Por volta dos séculos XVI e XVII, o castigo que se empunha aos indivíduos culpados traduzia-se em cenário de peça teatral, exposta ao público com rigor de crueldade onde os corpos dilacerados transformava em suplicio para aqueles presos. O corpo supliciado, esquartejado, amputado, mutilado simbolicamente no rosto ou no ombro, sendo exposto vivo ou morto era dado como espetáculo teatral e que tinha o corpo como alvo principal da repressão penal. A certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro.
Não tocar mais o corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que não éo corpo propriamente.
Haverá quem diga: a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicilio, a deportação (que parte tão importante tiveram nos sistemas penais modernos) são penas “físicas”, pois, com exceção de multa, se referem diretamente ao corpo. Mas a relação castigo-corpo não é idêntica ao que ela era nos suplícios. O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o individuo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. Sofrimento físico, a dor do corpo, não são mais os elementos constitutivos de pena. O castigo passou de uma arte de sensações insuportáveis a uma economia dos diretos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis,tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais “elevado”. Por efeito, dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os educadores, por sua simples presença ao lado do condenado. Eles cantam à justiça o louvor de que ela precisa. Eles lhe garantem que o corpo e a dor não são objetos últimos de sua ação punitiva. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Naturalmente, é dado um veredicto, mas ainda que reclamado por um crime, funciona como uma maneira de tratar um criminoso. Pune-se, mas é um modo de dizer que a sociedade, doente, quer obter a cura. Ou, a cura pela loucura.
(Caos Markus)
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