Profundo conhecedor de obras clássicas, Kierkegaard recebeu influência das belas-artes, da filosofia clássica e moderna e da teologia, dentre outras fontes . Pode-se perceber na obra de Kierkegaard um pensamento reflexivo bastante abrangente, fruto dessa multiplicidade de experiências, resultando na confrontação de idéias e fatos, à luz do cristianism (para ele, uma consciência moderna).
Seu pensamento baseia-se em sua cultura incomum e nos complexos sentimentais profundos. Através de si e de seus problemas quer encontrar uma explicação para a sua existência. Mas não bastava para Kierkegaard analisar o conteúdo da consciência para aí se encontrar uma filosofia da existência. Tem-se, também, que ter idéias. E entre as idéias, imprescinde se estabelecer uma dialética. E é através desta dialética que ele percebe os estágios da existência: o estético, o moral e o religioso.
Para Kierkegaard o estágio estético era o básico na realidade humana. Os valores estéticos eram originários do romantismo e influenciavam muitos de seus contemporâneos. A caracterização desse estágio, ao contrário do que pode parecer em um primeiro momento, é de difícil distinção, pois que marcado pela 'diversidade'. Ao citar alguns personagens das obras filosóficas e clássicas como estéticos, Kierkegaard demonstra esta 'diversidade', pois eles podem estar presentes desde as crianças audaciosas das fábulas, até os sedutores insaciáveis, como o clássico Dom Juan. Será comum, entretanto, no caráter dos estéticos o 'desejo'. Esse 'desejo' poderia passar pela satisfação sentimental e material, mas, em última instância, pelo desejo erótico.
Kierkegaard irá desenvolver o estágio estético com autoridade da experiência. Pois no período que sucede a morte de seu pai ele se entregou a esta forma de vida, contrariando de certo modo, seu estilo de vida. Entretanto, a partir do momento que sente em seu coração a desesperança de uma vida feliz através da estética, tornar-se-á um forte opositor de tal princípio de vida. Então, algumas de suas obras irão opor-se ao estágio estético, como se vê em "O Banquete", por exemplo.
O tipo de vida estético não proporciona realização àquele que lhe dedica a vida.
Kierkegaard percebeu que nesse estágio de vida os objetivos não são claros e se perdem por não haver satisfação. É então que se pode perguntar: Quem é feliz realmente? Dos que buscam o prazer, o mais feliz não será aquele que não experimentou felicidade alguma?
Ao contrário da dificuldade na definição do estágio estético, o estágio ético ou moral é de fácil definição. Isto porque, em princípio, o estágio ético é marcado essencialmente por uma vida coerente, governada por normas morais. Contudo, diferente do estético, nesse estágio não são encontrados (na Literatura) muitos personagens. Em resposta a este vazio, Kierkegaard oferece o original 'Wielhem' em "A Alternativa". O herói do estágio ético será “o herói da vida conjugal”. Wielhem defende na obra a sua própria causa: o casamento feliz.
Misturando, na tese de Wielhem, a teoria do amor romântico com a teoria de um acordo econômico e social, Kierkegaard dá forma ao amor cristão, um dom generoso entre duas pessoas que reconheceram em Deus o responsável por essa união. A tese de Wielhem se confunde com um discurso de exaltação ao amor. O casamento será, então, um meio pelo qual duas pessoas fazem uma opção tendo Deus como testemunha; e são introduzidos na realidade da vida. E é aqui que se evidencia conscientemente a vida ética. Terá o homem que empenhar toda força para manter a vida conjugal.
A partir desta consciência de vida ética, começa a aparecer no pensamento de Kierkegaard sua traumática experiência amorosa e a dificuldade em entender e relacionar-se com o sexo feminino. Para ele, a manutenção da vida conjugal, característica essencial da ética, será dificultada ao homem pela presença feminina, que, para o filósofo, tem enorme dificuldade de se situar em uma relação definida. Kierkegaard vai mais longe: para ele a mulher situa-se naturalmente no estágio estético, onde, aliás, ela é objeto de desejo em última instância. A plena revelação da mulher só será possível no estágio religioso.
O casamento torna-se então um grande risco necessário para a vida ética, por ser a única forma de se atingir tal estágio de vida. Porém, a derrocada do casamento tráz consigo a queda de toda a moralidade. O homem então deve entender que o heroísmo moral da vida cotidiana será a única forma de desviar a fragilidade feminina dos caminhos de oscilação e perigo que poderão induzi-la à sua natureza estética, e dessa maneira comprometer a relação conjugal. Assim sendo, no pensamento de Kierkegaard, só o heroísmo (aliado à ajuda divina) pode salvar a vida conjugal e, consequentemente, a forma de vida moral.
Para Kierkegaard, todavia, segundo a tese de Wielhem, o casamento não pode ser a única solução. Sendo assim, pode existir a solução excepcional, pois aquele que renuncia à vida conjugal para responder a uma vocação religiosa, atinge um estágio de existência superior a de um marido mais perfeito. Entra-se então nos domínios do estágio religioso. A religião sempre foi para este filósofo uma fonte de inspiração e um espaço de reflexão e existência. Desde a infância é conduzido pela família na prática religiosa. Mais tarde, parte para a especulação religiosa ao se iniciar em um curso de teologia, visando à carreira eclesiástica. A religiosidade pessoal do filósofo é composta por duas realidades: por um lado, o cristianismo com seus dogmas e seus paradoxos; por outro lado, a tensão psicológica com que ele e sua família recebem esses dogmas e paradoxos do cristianismo em meio aos problemas existenciais profundos e traumáticos (angústia, medo e tremor) no ambiente familiar.
A influência da religião em sua vida "Tremor e Temor" torna-se um bom exemplo para a introdução ao mundo religioso de Kierkegaard. A obra é escrita em momento de algum otimismo do autor. Seu objetivo é mostrar -através do sacrifício de Abraão- que o estágio ético não é absoluto, pelo contrário, fica até ofuscado diante de exigências superiores do estágio religioso.
O filósofo, então, argumenta que Abraão não hesitou em sacrificar Isaac e que este desprendimento foi exatamente o motivo pelo qual seu filho veio a ser restituído. Será que semelhante renúncia feita por Kierkegaard em relação à noiva, no passado, pudesse a trazer de volta? A resposta a este questionamento só seria possível se Kierkegaard se elevasse ao plano da fé como o fez Abraão. Assim, nota-se que o estágio religioso é marcado pelo subjetivismo.
Como apelo à subjetividade profunda, esse estágio pratica uma devoção ao Deus que não aparece e comunica-se através do silêncio que provém desta relação. Isso indica que os dois primeiros estágios são mais populares do que o terceiro.
Kierkegaard entendia que os estágios estéticos e éticos não podiam existir sem o estágio religioso. Em outras palavras, o religioso estava presente tanto no estético quanto no ético. O religioso é um estágio consequente, pois é a partir da desordem dos estágios inferiores que se tem a possibilidade de encontrar a realidade superior da vida religiosa.
(Marcus Moreira Machado)
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