O homem, de tanto acreditar no que era capaz de fazer, muito pouco realmente fez de bom para si mesmo, esquecendo-se de sua necessária integração à natureza que paulatinamente vem buscando transformar. Marcados pela avareza - típico sinal de uma pretensa modernidade - deveríamos ouvir do pretérito o que de melhor ele teve. Assim, nunca é demais a advertência, ainda que simbólica, de um Dante Alighieri, em sua "A Comédia" (mais tarde chamada de "divina"): "Eles se hão de embater na eternidade:/Ressurgindo, uns terão as mãos fechadas, / Os outros de cabelo pouquidade./Por dar mal, por mal ter viram cerradas/Do céu as portas; penam nesta lida,/Com mágoas, que não podem ser contadas".
O progresso não tem sido acompanhado de evolução, antes ele tem somente possibilitado uma suposta maturidade. As divergências de interpretações várias não estão mais subordinadas a um consenso inevitável; como uma necessidade do progresso, o que entre nós se instalou "o domínio sem controle do livre arbítrio". Sendo "as leis relativas á existência humana tão verdadeiras como as regentes de todos os outros aspectos da natureza", o seu desprezo tem acarretado o insuportável ônus de uma espetacular deterioração da sociedade humana.
A teoria do eterno retorno, apregoada pelos nihilistas, não é de toda inaceitável: sem nenhum melhor critério, estamos a voltar à sucessão de episódios que, bem o sabemos, só fizeram difundir a negação da supremacia humana na terra. Essa insustentável leveza do ser já foi comparada à fragilidade da própria história que "é tão leve quanto a vida do indivíduo, insustentávelmente leve, leve como uma pluma, como uma poeira que vai desaparecer amanhã", na observação de Milan Kundera.
A cada novo instante, mais submissos todos estamos, em severa subordinação à nossa surpreendente insignificância diante daquela que ainda hoje nos é de toda incompreensível - a mente humana. Buscando reduzir o assombro, projetamo-nos como deuses onipotentes, onipresentes e oniscientes, não percebendo que "todo querer não é outra coisa que uma procura de compensação, que um esforço visando sufocar o sentimento de inferioridade". E a sombra dessa projeção indica mais nada menos que o nosso reduzido tamanho e a nossa incapacidade para uma reflexão mais séria sobre a existência da humanidade e o seu destino a partir do livre arbítrio e suas nefastas conseqüências.
Definitivamente, não somos felizes. Por que? Talvez, porque não é incorreta a assertiva "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Porém, com uma imprescindível ressalva: não entendemos absolutamente nada de "coração", o que vale dizer - conhecemos o sistema solar, a via-láctea e muito mais, mas absurdamente, o universo interior de cada um de nós é um enigma jamais decifrado.
É de considerar-se oportuna a advertência de Medard Boos: "As pessoas que mais temem a morte são sempre as mesmas que mais têm medo da vida, pois é sempre o viver da vida que desgasta e põe em perigo o estar-aí".
Não vocacionado para a paz, o homem moderno quedou-se ao silêncio da omissão, um desventurado procurando a felicidade no desmesurado do qual fez o seu inviolável refúgio. Inapto para a vida em plenitude, o seu suicídio se opera de forma lenta e gradual, através de um vago mecanismo de defesa consistente na recusa sistemática daquilo que lhe é essencial - o amor, também este no mais amplo sentido a nortear a sua breve passagem por este mundo.
Regredir é a conduta dos temerosos, de tantos quantos renunciam à vida em seu próprio nome.
(Marcus Moreira Machado)
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