No início dos anos 70, eu ainda era um adolescente; eu nunca fui um "teen". Naquela época, a gente era 'bicho-grilo', quer dizer, uma geração de garotos e garotas encucados, 'grilados' mesmo. O 'grilo' significava um misto de revolta e indignação, fruto da experiência precoce em diferentes áreas do saber, da filosofia à psicologia, do materialismo histórico às excentricidades místicas; e, de resto, a música, muita música, de Chico Buarque a Ravi Shankar, dos Stones e Yes ao regionalismo brasileiro.
Éramos mais felizes? Talvez sim, talvez não. Muitos de nós piraram definitivamente, como se ofertassem sua juventude à causa mais nobre que conheciam -a vida. Rendemos nossas homenagens ao grandioso prazer de viver, em serestas madrugada adentro, embriagados de martini, de lua, de amor, de versos repentistas. Celebramos à Afrodite o culto pueril de ingênuos jovens, sedentos, insaciáveis.
Geração psicodélica, contestávamos o valor do casamento. E casávamos assim mesmo, ou por isso mesmo, mas sem dar o braço a torcer, numa cerimônia 'hippóide', ao som de violão de 12 cordas; as noivas, ainda mais lindas do que tinham conseguido ser a suas avós quando também se casaram; os noivos, ainda mais eufóricos e esperançosos do que tinham sido os seus pais quando trocaram alianças.
Éramos mais felizes? Talvez sim, talvez não. Éramos poetas, todos nós. Pois acreditávamos em tudo, na bomba atômica e no cogumelo, e mais do que tudo, acreditávamos em nós mesmos. As nossas composições não tocavam no rádio, ao contrário, em verdadeiro culto ecumênico, mil flautas doces, bongôs, vozes lindas e românticas entoando cânticos à liberdade, à paz. Pensamos em guerrilhas, fizemos guerrilhas, porque não podíamos suportar o contraste entre tanta beleza e tamanha miséria; porque o "Che", legendário, era meio Zorro, meio Robin Hood, meio Simon Bolívar, e meio brasileiro, com o indeclinável latin lover de que precisávamos.
Nossos filhos (ficávamos pais, ficávamos mães, por questão de ordem) eram nosso brado de tão sonhada emancipação. Todavia, com tristeza, vimos as nossas crianças tornarem-se os filhos do silêncio, num Brasil engolido inteiro no atoleiro da submissão. Com agonia, sofremos lares desfeitos no alcoolismo, nos manicômios, nos suicídios dos 'adolescentes do anos 70' que não puderam resistir ao pânico diante de uma sociedade morta, aviltada naquilo que fôra mais que um ideal, e sim um modo de ser -o amor.
Fomos felizes? Sem dúvida, éramos mais felizes quando não passávamos de adolescentes, quando não éramos apenas "teens". Tínhamos nossos próprios jornais, mimeografados, panfletados nas escolas dos nossos festivais. E... pensávamos! Como pensávamos!! Afinal, por isso éramos 'bicho-grilo'. Às vezes sumíamos com livros da prateleira, porque algum boato corria, espalhando a 'notícia' de que a polícia viria nos buscar. Era isso o que traficávamos: livros! João Cabral de Melo Neto e Karl Marx tinham para nós o mesmo peso, jogavam no mesmo time, no nosso time.
Dizem os educadores, diz a imprensa que os "teens", os adolescentes de hoje, são bárbaros, que são alienados e cruéis. Mas o que todos esperavam colocar no vazio deixado pela dor!? Sinceramente, seria possível uma juventude "bem comportada"?!
O sonho acabou? Acabou! É hora do pesadelo número dois, do "day after" no país da fantasia que nunca acaba, da mentira deslavada que não escondeu o lado mau de cada um de nós. É hora de colher não o trigo, mas o joio. "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer": uma advertência mal compreendida, quem sabe. Porque, de fato, 'aconteceu'. E 'aconteceu' o pior. Nós, os adolescentes dos anos 70, somos agora respeitáveis 'pais de família' insistindo na ladainha: "sempre foi assim, nunca vai mudar". E, esperança morta, tocamos nossas vidinhas , já que da vida -nosso princípio anterior- não mais sabemos o que é isso.
Ouvimos um dia: "cresçam e apareçam". Crescemos e sumimos no anonimato de uma outra juventude, a de um novo milênio, que quando 'aparece' é para ser tratada como causa, quando -sabemos!- não é mais que consequência.
Encucou? Qual é o grilo, bicho(Marcus Moreira Machado)
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