De expressiva relevância é a menosprezada questão da ideologia embasada no agir técnico-científico, o qual tem como função justificar o poder daqueles de quem adota condutas arbitrárias, com o objetivo, por decorrência, de legitimar as relações de dominação.
Ao se analisar o ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se uma recorrente transposição de métodos técnicos objetivos (originários das ciências naturais) para o campo do direito. Tal fato fundamenta-se na necessidade de se trazer à esfera jurídica uma metodologia formal e dogmática, refletindo apreço somente por uma racionalidade abstrata e objetiva.Entretanto, a ciência do direito pressupõe interpretação das normas e análise pormenorizada de cada caso concreto. Mas o uso de técnicas pragmáticas obstam a reflexão do direito, cerceando a participação da população no fenômeno jurídico, reduzindo o direito a uma mera teorização científica.Essa tendência acaba por transformar questões políticas em problemas técnicos, olvidando o zelo pelos direitos da pessoa humana, antes da propalada "eficiência" e "celeridade". À guisa de exemplo, isso se confirma no caso do direito de acesso às questões políticas envolvendo a soberania popular.
Nota-se, a lógica do poder tecnocrático, apresentando-se enquanto sucessora da racionalidade burocrática, atua contra a democracia, pois se esforça na obstrução dos canais de integração dos cidadãos à vida polítcia, excluindo as garantias de participação social na definição das políticas públicas do Estado. Com efeito, cria-se um abismo entre a vontade democrática e o poder, porque este se sente auto-legitimado pela racionalidade técnica.O resultado dessa opção é seu distanciamento da sociedade e a conversão do próprio poder numa máquina anti-democrática, programada à sujeição dos seres humanos a uma racionalidade abstrata, afrontando o mundo real e concreto dos indivíduos, tornando a lei um instrumento contaminado, eficaz na dissipação dos conflitos sociais.Tal condição interfere na legitimidade do direito, porque o conceito de justiça é limitado ao campo teórico, afastando-se da realidade social e do perfil democrático.Impõe-se destacar, o problema da legitimidade do direito repercute no ordenamento jurídico brasileiro, consagrado ao exercício da tutela jurisdicional (no desenvolvimento do poder do Estado para 'dizer' esse mesmo direito) como particularíssima atividade do juiz.
Por consequência, a fim de pretensamente assegurar efetividade e rapidez na prestação jurisdicional, incorporou-se ao sistema técnicas procedimentais unicamente à disposição do juízo.A utilização desses métodos, contudo, suscita questionamentos acerca da legitimidade desses mesmos procedimentos jurisdicionais.Este conceito de atividade jurisdicional limitada ao Poder Judiciário exclui, sem legitimidade alguma, a participação popular do fenômeno jurídico, inibindo a concretização da verdadeira democracia, uma vez descartada as partes do trâmite processual enquanto fonte de legitimação da final decisão.Por efeito, não se pode ver como legítima a decisão onde as partes são reduzidas a meros destinatários de uma providência, alheias à sua construção, apartadas de uma articulação entre o direito e a democracia constitucional.Percebe-se, a questão da eficácia da legitimidade deve ser analisada em conjunto com a legitimidade do direito.No Estado Democrático de Direito, a legitimação apenas será auferida quando ocorrer a devida desvinculação da concepção normativista, a qual defende a legitimidade pela legalidade, e da concepção ideológica, pois esta recorre a uma metodologia técnica voltada ao impedimento da comunição, da integração e do diálogo.Na democracia, o direito deve ser visto como meio de integração social, possibilitando à sociedade exercer diretamente um controle sob a 'vontade da lei', afastando-se a vontade de autoridades ou de pequenos grupos dominantes.A elaboração de um sistema democrático participativo construído por meio dos princípios democráticos constitui, portanto, a forma de se garantir a legitimidade do direito, ausente quaisquer argumentos normativos e ideológicos.
(Caos Markus)
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