É muito fácil chorar. É muito mais convincente chorar. É muito mais crível ser mocinho. Todo mundo acredita, porque precisa acreditar, e porque não pode crer em Hobbes, e porque crer em Hobbes seria 'suicídio são'. A insanidade deverá ser, assim, afastada como primeira hipótese, já que não haverá outra alternativa para tanto medo de si mesmo, para tanta covardia.
Quanto dó do mal que nós mesmos ajudamos a praticar! Co-réus beneficiados pelo álibi da dissimulação, projetamos essa angústia nos personagens que criamos para o nosso bem, porque admitir a crueldade seria dose letal de verdade. E como dói essa verdade mais que qualquer outra que possamos inventar como pretexto para atribuirmos a um outro mundo, de outros personagens maus, a nossa mais íntima maldade! Por, isso, condenamos: terrível seria a auto/condenação.
Todo dia é dia de projetos inacabados, preocupados e preocupantes; a cada dia um novo dia diz que amanhã é daqui a pouco, e que será tudo mais diferente e melhor para quem no presente e no passado jamais pode vislumbrar um novo tempo. E, assim, ninguém diz "não chores por mim…", e todos choram ainda mais um pouco por si mesmos e pelos meninos de rua que não são e nem poderiam ser, mas que gostam de imaginar que poderão ajudar, apenas pelo lamento muito mais conivente do que convincente.
Carpideiras! Não mais que isso é o que realmente somos. Pagos para freqüentar funerais e fingir solidariedade. Em nome de Cristo, em nome de Sidhartha em nome do inominável. E, principalmente, em nome dos bons costumes, acostumados que estamos a uma bondade incerta e não sabida, porém proclamada como participativa para esconder o quão lucrativa é.
Eu morro de dó dos infelizes e daqueles que não têm dó, ainda que eu morra de dó de mim mesmo pela imensa inveja que eu tenho daqueles outros que, negros, judeus, muçulmanos, amarelos, universalistas, quadrangulares, ateus, democráticos, ditadores, servos ou senhores, unidos por uma só crença, vivem e se matam, matam uns aos outros e continuam vivos na eternidade da comum ignorância, a firmar como fé inabalável a devoção primeira e última ao Narciso de cada um. Ou não é essa inesgotável admiração pela criatura que faz de nós criadores mesquinhos e burros?!
Se eu não ler mais nada, se eu não falar mais nada, seu eu não mais sair de casa e fingir para mim mesmo que eu nunca existi... Ainda assim, terei ou deixarei que tenham a vida mais triste do que ela é?
Certamente, alguém, além de mim mesmo, irá me despertar para a espetacular comoção da vida, exigente de paz e de amor, conseqüente e responsável. Como se fosse possível e necessário conciliar tudo o que irreparavelmente existe para marcar a raça humana de tantas diferenças!
No olho mágico do meu caleidoscópio, todas as cores de todos os matizes vão e vêm a cada instante, a cada segundo convivendo em harmonia por uma brevidade inimaginável, e causando a impressão de felicidade duradoura. Eis que, dessa forma, sou, definitivamente, um crente: creio no que eu invento e modifico sempre que quiser. Mas, ao contrário, desligo no controle remoto as cenas repetidas e retransmitidas para fazer de cada um de nós um indignado de plantão e um resignado contagiado pelo próximo capítulo da mini-séries dirigidas para dirigirem e digerirem.
Mórbidos, apreciamos nas tragédias a ruptura com a perfeição, inclinados que somos à destruição, vocacionados que estamos para ajudar o próximo naquilo que não amamos em nós mesmos.
"O relógio quebrou… e o ponteiro parou… em cima da meia-noite vem o meio-dia… e eu fico olhando o rato saindo do buraco do meu quarto…" Nada pior como um dia igual após o outro, na sucessão de dias antecipados pelo olho eletrônico da cumplicidade. E o mundo nem acabando e nem começando, somente fingindo ser o que jamais pretendeu, a si mesmo imitando, como demonstração piegas de que acima de tudo vale a pena a vida mais triste do que ela é.
(Marcus Moreira Machado)
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