracia". (Marcus Moreira Machado)
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