Lamento, feliz, a angústia do meu pranto... Canto!
Eu canto toda a pieguice da dor que inventei. E morro a cada instante, no solo gutural das cordas distorcidas.
Vivo, estou no contraponto da gaita maliciosa. E, subitamente, o frenesi: mais volume nos sentidos, vivos todos.
Eu sou far-west e Mississipi; Nordeste tropical, nesta canção triste. Sam e Jesuíno cavalgam o mesmo jegue no oeste do jequitinhonha sem lei. Carcará faz ninho no algodão do escravo negro.
Fui ouvir cítara na Índia, só para saber do Shankar o que o Harrison ouvia depois de Zubin Metha. Então, voltei para as querelas do Brasil, no fim do túnel do saco sem fundo do mágico coelho da cartola.
André Cristóvam deu uma canja pro gringo blueseiro. E ficou melhor que ele, todo enciumado do tupiniquim ousar e usar guitarra tão bem quanto arco e flecha.
Ouvindo, chorei longos acordes na concha da minha harmônica, tornando-me o que já realmente sou: meio Buda, um faquir, um tanto cristão, dolente. Afoxé, eu sou o africano.
Blues da minha alma, abro-te o meu peito livre de comoção, repleto de tesão. Lá longe, minha amada me pede socorro; ela quer do meu amor eu inteiro. Eu dela só quero que ela me queira.
Gritando, sou Quixote, um pixote do Sancho a salvar princesa que não existe, prisioneira do meu castelo sem teto. São meus os dragões-demônios: sonho e pesadelo, morte e vida severina dos confins do eterno regresso. Assim mesmo, Nietzsche e Padim Ciço.
Canto, canto, canto... Beija-flor cantando as belas palavras de quem nem canta, só quer viver, como prova de que existe. Eu, passarinho cantando, beijo a flor, canto a flor, disparando: amo! amo! amo!
Se a Maria Bonita, mulher e cangaceira, é também a mulher rendeira, por que tábua-de-lavar-roupa (assim, cheinha de hífens) não pode entoar um jazz no wash-board à beira do rio?!
Tudo pode, pode tudo. Tudo é possível quando poder é querer, ainda que não provável o pretender. E se quem canta os seus males espanta, estou deveras espantado com essa melodia maledicente tão frequente nos pueris corais (teimosia, confunde-se um órfão com um orfeão). Pois, que enorme diferença entre um blues no Harllen e uma ladainha no flagelo da ruas metropolitanas da latina América!
Tudo pode, pode tudo!! Por isso o gosto lusitano de enfado modernista mesclado à sanfona separatista... Por isso esse libertango alternado com salsa, arrebentando os corações dos tantos quantos "soy loco por ti, América". Por isso eu, você, nós todos já demos "gracias a la vida" que, entretanto, não mais há dado tanto.
Pode tudo, tudo pode !!! Exclamar, exclamar, exclamar... também pode. Ansiar, ansiar, ansiar... pode também.
Arrebento, infeliz, a cor do meu encanto. Tanto mais quando unido estou pela neoortografia a me fazer um novo ser, genuinamente gramatical. Angola e Guiné Bissau, Madeira e Açores... Ai!Esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal, mesmo que do Porto a próxima escala seja Washington D.C., com destino à naftalina mercosul na guerra da secessão.
Sempre o mocinho, eu faço blues com repente, no fox-trot do mote-trote, galopando o meu marchador puro sangue, porque lavo a égua quando não sei mais onde estou nem aonde vou.
(Caos Markus)
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