Um aluno do curso de suplência, já casado e pai de dois filhos, bastante questionador, pretendeu confrontar a suas idéias e os seus argumentos com os do seu professor, eu, no caso.
Eu sempre entendera que se alguém estivesse deveras comprometido com a Educação somente poderia autodenominar-se professor se de fato professasse algo. O contrário disso, aquela condição em que o indivíduo é meramente uma extensão do quadro-negro, aonde ele deposita um conhecimento alheio retirado dos compêndios, não mereceria, jamais igual designação. O título, então estaria restrito a tantos quantos pudessem e quisessem enxergar na figura do professor uma similaridade com a de um ourives: assim como este último, e lapidar a pedra que por si só já é fundamental, reunidos todos os atributos da excepcionalidade, destacando-se pela potência, também aquele outro - o professor - deveria identificar, reconhecer as potencialidades inerentes a cada aluno individualmente, estimulando, apenas, o seu aprimoramento convicto de que a pessoa humana readquire essa humanidade que a faz tão singular através do desenvolvimento da sua virtualidade. E, nesse sentido, não se trataria de propugnar por teorias rousseaunianas, quer dizer que “o homem nasce bom, a sociedade o perverte”. Não seria e não será a hipótese da discussão sobre as origens da índole. No entanto, por demais confessável, é, sempre, a investigação das causas e dos fatores determinantes da estirpe de um povo. E, inquestionável, a cepa se forja pela Educação, e essa, em consonância com a raiz latina do vocábulo, não é outra coisa se não “conduzir”, compreendendo-se, pois, a maior ou menor maturidade de uma nação a partir dos propósitos que a conduzem.
Pois bem, àquela época eu já era crente nessa acepção, quase mesmo um devoto, buscando difundir entre os meus alunos a importância, a grandeza de uma sociedade sustentada no conhecimento ilimitado, no saber humilde na reflexão constante e no questionamento como verdadeira propulsãodo progresso humano. Tratava-se de nunca permitir o desaparecimento daquela que eu, particularmente, venerava e chamava a “idade do por que”, isto é, a fase em que a criança de tudo quer saber, não se contenta com meia-resposta, e aprimora seu poder de indagar, esmiuçando com que a dissecar em infinita multiplicidade a secções de um ordenamento aparentemente rígido, inflexível , imutável.
Em assim sendo, dei ouvidos ao dito aluno que me perguntava: professor, você é a favor da pena de morte?
Diante da minha resposta desfavorável à pena de morte, o aluno quase que indignado redarguia aquilo que imaginava ser contra senso da minha parte: como eu poderia pensar dessa maneira, logo eu que aparentava ter uma mente aberta, não condicionada pela moral de uma sociedade “massacrante e hipócrita”.
Lembro-me de que respondi, inicialmente devolvendo-lhe eu também uma pergunta: e você, meu caro é contra ou a favor do aborto?
E ele me respondeu: “mas, é lógico que sou contra o aborto! Ninguém pode tirar a vida de ninguém!”
Como o aluno não se desse conta de sua própria resposta, eu pude acrescentar: “Mas se você é a favor da pena de morte e contra o aborto, como é que fica? Quer dizer que você deixará uma criança nascer, crescer, e depois, se essa criança se tornar um delinqüente, você decretará a pena de morte para ela? De quem é o contra senso?! Meu ou seu?!! Então, por que você não “mata” essa criança de uma vez, impedindo-a de nascer, pelo aborto?
Ele, o aluno, meio confuso, não se deu por vencido, o que achei ótimo. E me lançou de supetão uma nova pergunta, dessa vez um tanto acusativa: “quer dizer então que você é a favor do aborto?”
No que eu respondi: “Quando eu lhe disse que era contra a pena de morte você não me denunciara por uma resposta que não sabia de antemão qual seria. Agora, de fato, você pretende ter como resposta juntamente aquela que lhe seja favorável a não precisar reconhecer a sua incoerência pela fragilidade dos seus argumentos. Se eu lhe responder que sou favorável ou contrário ao aborto, tanto faz tanto fez, que você não quer é admitir que nunca tinha verdadeiramente refletido sobre temas tão controvertidos, aceitando pelo mesmo condicionamento social recriminado, o preconceito a respeito da suposta validade da pena de morte.
Naquela noite, eu fiquei sem meu precioso cafezinho do intervalo. Eu e o meu aluno continuamos a aula de história no pátio do Colégio, perguntando, perplexos os dois, o que era história?
(Marcus Moreira Machado)
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