Você tem o direito de ir e vir; você tem o direito de permanecer calado; você tem garantida, indistintamente e independentemente de sua cor, de sue credo, de sua consciência, de seu pensamento, e de sua convicção filosófica ou política, a sua liberdade, a sua propriedade, a sua expressão artística, intelectual ou científica.
Das duas uma, ou três: ou você tem direitos demais, porque além de todos aqueles outros ainda se acha no direito de não ter dever algum; ou você nem sabe o que é direito, e por isso segue o seu próprio, ainda que por causa disso outros como você façam o mesmo; ou você não deveria nem ir e nem vir, porque você, ficando sempre num lugar só, é um perigo menor, porque calado você diz menos besteira e, por conseqüência, evita o prejuízo maior de manifestar, sem distinção de qualquer natureza, "filosofias", "políticas" e "credos" tão inconscientes e inconsistentes.
Sendo você uma daquelas pessoas que leu tantas vezes quando pode ou conseguiu o livro do Fernando Moraes, "A Ilha", provavelmente já se tornou a própria, e, do alto da casa "cultura" forjada na atividade intelectual alheia (pelo seu sagrado direito de imitar a tudo e a todos; também este inviolável), é justamente contra a propriedade e a favor da segurança, entendo esta última de maneira peculiarmente privada.
Como para você "asilo" é muito mais um abrigo para os desvalidos e psicopatas, ou contrário de um lugar onde se protege a família, você acaba por discordar da inviolabilidade dos manicômios e dos albergues noturnos, propugnando pela liberdade do livre exercício do direito de resposta ainda não constituído aos loucos genericamente expurgados da sua convicção, da sua honra, da sua intimidade, da sua imagem e semelhança. E, para tanto, quer internações coletivas para assegurar o livre exercício dos cultos religiosos que, por serem assim tão "cultos" quanto você é, deverão professar as suas liturgias no claustro e no anonimato, sempre com o direito de resposta proporcional às entidades civis e militares. Certamente, você dirá que leu Basaglia, confundindo-o com um jurista italiano; e não menos certo, você defenderá que, pelo princípio constitucional da "função do orgasmo", do dissidente de Freud, é livre a criação de associações e conjunções inspiradas em Reich.
Pelo seu direito de herança - que você exercerá até os tribunais de últimas instâncias -, definitivamente qualquer trabalho, ofício ou profissão não estará subordinado às qualificações profissionais, e sim, nos termos da sua lei, à livre locomoção no território nacional dos bóias-frias sujeitos à fiscalização do aproveitamento econômico para resguardar o interesse público de iminente perigo. E, tendo em vista o desenvolvimento tecnológico do país, você acredita que tem o direito de receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, desde que a lei assegure a participação individual em obras coletivas.
Como sua pretensão é atender a função social, você e seus amigos-da-onça poderão reunir-se pacificamente para garantir a utilidade pública, decretando por pequena propriedade rural toda fazenda em que trabalhe a família dos seus colonos, admitindo, então, a pena de morte ou trabalhos forçados, conforme o caso, aos que não sejam condenados em caráter perpétuo à prestação alternativa.
Por remuneração superior do serviço extraordinário, jamais haverá fundo algum inferior a indenização compensatória equivalente à participação na gestão das estatais, como forma de remuneração a pessoas que, como você, visem a melhoria de sua condição social.Você tem até o direito de chamar a Constituição de "Constituinte", porque, quem sabe não tem razão, ela, ainda hoje, não está de todo concluída, fragmentada por um também longo processo revisional visto e revisto de acordo com a oportunidade (ou seria aportunismo?) político; você também tem mais esse "direito" - a de confundir o substantivo feminino com o adjetivo. Ora, escreva a sua própria Constituição. E por que não? Afinal, toda nova Constituição é, de início, inconstitucional, se comparada à sua predecessora.
(Marcus Moreira Machado)
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