O crescimento no número de presos no Brasil é
espantoso. Na última década, houve um aumento de 78% no montante de encarcerados
do país. Nos últimos 24 anos (1990/2013), o crescimento chega a 511%, sendo que
no mesmo período toda a população nacional aumentou apenas 30%.
Se comparado em percentuais ao ano, em 2013, o
índice de natalidade no país foi registrado em 0,9%, conforme dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o acréscimo de
presos, no mesmo ano, chegou a 6%.
Alarmante, a população carcerária tem elevação média anual de
12,55%, consideradas a duas últimas décadas. Este crescimento quantitativo de
presos configura a convencionalmente denominada “crise do sistema carcerário
brasileiro”. Termo genérico, englobando um conjunto de problemas relativos ao
sistema, objeto de diversas análises e denúncias, agravadas as possibilidades
de retorno ao crime por ex-detentos, tornando ainda mais estratégicos o apoio e
implemento de projetos e propostas de educação prisional.
Embora relativamente antiga no Brasil, sendo objeto de
determinação legal ainda nos primórdios da república, a educação prisional tem
sido, recentemente, objeto de maior preocupação. Iniciativas de organismos
federais brasileiros, notadamente das áreas da justiça e da educação, têm
ressaltado a importância estratégica do trabalho pedagógico, desde que criativo
e de qualidade, além de adequado ao universo do sistema penitenciário.
Para a implementação dessas ações, tem-se contado com a
contribuição material e técnica de organismos internacionais, afirmando-se,
desta forma, ser o direito à educação para os indivíduos encarcerados, um
direito humano essencial e não algo certamente desejável, mas imprescindível a
sociedades que, como as latino-americanas, aspiram ser democráticas.
Especificamente quanto ao Brasil, as iniciativas fundamentam-se em
diversas leis que estabelecem o direito de educação para os apenados, ainda que
nem sempre este direito seja efetivamente assegurado.
No âmbito das instituições prisionais, ainda persistem grandes
barreiras ao ensino dos presos, a começar pela falta de espaço adequado às
atividades educacionais, a carência de professores devidamente capacitados e
remunerados, além de agentes penitenciários, nem sempre aptos a um trabalho que
não se restrinja tão somente aos seus aspectos imediatamente repressivos.
Trabalho e educação são categorias presentes em todos os projetos
de reinserção ou ressocialização de apenados. Entretanto, muitos desses
projetos são criticados por se mostrarem inadequados para o atendimento dos
objetivos a que se propõem, sobretudo quando, voltados para a “formação
profissional”, terminam por se restringirem à transmissão de informações sobre
atividades manuais simples, sem maior atenção quanto ao desenvolvimento de
capacidades reflexivas e expressivas dos participantes, limitando-se apenas a
serem cursos de rápida capacitação, desconsiderando características culturais
próprias dos apenados e não atentando para a importância do trabalho pedagógico
sobre elementos de ordem emocional, perceptiva e cognitiva.
Para que algum grau significativo de sucesso possa ser alcançado
em propostas de reinserção social, é necessário que educação e trabalho sejam
percebidos como elementos de uma totalidade integrada, não se estabelecendo
hiatos entre as atividades laborais e as educativas. Estas últimas, em
especial, devem ser compreendidas em todas as suas dimensões e potencialidades,
não as restringindo a formalismos escolásticos, segundo os quais ações
classificadas como culturais e/ou artísticas não seriam considerada
propriamente educacionais.
Assim, as práticas educativas devem contribuir para que os presos
tenham maior compreensão dos processos de trabalho, das transformações
tecnológicas e organizacionais em curso e dos significados e possibilidades que
o seu domínio pode lhes proporcionar.
Não é possível, contudo, desconsiderar as dificuldades de
qualificação da população carcerária brasileira, composta por indivíduos de
baixa escolaridade, quase sempre marcados por históricos pessoais de relações
adversas com a escola (reprovações, conflitos institucionais, abandonos etc.),
as quais dificultaram o desenvolvimento e exercício de competências necessárias
ao sucesso educacional, como, por exemplo, uma melhor capacidade de expressão
oral e escrita. Observe-se ainda que a própria experiência existencial do
aprisionamento, com toda a estigmatização que a acompanha, tende, de modo
geral, a agravar a situação desses indivíduos, ampliando sua fragilidade
psíquica, manifesta sob a forma de instabilidade emocional, baixa auto-estima,
intolerância, agressividade, desmotivação e ausência de perspectivas de futuro,
contribuindo ainda mais negativamente para o bloqueio de competências
empregadas no processo formal de escolarização.
Reverter esta situação de vulnerabilidade social, cultural e
emocional dos detentos, é permitir-lhes recuperar o poder da palavra, de sua
voz, gerando-lhes uma tomada de consciência, que lhes possibilite assumir novos
valores, atitudes, habilidades e competências, como sujeitos de si e não
segundo estereótipos presentes em nossa cultura, que os definem exclusivamente
como seres odiosos, marginais e perigosos, a serem excluídos do viver coletivo.
Portanto, é sempre necessário sublinhar que as atividades
desenvolvidas nos projetos educacionais destinados à população carcerária devem
salientar o valor político fundamental da indissociabilidade entre práticas
educativas e exercício da cidadania.
Em contraposição ao histórico intento institucional de eliminação
da individualidade dos internos projetos educacionais devem ressaltar o
significado estratégico das práticas educacionais para a resistência e
reconfiguração das identidades dos apenados, mediadas por ações criativas que
também lhes possibilitem, mesmo de modo mínimo, a compreensão crítica das
situações vivenciadas ao curso de suas vidas, bem como do presente cenário
institucional em que se encontram, não raro marcado por atos diversos de
violência e autoritarismo, praticados, inclusive, pelos próprios integrantes da
população carcerária, colaborando, deste modo, para a superação de perspectivas
e comportamentos politicamente ingênuos, que concorrem para a perpetuação
do status quo.
Em todos os momentos, as ações educacionais devem apontar e
ressaltar a condição dos apenados, como agentes socialmente determinados e
produtores de suas histórias e trajetórias de vida e, neste sentido, capazes de
construírem meios para não apenas evitarem a, infelizmente nada incomum,
reincidência no crime e no encarceramento, como também assegurar, quando
egressos, a inserção bem sucedida no mercado de trabalho e, especialmente,
empreenderem o exercício político próprio à condição de cidadãos minimamente
autônomos, repensando suas posições no espaço social e de suas relações com
seus grupos primários de origem.
Projetos educacionais devem buscar dotar seus participantes de
instrumentos capazes de empreender o repensar crítico de posturas que,
expressas sob toda a sorte de estereótipos, legitimam mecanismos de dominação
social, perpetuam processos de seletividade e discriminação, obstaculizando a
democratização da sociedade brasileira, na medida em que definem os segmentos
que mais sofrem as incidências das desigualdades sociais como objeto principal
de atos repressivos.
É preciso conceber as ações educacionais não formalmente escolares
como oportunidades privilegiadas de promover a capacidade de “leitura do
mundo”, mediante a contribuição, entre outras, das artes, articulando-as a
outros campos de conhecimento como a filosofia e as ciências humanas. Ao
ressaltar, a força da criatividade manifesta no agir artístico, projetos
educacionais poderão contribuir, com inegável valor de ordem política, para o
desenvolvimento da cognitividade, da percepção critica dos interesses presentes
na cena social e da produção, sob diversos modos, de ações e discursos que
aspirem superar os efeitos de relações sociais que incidiram (e incidem) sobre
a população carcerária.
Deste modo, poderá ser enfatizada a importância (como política
pública) do empreendimento de ações que, levando em conta as particularidades
da população carcerária, tornem a educação prisional, em suas várias formas e
manifestações, um instrumento de construção e consolidação da ainda inconclusa
sociabilidade democrática brasileira, com a reinserção não dos excluídos, mas dos
suprimidos pela oficiosa “pedagogia da omissão”.
(Caos Markus)
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