Eu penso se toda a nossa vida não passa de um interminável ensaio para um show que nunca vai se realizar. Atores competentes, levamos a sério o ofício de representar a tragicomédia das nossas existências. E mesmo não passando quase sempre de figuração, acreditamos (ou queremos acreditar, seria o mais correto) que as nossas personagens devem merecer destaque, em reconhecimento à pretendida excelência de nossas interpretações. Isso para não falar de tantas vezes em que a pretensão é ainda maior, justificando sermos o dramaturgo, o diretor, o cenógrafo. o coreográfo, o contra-regras, e até, o seleto público da farsa nossa de cada dia.
Restritos num conhecimento que não vai além dos limites do próprio umbigo, não obstante planejemos longas temporadas nesse que é verdadeiro teatro de horror e efeitos especiais - o supostamente complexo, e taxativamente leviano, jogo de seduções a que intitulamos moderna sociedade, somos, apenas, os 'doces bárbaros'; sofisticados, mas bárbaros.
Com muita propriedade e aguçado espírito crítico, não errou Joseph Heller ao definir a hipocrisia numa única expressão: "Ninguém governa, todos representam". Embora comentasse o 'establishment' americano, o autor de "Ardil 22" e "Gold Vale Ouro", reúne algumas citações que valem como mostruário do valor (ou da falta dele) nas relações humanas. Extraído de um conto de Bernard Malamud, o comentário sobre a experiência judaica - "Se você, alguma vez esquecer que é judeu, um cristão logo tratará de lhe lembrar"- traduz o desprezo com que os homens se tratam.
Nesse palco iluminado em que vivemos de 'doirado', o 'script' é o da fantasia fingindo ser realidade, o da realidade pretendendo o surrealismo, o encontro do passado e futuro na impossibilidade do presente. A sonoplastia revela apenas um longínquo som - a voz débil de uma consciência ainda mais. Porque, encenando a mesma peça, "A Sobrevivência e a Seleção das Espécies", há séculos e séculos ritualizamos o espetáculo da vida, condicionando-o a show de variedades atrozes. E matamos, e condenamos ao extermínio pela fome, ostentando em luz neon o cínico título de 'civilizados'...!
(Marcus Moreira Machado)
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