A memória da Pedagogia Libertária no Brasil foi sempre deficiente de registros e documentos, até para proteger os militantes, num período de intensa repressão. A pedagogia oficial, muitas vezes em função da oposição às ideias anarquistas, deixou no esquecimento esta importante contribuição. Por sua vez, os libertários opunham-se tanto as formas de produção capitalistas como ao comunismo autoritário, contestando a existência do próprio Estado, e propondo a autogestão. A pedagogia libertária neste contexto tinha enorme importância, pois contribuía para a consciência e emancipação da classe trabalhadora.
A construção de uma nova sociedade apoiava-se em grande parte nas ideias de uma educação nova, feita em outras bases e valores, tais como o respeito à liberdade, à individualidade e, sobretudo, à criança.
A pedagogia anarquista denunciava a escola oficial como reprodutora dos interesses da Igreja e do Estado enquanto promovia uma renovação dos métodos e valores.
Em suas concepções, educar é tornar o homem mais capaz possível de aproveitar, do melhor modo, as energias física, mental, moral, prática e social. Educação física é o cultivo da robustez não da força, da saúde, da agilidade. Educação mental é a formação da inteligência, seu desenvolvimento racional e harmônico, erudição, cultura, arte.
O respeito à liberdade nas escolas anarquistas estava configurado nas salas de aulas para ambos os sexos, aberta a todas as classes sociais o ensino racional e integral. Nesta época, isto representava uma contestação à educação do período, baseada em preconceitos, estereótipos e dogmas.
O precursor da pedagogia libertária foi o francês Paul Robin. Entre 1880 e 1894, Robin sistematizou suas teses nos congressos da Associação Internacional dos Trabalhadores. No Orfanato Prévost, situado nos arredores de Paris, Robin iniciou a aplicação de seus princípios de educação integral. Considerava que a educação compreendia a formação intelectual e a construção dos próprios saberes a partir das experiências.
A educação física era nesta metodologia uma proposta que não visava a competição, mas a solidariedade. A educação manual se desdobrava numa politecnia e a educação moral se configurava numa preparação para a vida em liberdade, a partir dos relacionamentos entre professores, funcionários e educandos.
Educação moral é o cultivo da vontade, sua direção na realização do bem estar comum. Educação prática é o treino da habilidade técnica ou vocação profissional. Educação social é o aperfeiçoamento da solidariedade como multiplicador de energias.
Em Barcelona, o professor catalão Ferrer Guardiã criou a Escola Moderna no período compreendido entre 1901 e 1905, desenvolvendo uma metodologia baseada na cooperação e respeito mútuo. Sua escola deveria ser frequentada por crianças de ambos os sexos para desfrutarem de uma relação de igualdade desde cedo.
A concepção burguesa de castigos, repressão, submissão e obediência, deveria ser substituída pela teoria libertária, de formação do novo homem e da nova mulher. Ferrer considerava que o cientificismo não era um saber neutro, denunciando o esforço dos detentores do poder para legitimá-lo através de teses científicas.
Em 1909, Ferrer foi preso e condenado ao fuzilamento pelo governo monárquico espanhol. Posteriormente, com a ascensão do fascismo na Espanha em 1939, as escolas criadas por Ferrer foram fechadas. Com a morte de Ferrer, os anarquistas brasileiros criaram o Comitê pró Escola-Moderna, com o objetivo de incentivar o mesmo modelo de escola em nosso país. A preocupação dos libertários com o analfabetismo no movimento operário era grande.
O jornal O Amigo do Povo declarava: "É necessário que o povo saiba, aprenda [...] Por isso nós queremos ensinar, principiar no presente a construção do futuro [...] Não há liberdade possível onde está a ignorância, onde assenta o fanatismo, onde se crê em fantasmas, onde reside a torpeza."
Em 1895, surge no Rio Grande do Sul, a Escola União Operária. Na cidade de São Paulo foram criadas duas escolas modernas. A primeira, em 1912 para ambos os sexos, organizada pelo Prof. João Penteado e situada na Rua Saldanha Marinho. A segunda, no Brás, na Rua Muller. Ambas as experiências tiveram curta duração pela pressão dos setores conservadores. No Brasil, as escolas de educação libertária além de contestarem a pedagogia tradicional, constituíam-se numa das poucas opções de educação da classe trabalhadora, tendo em vista a omissão do Estado neste aspecto.
A educação de adultos e o ensino profissional eram atendidos também pelas escolas libertárias.
Os Centros de Cultura Social realizavam cursos, palestras aos domingos e à noite, para atender os trabalhadores. Os jornais eram utilizados em sala de aula, servindo para divulgar as idéias libertárias e conhecer as experiências educacionais desta linha em outros países.
Nas oficinas, a imprensa era uma das possibilidades de profissionalização, tendo como objetivo de todo educando, a educação integral.
Os trabalhadores haviam abandonado a escola pela fábrica aos seis ou sete anos de idade, daí o analfabetismo.
Até 1920, pode-se dizer que os libertários fizeram mais pela educação operária e excluídos do que o ensino oficial.
A metodologia destas escolas enfatizava a co-educação dos sexos, a convivência diferentes das classes sociais, a formação moral, e o ensino não dogmático.
Estas experiências educacionais se repetiram em vários estados brasileiros. Os anarquistas preocupavam-se em atingir todos os segmentos etários da infância à educação de adultos, passando pela Universidade Popular de Ensino, organizada de forma temática, para que os alunos, mesmo perdendo algumas palestras, pudessem seguir o curso sem graves prejuízos.
Em São Paulo, as Escolas Modernas foram fechadas pela polícia em 1919, acusadas de propagar perigosa ideologia, num momento em que o movimento libertário sofria extrema repressão do Estado Brasileiro.
O resgate dessas idéias na conjuntura atual torna-se importante não só para preservar a memória libertária, mas também para discutir suas propostas, pois, notório, elas guardam uma impressionante proximidade com os anseios e necessidades da sociedade brasileira contemporânea.
(Caos Markus)
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