Em 1973, quando eu mal completara 18 anos e nem exisitia Estatuto da Criança e do Adolescente, iniciei o curso de Arquitetura e Urbanismo. À época, eu frequentava um universo de muitos mitos. Gropius, em sua Bauhaus; Mies Vander Rohe; Le Corbusier e a sede do Ministério da Educação; o urbanismo inovador de Lúcio Costa; as formas arrojadas de Niemeyer.
Por que Arquitetura? perguntavam-me. Eu não dava respostas, mas, sim, inventava desculpas. A melhor delas era dizer que "arquiteto é o artista que deu certo" (o que não era de tudo uma mentira). Afinal, eu convivera até então com a música, as artes plásticas, ensaiando ser um artista-retratista de minha geração, inovando outras eras, coisas do gênero. Mas alguém se encarregara de me classificar como intelectual burguês, filho de classe média. E como tal, não deveria arriscar-me no incerto caminho artístico; o melhor, diziam, seria eu escolher 'uma profissão'.
Eu mal completar 18 anos e nem Estatuto da Criança e do Adolescente existia. Não sabia ao certo o que poderia ser constrangimento. Tudo não passava de conselhos bem intencionados, de quem 'só queria o meu bem'. Com efeito, não restava outra saída. Eu teria mesmo que compatibilizar o rock latino de Carlos Santana, no meu bongô e na tumbadora, com a manutenção daquele 'status' classe média. E lá estava o garotão, flauta doce na mochila e régua T na prancheta, procurando "dar certo" na vida. Comigo, batalhões quase que infanto-juvenis incursionavam (muito mais do que 'cursavam') por um "happning" de ex-futuros modelos fotográficos e seus companheiros fotógrafos, ex-futuros músicos famosos e contestadores, compondo canções inéditas para o LP que jamais seria gravado. Nas salas de aula, 'perspectivas', 'pontos de fuga', arte rupestre, Brasília, 'a mais nova maravilha do mundo'; e professores presunçosos, pensando que a banda só tocava para eles.
Em casa, eu lia na notícias de "subversivos" que sequestravam embaixadores; capitão do Exército que caía na clandestinidade... Eu com a minha régua T, eles com os seus fuzis "roubados" da Companhia.
Nesse tempo, fui recrutado pelo Tiro de Guerra. O sargento nos ensinava contra-guerrilha; e eu acabava aprendendo o outro lado -a guerrilha, propriamente dita.
Na faculdade, móbiles, paisagismo, 'art-nouveau', o desfavelamento da 'Catacumba' carioca, na 'moderna' concepção de Sociologia Urbana. Muito nanquin, giz pastel... Um mundo lindo, maravilhoso dentro do meu "Brasil brasileiro, terra boa e gostosa, um Brasil pra mim, terra de Nosso Senhor, onde eu amarro a minha rede nas noites claras de luar, de fontes murmurantes, onde eu mato a minha sede".
Eu então já não me entendia nem como artista nem, muito menos, como um estudante de Arquitetura. Antes, aturdido, pensava em minha condição de 'produto artístico' num cenário disparatado, meio gótico, um tanto rococó ou -absurdamente!- neo-colonial.
Não deu outra, parei, larguei a faculdade.
Terminei a 'instrução' do Tiro de Guerra (se realmente me instruí, ainda hoje não sei). Tudo muito traumático, broncas mil, candidato a vagabundo, distante da maturidade esperada num garoto de mal completados 18 anos.
Nem soldado nem arquiteto. Nem músico nem artista. Apenas mais um adolescente que não queria virar 'gente séria', cansado de ser 'precoce' num país retardatário e irresponsável, que teimava (foi lá que começou) em fazer pose de país adulto.
Enfim, eu não dei certo. Porque o errado sempre esteve mais perto e, inegavelmente, foi e ainda é mais fascinante.(Marcus Moreira Machado)
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