Entre o "nirvana" e o "niilismo", à primeira vista, parece haver diferença fundamental. Contudo, um e outro, em determinados estágios de uma pessoa humana, adquirem conteúdos semelhantes, dada condição que esta última tem de procurar no "vazio" uma resposta para lenir as suas agruras. Pois, da língua clássica indiana - o sânscrito, denominando a beatitude budista operada pela absorção da individualidade extinta no espírito superior período do Universo, e do latim como raiz da doutrina política que postula pela destruição completa das instituições sociais como base para o progresso humano, nirvana e niilismo têm caracterizado o oblívio com que significante parcela (senão mesmo a maioria) de sujeitos se identifica.
O "desligamento", a desvinculação, formas de uma pretensa e vaga “neutralidade”, são mais que isso, são artifícios comumente utilizados para couraçar, evitando-se ouvir a razão e preterindo-se a sensibilidade. Arma poderosa, a "psicologia de massas", trata de condicionar as multidões para o alheamento, fazendo-as crer numa superioridade conquistada apenas do esoterismo alienante e do absenteísmo pusilânime. Liderança políticas e religiosas têm compreendido como imbatível estratégia na conquista e manutenção do poder a disseminação de "filosofias" exóticas a assegurarem um inconformismo desprovido de circunspecção, mais inclinado à volubilidade.
Anular a capacidade de reação, substituindo-a pela sujeição à modelos presunçosamente libertários, modernamente é mais que mera concepção, é antes de tudo instrumento de "condução". Assim é que os excluídos da "felicidade" devem procurar na "auto-ajuda" uma receita para aplacar a angústia, invariavelmente através do método anódinos, de curto alcance. A propaganda, atingindo níveis de superação crescente, cuida de regular a demanda dos necessitados, pela invasão sutil da privacidade, instituindo "linguagens" e "normas" a cada instante, padronizando a individualidade pela sua mais completa neutralização.
A liberdade, assim, não é mais direito, e sim "dever" de "conquista". A deturpação dos conceitos genuínos acarreta, então, o torpor característico do arroubamento do espírito e do desatino mental. Forjado na expugnação da própria alma, o intelecto nada mais engendra, produto que se torna da dissimulação.
O encantamento ou a negação como procedimentos humanos remonta, é certo, aos primórdios da civilização, não obstante existissem exceções sempre prontas a discernir o "ser" essencial. É dessa forma que, pelo testemunho de Platão, na "discussão das Penas" indaga Sócrates aos atenienses: "Que sentença corporal ou pecuniária mereço eu que entendi de não levar uma vida quieta?…não me dediquei àquilo, a que se me dedicasse, haveria de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu que me entreguei à procura de cada um de vós em particular… tentando persuadir cada um de vós a cuidar menos do que é seu que de si próprio para vir a ser quanto melhor e mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo…?"
A filosofia grega, aliás, demonstra sincera preocupação com a vida como criação, construção, opondo-se à destruição. Assim, os platônicos, chamando ao Demiurgo "o Grande Arquiteto do Universo", atribuindo-lhe a criação do homem Deus, encontram no vocábulo grego "architekton" uma singularíssima orientação, uma vez que "arche" significa "substância primordial" e "tekton" quer dizer "construtor". Sendo a "substância primordial" e "tekton" quer dizer "construtor". Sendo a "substância primordial" algo de misterioso e transcendental, cientificamente equivalente ao átomo primitivo do ensaio cosmogônico de Lamaitre - a origem dinâmica de tudo o que existe, "arquiteto" é "almo" por excelência, é "criador", o construtor da substância primordial". A "Idéia" concretizava-se, então, no plano mental, partindo "do campo sutil das ignotas regiões do pensamento abstrato". A ordenação, a utilização, a manipulação da "substância primordial" é a concretização da "Idéia".
O "vazio" e o "nada" não tem lugar na concepção do "ser". Afinal, quer seja pelo Substancialismo Ontológico - fundamentando e explicando a realidade cósmica, servindo de substância permanente e imutável às modificações fenomênicas da natureza -, quer seja pelo Fonomenismo - expressando, contrariamente o incessante devir desse mesmo universo natural-, o "ser" é compreendido como um princípio metafísico. E, se por metafísica devemos entender "o inventário sistemático dos conhecimentos provenientes da razão pura", a "teoria das idéias", abster-se do raciocínio, ou raciocinar pela destruição, é também negar-se enquanto "ser".
Não existirá, sobre maneira, nenhuma concepção de liberdade embasada no pretenso atributo do "não ser" e do "não estar". Não admite-se "neutralidade", quando "liberdade" é comprometimento com a natureza universal, é pertencer, é o engajamento com a vida, pela resolução dos seus problemas moraes e sociais.
A Tragédia do intelectual que não sabe agir, concebida por Shakespeare, em Hamlet, pode dar conta da dualidade no pensamento, porém deve servir como advertência à definição imediato e simplista do "ser essencial". O próprio expoente da literatura e da dramaturgia inglesas - cumpre notar - foi ele mesmo a soma dos seus milhares de personagens, não podendo ser analisado ideologicamente; filosofia e crenças, múltiplas, não encerram nenhuma definição isoladamente, eis porque a identificação se opera individualmente.
Assim como em Shakespeare, "ser" ou não "ser" é pura reflexão, jamais determinação.
(Marcus Moreira Machado)
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