Não faz muito tempo, quase que êxtase, ao som magnífico das belíssimas canções Andrew Lloyd Webber, eu exclamava ao meu irmão, músico por sinal: não há outra genialidade comparável à dos músicos...esse poder de contágio, essa gratuidade no convencimento...a linguagem que rompe os limites dos discursos a da retórica política da simples sobrevivência para alçar vôo à infinitude da existência.
É disso que o mundo precisa, eu disse. A vida em plenitude é toda a essência revelada em poesia;aliás Drummond confessara ter procurado nos versos o rítmo que não conseguira na música, por falta de vocação, talvez. E o que é o verso senão cadência , harmonia, em ruptura à inércia do sentimento não experimentado ? Stravinsky compõe, de certa forma, versos em sua exótica melodia “A Sagração da Primavera”, quando, em harmonia constrangedora e com ritmos violentos, retrata pela música meio dissonante um sacrifício humano para celebrar a renovação da Terra. Nele moços e moças dançam, jovens como a primavera, para no fim um deles morrer. Igor Stravinsky tem esse dom, a ambigüidade do poeta que pela música enlouquece, mas também é capaz de erguer o ouvinte aos céus.
Quando Alfonsin assumiu o poder na argentina, eu chorei. Mas não chorei apenas porque me comoveram as lágrimas das “locas da plaza de maio”, as mães do desaparecidos durante o governo militar daquele país. Chorei por que a notícia foi dada ao som de “Dont” cry for me Argentina”, do Webber. Naquele dia eu não era mais brasileiro ou portenho ou latino, somente eu ganhava nova identidade, um cidadão do mundo, com lenço e documento - um passaporte para a viagem do espírito peregrino.
No entanto, por quem os sinos dobram nesse miserável cotidiano de tribos urbanas ? Por que esse lamento, essa lamúria pelo leite derramado ? Afinal numa terra em que se plantando tudo dá, por que deixar a erva daninha vingar dona desse imenso latifúndio ?
Eu até gostaria de ser mais sensível aos males que afligem essa página de sangue do livro em que escreve o história do Brasil, ou melhor, que retratam a triste condição de alienados - na mais pura acepção da palavra - em que se tornou a imensa maioria dos brasileiros; contudo, já não sou mais capaz da lidar com os mesmíssimos problemas de quando,eu ainda eu adolescente, era chamado “um revoltado”.Não é a maturidade propriamente dita, pois que se fosse isso eu seria agora forçado a concluir que, ao contrário de mim, muita gente voltou à puberdade, entendida essa como aquela fase em que todos são revoltados. Ou hoje a grita não é geral ? Ou hoje quarentões ou cincoentões não se queixam de tudo e todos, resumindo um país exclusivamente pelo que ele tem de ruim ?
O masoquismo, esse sim já não me convém; o altruísmo e o estoicismo , esses sim já não fazem mas parte de minha ideologia, se é que ainda tenho uma, se é que mundo necessita verdadeiramente de alguma . Se não canto - por não apropriado - Zé Rodrix , e nem penso mais em carneiros e cabras solenes em meu jardim, definitivamente eu sempre acreditei na mágica força das artes. Não por menos, Cândido Portinari retratara o flagelo das secas nordestinas muito antes da instituição de uma equivocada SUDENE; e na música, o forró, o baião, o maxixe, de um excepcional Gonzagão choraram na sanfona a miséria e o sofrimento do seu povo.
Se é para chorar eu choro ao som sincero e comovente dos músicos e dos artistas, sempre pioneiros em antecipar o sentimento maior da solidariedade, a ela consagrando a sinfonia que merece. (Marcus Moreira Machado)
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