"O povo não se sujeita à tirania, não a padece: antes a ela se acomoda e a ama. Não sente o peso do jugo. Não deseja entrar em comunhão com outras nações. Não compreende mesmo que a situação política e econômica que se lhe preparou seja anormal; nem aspira outra. Quais serão, pois, as causas deste entorpecimento de todo um povo?"
O comentário acima, denotando perplexidade pela indagação última, atribui-se a um autor nos tempos de Francisco Solano Lopes, o orgulhoso e autoritário Chefe de Estado paraguaio, nascido em Assunção. E não sem motivo toda História mais recente trata o Paraguai como caso excepcional na América, não se sabendo mesmo da existência em toda história do mundo de um símile perfeito, considerando que na própria história do continente americano o Paraguai sempre esteve isolado e singular.
Lopes, uma personalidade desconcertante, bem ilustra o ambiente de um país conscrito na tirania, sofrendo resignadamente. Sustentando por cinco anos a guerra desencadeada pela defesa dos interesses paraguaios defendidos por seu pai, Carlos Antonio Lopes, o estadista plenipotenciário, convencido, de haver uma conspiração, encabeçada por seus parentes, para depô-lo e pactuar com o inimigo, fez julgar os suspeitos pelos tribunais de sangue; assim, sucumbiram dois dos seus irmãos, sendo que a própria mãe, embora tendo a vida poupada, foi seviciada pelos juizes do conselho de guerra.
Essa falta de consciência da própria personalidade, de que ainda é vítima os paraguaios originários dos guaranis, se comparada com a carência de estímulos, pela morte do ânimo, tão freqüente ainda hoje entre nós latino-americanos, não é de toda particularíssima. Assim como o regime instituído pelos jesuítas catequistas para arrancar a população indígena à barbárie reduziu a consciência da própria personalidade dos nativos, tornando-os irresponsáveis que se julgavam felizes, também não é raro, na atualidade, deparamos no continente americano, notadamente no Brasil, novos "selvagens incomparavelmente "mais felizes" sob o jugo de uma nova "catequese" do que sob tirania violenta mais explícita e até do que na liberdade do seu próprio meio.
Seria mesmo lícito admitir o pressuposto da igualdade absoluta e da comunidade de bens, quando parece estar a espécie humana dividida em duas criaturas - aquelas feitas para dirigir e as outras para obedecer? O que já foi denominado "servidão deliciosa" não seria, ainda, um mau hábito entre muitos de nós, acostumados à tutela?
Se assim é, se assim for, a cautela já não é tardia. Hoje vivemos mal sob um "assistencialismo" reducionista, e não damos conta de que um dia, ausente a tutela dos assistencialistas, miseráveis que somos, entregaremos nossos pescoços - e sem protesto algum! - a tiranos mais modernos. Outros "caudilhos" têm assumido a tarefa de preparação estratégica da submissão fatal; em nome de uma hipotética e desarrazoada "fraternidade" sindicalistas e homens públicos dividem agora o terreno da demagogia, uns e outros procurando o mesmo: "homogeneizar" o seu rebanho, condenado ao expurgo os que relutam à "pacificação" pretendida.
Varnhagen, o reconhecimento historiador, sobre a incorporação dos aborígenes em nosso passado colonial, assim comentou: "cumpre dizer o que, o selvagem, cercado de outros selvagens, por quem teme ser devorado como ele próprio os devoraria se pudesse, não compreende a princípio que ninguém o busque só para lhe fazer o bem".
Pois, não é exatamente assim que ainda agora se portam os "civilizados"? Não estão todos prontos a devorar? Não confiamos em nós mesmos, motivo pelo qual não confiamos em ninguém, sempre preparados para o ataque, em nome da defesa. Vorazes que somos, desacreditamos a humanidade inteira, julgando-a segundo nossa habilidade para a opressão; aceitar a possibilidade do triunfo do bem seria como que uma derrota à nossa maior vocação, o despotismo. Tiranetes, isto sim, ocultamos as intenções de dominação sob a pênula da inocência.(Marcus Moreira Machado)
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