Para melhor compreensão desse que, notável feito, alcança hoje função mais ampla, não mais restrito a mero indicador de valores, tendo adquirido mesmo qualidade de mercadorias, de um valor comercial internacionalmente reconhecido e, por isso mesmo, sujeito também às mudanças cambiais e as variações nas leis da oferta e procura; contribuindo com o esclarecimento sobre o originário atributo desse que atualmente já não é mais um simples meio auxiliar no intercâmbio comercial - o dinheiro; cumpre observar Aristóteles, resumindo para a sua época a idéia a respeito de moeda: "Tudo que é trocado deve ser comparável. O dinheiro serve a tal finalidade, tendo se tornado verdadeiro mediador. O dinheiro avalia e compara se e como um objeto é superior a outro valor".
Da mesma maneira pela adoção da Escolástica - uma filosofia fundamentada em Aristóteles -, a Igreja Católica entende que do dinheiro não pode surgir a criação de uma utilidade, combatendo duramente tanto a usura quanto o comércio, no que reabilitou o trabalho não mais como mercadoria e sim como dignidade. Como que a refletir preocupação com as conseqüências de um desequilíbrio, a instituição parece concordar com a descrição de Lísias, fabricante de armas e advogado, por volta de 100 e a.C., em Atenas, expressando-se sobre os grande comerciantes de então: "Apenas pelo nascimento são habitantes de nosso Estado. Segundo sua concepção, todo país que lhes confere vantagens é a sua pátria, por que consideram pátria não o lugar onde nasceram, mas onde conseguem aumentar as suas posses".
Já contrariamente a Aristótoles, defensor da propriedade privada e para quem o "valor" é uma "relação", não havendo valor intrínseco, sendo este então a utilidade atribuída individualmente a uma determinada coisa, originando-se da necessidade do comprador, outro sábio, Platão, condena com veemência a individualidade sob esse aspecto, pregando a excelência da propriedade coletiva; afigura-se, por esse prisma, aos modernos socialistas, devendo ser considerado precursor de tal doutrina, quando combate, ainda, o próprio comércio.
Na defesa do primeiro acode a sua seguidora, a Igreja Católica, entendendo a propriedade privada como a base da sociedade, um estado de civilização e de progresso mais avançado do que a coletiva. E, para tanto argumenta: em virtude do trabalho do homem surge a propriedade, naturalmente privada, como o seu resultado mais imediato. No entanto, recomenda não dever essa ser usada contra o interesse público, primando o social sobre o privado.
Curiosamente, no ano de 486 a.C., os plebeus, que tinham em Mercúrio o deus do comércio, liderados em Roma por Spurios Cassio, um representante bastante popular, promoveram a Lei Agrária, tudo no intuito de assegurarem para si o domínio sobre a terra pública, como espetacular fonte do comércio. Mas, a sua lei jamais entrou em vigor, considerando a condenação e morte de Cássio pela realeza, sentindo-se visada.
É de se notar que com o aparecimento do dinheiro e o seu desdobramento mais próximo - a propriedade privada - o homem esteve motivado a produzir sempre mais do que o estritamento necessário para seu próprio consumo, substituindo, trocando a sobra, o excedente por poder e garantia de poder no futuro. Que tal situação modificasse constantemente as suas relações, consagrando ou privilégios, ou desvantagens com o surgimento de classe sociais, isso seria inevitável, ainda que instituições de grande poder, como é o caso da Igreja, proclamassem a necessidade de disciplina para evitar desarmonia entre ricos e pobres.
Assim, a expressão "proletário", contemporaneamente utilizada para designação totalmente diversa da sua verdadeira origem, significou no passado, por volta de 264 a.C., em Roma, quando conhecida por "proletarii", a divisão de eleitores perfeitamente qualificados como cidadãos, e cuja propriedade individual fosse inferior a 10.000 "asses" de cobre.
Agora, já no século XXI, decorridas muitas etapas do desenvolvimento econômico da civilização humana, obviamente, não há que se admitir qualquer ingenuidade imaginável no trato do dinheiro como mercadoria que é, independente da sua função primordial, quando então não passava de veículo intermediário das necessidades de sobrevivência do homem na terra.
Avaliar hoje todo e qualquer projeto norteado exclusivamente nos aspectos econômicos, pela propriedade privada ou coletiva, desprezando-se a destinação social do dinheiro e não considerando outras culturais necessidades do ser humano, será flagrante desatenção aos erros do passado e descaso para com efetivas exigências da vida moderna, voltada para o homem em sua integridade, e não reduzida exclusivamente às frágeis garantias de felicidade pela estabilização financeira de um país.
(Marcus Moreira Machado)
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