A transformação de uma satisfação imediata para outra, adiada (sob o pressuposto da segurança); se por um lado implica em restrição do prazer; por outro, significa uma repressão sendo construída, transformando a atividade lúdica no esforço do trabalho. A receptividade substituída pela produtividade é a confirmação não só da reelaboração dos instintos. Demonstra ainda um panorama de mudanças precípuas, numa estreita relação com a estrutura organizacional da sociedade fundamentada no trabalho. A restrição do prazer e da atividade lúdica levam a um direcionamento da energia (antes despendida naquele âmbito) ao trabalho, canalizada, posteriormente, à produtividade.
O conceito de trabalho, tanto quanto a ideia de produtividade nele gerada, são suportes da reelaboração dos instintos que adiam a satisfação imediata, em função da segurança de uma satisfação menor, mas garantida. Além disso, as necessidades são desenvolvidas na sociedade em detrimento de uma possível vontade individual, significando, com efeito, que os indivíduos internalizam necessidades assemelhadas às individuais, porém, de fato, socialmente engendradas. Considerando o trabalho enquanto fruto da energia liberada com a restrição do prazer e das atividades lúdicas, ele é de ser visto como um esforço penoso, alienado e sem gratificação, contudo, necessário à sobrevivência.
Por meio do trabalho, a sociedade se desenvolve e garante a existência de seus componentes. Através dele, essa sociedade racionalizada exerce sua forma de dominação, reproduzindo as condições repressivas de maneira ampliada. Por isso, a possibilidade de uma sociedade não repressiva está condicioinada à implementação de um novo referencial de trabalho.
A sociedade racionalizada é a vitória da 'realidade' enquanto 'princípio', primado específico que governou as origens e a evolução da civilização humana. Este fundamento calcado na realidade é identificado como a base do 'desempenho': sob seu domínio, a sociedade é estratificada de acordo com os desempenhos econômicos concorrentes dos seus membros; uma sociedade aquisitiva e antagônica no processo de constante expansão, a pressupor um longo desenvolvimento, durante o qual a dominação foi ascendentemente racionalizada. Este controle sobre o trabalho social já então reproduz a sociedade numa escala ampliada e sob condições repressivas.
Durante uma considerável parte dessa evolução, os interesses de dominação e os interesses do todo coincidem: a utilização lucrativa do sistema produtivo satisfaz às necessidades e faculdades dos indivíduos. Para a esmagadora maioria da população, a extensão e o modo de satisfação são determinados pelo seu próprio trabalho; mas é um trabalho para uma engrenagem que não controla, que funciona como um poder independente a que os indivíduos têm de submeter-se, a menos que não queiram viver. E torna-se tanto mais estranho quanto mais especializada se torna a divisão do trabalho.
Os homens não vivem sua própria vida, mas desempenham apenas funções pré-estabelecidas. Enquanto trabalham, não satisfazem suas próprias necessidades e faculdades, mas trabalham em alienação, O trabalho, agora, tornou-se geral, assim como as restrições impostas à libido: o tempo de trabalho, que ocupa a maior parte do tempo de vida de um indivíduo, é um tempo penoso, visto que o trabalho alienado significa ausência de gratificação, negação do princípio de prazer.
A libido é desviada para desempenhos socialmente úteis, em que o indivíduo trabalha para si mesmo somente na medida em que trabalha para o sistema, empenhado em atividades que, na grande maioria dos casos, não coincidem com suas próprias faculdades e desejos. Acrescente-se a este raciocínio o fato de que os indivíduos podem nem saber quais são de fato os seus desejos e suas próprias faculdades. Resta claro, esta é análise que se faz na predominância exercida pelo sistema capitalista. Um ponto de partida para reflexões.
(Caos Markus)
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