A LINGUAGEM EMBLEMÁTICA DO PODER
O comportamento social apresenta uma exigência funcional comum: a troca de informação entre organismos, que permite a regulação recíproca.
Na maioria das espécies, essa permuta se refere a estados motivacionais: para regular o comportamento do outro, o organismo oferece informação do seu estado motivacional, permitindo ao outro prever suas ações (sem nenhuma implicação de consciência), e sobre essa prognose efetuar, então, sua resposta. Esta é a função biológica de qualquer comportamento comunicativo.
Este conceito, e suas implicações no estudo do comportamento social humano, parte de uma reflexão acerca de alguns aspectos do fenômeno 'comportamento social'.
A necessidade de regulação mútua (e daí, a de comunicação) no comportamento social tem sua causa no fato de a co-especificidade não conter um estímulo univalente, porém, ao contrário, dotado de ambiguidade. Há, pois, uma pluralidade de significados potenciais.
Pode ser um companheiro de atividades ou um rival; o parceiro sexual ou um vizinho hostil. Consequentemente, possibilita o despertar de motivações ou emoções contraditórias (medo, raiva agressividade, atração).
Equivale a dizer, a co-especificidade é, frequentemente, fonte de conflito motivacional, ou seja, de presença simultânea de tendências comportamentais incompatíveis ou contraditórias entre si.
Notam-se também 'comportamentos deslocados', isto é, condutas irrelevantes em relação às demais tendências. Funcionam como 'válvulas de escape'. Por efeito, no meio de um embate, o aluno, nervoso na situação de prova, morde a caneta, ou coça a cabeça. A tensão do conflito ainda gera respostas do sistema nervoso autônomo: suor, eriçamento de pelos, enrubescimento ou palidez decorrente de mudanças na circulação periférica.
Por sua condição de expressões de estados emocionais (motivacionais) conflitantes, esses comportamentos ofereceram ao processo de evolução 'matéria-prima' à criação de 'sinais', ou procedimentos com valor comunicativo.
No caso de muitos outros sinais, as ocorrências se dão na filogênese (termo utilizado para hipóteses de relações evolutivas de um grupo de organismos, ou seja, determinantes das relações ancestrais da espécie).
Esta é a direta referência ao conceito de ritualização.
A palavra 'ritualização' foi, evidentemente, emprestada da ideia de 'rito', conceito sugerido pelo caráter cerimonial, rígido ou estereotipado, observado nas sequências de comportamentos apresentadas por 'animais sociais' em situações, dentre outras, de cortejamento, e de confronto agonizante.
'Ritualização' está correlacionada ao processo pelo qual certas condutas se modificaram, no decorrer das relações evolutivas da espécie, no sentido de adquirirem valor de 'sinal' ou valor comunicativo, tornando-se 'comportamentos ritualizados'.
O gesto ritualizado adquire uma característica estereotipada, simplificada, uma forma e intensidade típicas, resultando na acentuação de suas propriedades comunicativas e redução de ambiguidade.
Ao mesmo tempo, ao se emancipar dos fatores motivacionais de sua origem, o gesto tende a se ocultar na história de sua construção; deixa de ser reflexo daquela razão, e passa a representá-la. Nesse sentido, pode-se dizer: o comportamento ritualizado é uma forma de representação, um precursor do símbolo na natureza.
Na diliuição do conteúdo ritualístico pela linguagem emblemática da simbologia, a espécie humana, perdendo gradualmente o relacionamento firmado na dualidade, cria mecanismos de ações unilaterais.
Alcançado esse estágio, nasce e consolida-se a exclusividade, o prevalecimento de uma só força. A comunicação dessa força opera-se então pelo reaparecimento de uma certa característica no organismo, nos indivíduos, depois de várias gerações de ausência. Ou seja, manifesta-se através de um atavismo. Neste resgate de atitudes ancestrais, latentes durante longo período, é estabelecida a linguagem do Poder, o monólogo da espécie humana.
(Caos Markus)
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